Políticas chinesas e seus impactos na cadeia láctea brasileira

A população da China atingiu 1,411 bilhão de habitantes em 2020, segundo o censo do país do leste asiático, se firmando como o país mais populoso do mundo (atualmente, estudos indicam que poderá ser ultrapassado pela Índia no médio prazo). OK, entendido a magnitude do país. Mas como uma decisão política interna que acontece do outro lado do mundo (literalmente), pode afetar a cadeia global do comércio, e mais ainda, como tem efeito sobre a cadeia láctea brasileira?

Para compreendermos esta questão, primeiro precisamos entender o papel da China no comércio internacional de lácteos. Segundo o USDA, a produção total de leite da China atingiu aproximadamente 34,6 milhões de toneladas em 2021, valor que é insuficiente para atender a demanda do país mais populoso do mundo. Desta forma, os chineses tem um papel fundamental nas importações totais de lácteos do mundo. 

Segundo dados do World Exports, em 2021, o país asiático representou aproximadamente 18,6% do valor total de importações de leites e derivados, totalizando cerca de de U$ 6,1 bilhões em valor de mercado. Este valor é mais que o dobro (185%) do segundo maior importador, a Alemanha. Ou seja, no ano de 2021, aproximadamente um quinto de todas as compras do setor (em valor de mercado) foram realizadas pelos chineses.

Gráfico 1. Importações totais de leite e derivados em 2021 (em x1000 U$).

Fonte: Adaptado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados do World Exports, 2022.

Compreendido a magnitude do país no setor lácteo global, vamos abordar a questão da política de tolerância zero contra a covid-19, e seus impactos na demanda por lácteos.

Neste início de ano, a China vem adotando uma política extremista para o controle da pandemia, não havendo tolerância. Houve registros de cidades entrando em lockdown (confinamento, com privação da liberdade de circular), com apenas um caso de covid-19, e testagens em massa são realizadas em divesas cidades.

Essa dinâmica impacta negativamente na comercialização dos produtos lácteos de duas formas:

1.  A primeira é em questão ao consumo propriamente dito por parte da população. Os “lockdowns” impactam diretamente na venda dos produtos lácteos, uma vez que altera os hábitos de consumo da população.
    
2.  O segundo ponto é na questão logística. O porto da cidade de Xangai, um dos principais do país e o porto de conteiners mais movimentado do mundo, ficou fechado por cerda de dois meses, com suas operações paradas, pressionando as cadeias de suprimentos globais. Um número elevado de congestionamento de navios foi observado no porto, atrasando entregas e dificultando novas negociações de importação por parte do país entre os meses de março e maio, período em que o porto esteve com suas atividades comprometidas.

Gráfico 2. Números de navios esperando para carregar ou descarregar em Xangai.

Fonte: VesselsValue, abril de 2022.

Dados da VesselsValue mostram um aumento de quase cinco vezes no número de navios esperando para carregar ou descarregar em Xangai no período em questão, demonstrando que o congestionamento de navios na região foi intenso e prejudicou a comercialização de produtos.

A seguir temos uma tabela e um gráfico contendo a variação das importações chinesas com os principais parceiros comerciais (os 9 maiores em volume) neste início de 2022, comparando-se com 2021, demonstrando o impacto no volume de leite e derivados adquiridos pelo país neste início de ano.

Tabela 1. Variação no volume total negociado mensalmente com os nove maiores parceiros comerciais da China em 2022 vs 2021.

Fonte: Elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados da IHS Markit, e CLAL, 2022.

Gráfico 3. Variação total do volume importado de leite e derivados da China entre janeiro e maio de 2022, frente ao mesmo período de 2021.

Fonte: Elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados da IHS Markit, e CLAL, 2022.

Nota-se que houve um esboço de reação no início do ano, principalmente em fevereiro. Porém, em março, período em que a política de tolerância zero a covid-19 começou a se intensificar, e o porto de Xangai foi fechado, o cenário se inverteu, e todos os nove maiores parceiros comerciais nas importações chineses tiveram uma drástica redução em seu volume total. Para os meses seguintes, a dinâmica se manteve, levando a uma queda no volume total importado de leite e derivados por parte da China no acumulado do ano, até maio.

Com a menor demanda de um dos principais players no mercado internacional de lácteos, um cenário baixista para os preços se formou, trazendo recuos para os preços.

Gráfico 4. Preço médio leilão GDT x GDT Price Index na primeira quinzena de julho.

Fonte: Global Dairy Trade (GDT) - elaborado pelo MilkPoint Mercado.

Na primeira quinzena de março, os preços médios de leilão GDT atingiram preços históricos, U$ 5.065/tonelada. Após a intensificação dos lockdowns, e o fechamento do porto de Xangai, os preços enfrentaram uma série de quedas consecutivas, chegando a U$ 4.432 /tonelada na segunda quinzena de maio.

Com o retorno das atividades do porto, os preços esboçaram uma reação, porém voltaram a cair com novos lockdowns espalhados por diferentes cidades chinesas, inclusive províncias de Xangai, reacendendo os efeitos negativos desta dinâmica. A variação entre março e julho chegou a aproximadamente -14%, demonstrando as quedas enfrentadas no período, impulsionadas pelas políticas de tolerância zero.

E não foi apenas o mercado lácteo afetado por esta dinâmica, a economia chinesa como um todo vem enfrentando entraves. A economia do país asiático cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre do ano, em relação ao ano anterior, segundo dados oficiais divulgados sexta-feira (15/07). Esse foi o pior desempenho da economia chinesa para o 2º trimestre desde que a série de dados começou, em 1992.

Gráfico 5. Variação do PIB da China em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Fonte: G1 Economia, com dados da Reuters, 2022.

OK. Entendido o panorama de como os lockdowns podem influenciar no mercado de lácteos internacional. Mas, como esses efeitos podem ser sentidos no mercado brasileiro?

A demanda chinesa impacta diretamente nos preços do leilão GDT, que é utilizado como parâmetro e um indicativo para a composição e comportamento dos preços no Mercosul, de onde vem grande parte das importações brasileiras (em torno de 87% no ano de 2021). Dessa forma, uma menor demanda chinesa acarretando em baixa no GDT, pode refletir e elevar a competitividades do produto internacional para o mercado brasileiro.

Gráfico 6. Comparativo da competitividade das importações do Mercosul para o Leite em Pó Integral

Fonte: Elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, 2022.

A partir de abril, com a tendência de redução dos preços internacionais frente a dinâmica citada ao longo desta análise (e também a elevação do risco de recessão econômica mundial), o produto importado proveniente do Mercosul passou a ganhar competitividade, se deparando com um mercado interno brasileiro com uma baixa oferta de leite, e consequentemente, os preços do produto nacional em ascensão. Resultado: Elevação das importações. 

Apesar de não representar um valor extremamente expressivo no total de leite brasileiro (em 2021, as importações representaram 4,08% do volume total da captação formal do Brasil; em 2022, considerando-se o primeiro trimestre, este valor está em 5,5%), as importações contribuem para elevar a oferta no mercado interno brasileiro, e, portanto, tem o seu papel na composição dos preços praticados.

Gráfico 7. Importações em equivalente-leite (milhões de litros) mensais.

Fonte: Elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados da Comexstat, 2022.
 

Resumindo: Mesmo uma política de um país do outro lado do mundo pode influenciar no mercado lácteo nacional, como estamos observando com a política de controle sanitário da covid-19 na China atualmente.

E quais as perspectivas para as próximas semanas?

Os lockdowns na China continuam ocorrendo. Neste início de julho, o país asiático anunciou lockdown para aproximadamente 760 mil pessoas ma província de Anhui, no leste do país, onde ocorreu um surto de covid-19, e foram registrados 287 casos. Além disso, a cidade de Xangai voltou a organizar centros de testagens em massa em nove distritos após a detecção de novos casos de covid-19. O retorno dos locais de teste em mais da metade dos distritos da cidade, acionaram um sinal de alerta, com temores do retorno dos lockdowns na importante cidade chinesa.

Segundo a Nikkei Asia, uma agência de informação chinesa, o país registrou uma média de cerca de 390 novas infecções diárias na última semana, o que marca um aumento em relação aos 340 novos casos da doença por dia nos sete dias anteriores. O que reforça as preocupações com a intensificação dos lockdowns.

Desta forma, em meio a esta dinâmica de controle sanitário na China, o cenário segue baixista para os preços dos derivados lácteos no mercado internacional, conforme observados no gráfico abaixo, com os preços do leite em pó integral apresentando variação de aproximadamente -16% para os preços futuros do período em questão na bolsa da Noza Zelândia, o que deve impulsionar a competitividade dos produtos importados.

Gráfico 8. Preços futuros do Leite em Pó Integral na bolsa da Nova Zelândia (New Zealand Exchange – NZX)

Fonte: Elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados da NZX, 2022.

Caso a política de controle sanitário chegue ao fim, e o país retorne a normalidade, o cenário pode se reverter, e uma elevação da demanda tende a ocorrer. Mas por hora, não é esse cenário que observamos, pelo menos a curto prazo.