Por Maurício Palma Nogueira1, Cristiane de Paula Turco2 e Gabriela O. Tonini2
Recentemente, em artigo publicado na Revista Agroanalysis, editada pela FGV, a Scot Consultoria fez um balanço resumido dos fatos da década de 90 e das perspectivas para 2005. Com base neste estudo, e nos recentes debates sobre custos de produção da pecuária leiteira, optou-se por adaptar o estudo dando ênfase à forma com que o produtor vem lidando com a crise vivida nos últimos quase 15 anos.
É fato que o produtor de leite acabou pagando caro para continuar na atividade ao longo da década de 90. Durante todo o período, os preços caíram sem que os custos se reduzissem na mesma proporção.
Empresas empobreceram pela incapacidade de reinvestir seus bens de capital, numa época em que os investimentos, o aumento de tecnologia e a profissionalização eram exigências para sobrevivência dos empresários.
É fato que todas as atividades rurais sofreram impacto com a competição que se acirrou na década de 90. O mercado estava aberto, o Mercosul era uma realidade em crescimento e a paridade do Real frente ao Dólar durou de 1994 a 1999. Porém, no leite, outras mudanças foram traumáticas.
A desregulamentação do mercado mostrou a inabilidade competitiva de grande parte da indústria nacional, especialmente das de pequeno e médio porte, cooperativas na maioria. Com as empresas despreparadas, a modernização do comércio e dos hábitos dos consumidores, ficou impraticável o investimento em modernização, marketing e troca nas linhas de produção.
O consumidor mudou de hábito, um reflexo da mudança da estrutura familiar nos últimos anos.
Estudo da Latin Panel, instituto de pesquisa, concluiu que o consumidor, em média, vai 1,4 vez por semana às compras. Parte representativa dos consumidores chega a ir 1 vez a cada 15 dias, enquanto o grupo que mais se desloca ao varejo compra cerca de 3,3 vezes por semana.
Sendo assim, era natural que os consumidores passassem a procurar pontos de vendas que oferecessem praticidade, facilidade e diversidade. Quem oferecia isso eram os supermercados.
Estima-se que apenas 20% das compras de varejo eram realizadas em redes de supermercados até o final da década de 80. Ao final dos anos 90, cerca de 85% a 90% das vendas do varejo estavam concentradas nas grandes redes.
Pesquisa da FGV Consulting, encomendada pela Fiesp, aponta para concentração de 69,9% do faturamento do setor em cinco redes varejistas. A Apas, Associação Paulista de Supermercados, aponta que apenas 30% a 40% das vendas estão nas mãos dos dez maiores.
Com o fortalecimento dos supermercados, e consumidores indo cada vez menos às compras, o setor leiteiro precisava de um produto moderno, melhor apresentável e que durasse mais tempo nas residências.
As indústrias brasileiras, posicionadas no leite pasteurizado em saquinho, não tinham condições de modernizar a apresentação. Faltavam recursos e a qualidade da matéria-prima no Brasil era sofrível, pois nunca se investira em qualidade do leite, salvo em algumas poucas regiões com pecuária mais avançada.
Sendo assim, o produto que as empresas apresentavam não atendeu mais às exigências dos consumidores. Quem ocupou o espaço deixado foi o leite longa vida, cuja participação no mercado de leite fluído saiu de 4% para os atuais 74%.
Somente as grandes empresas estavam capitalizadas, mesmo nacionais, que se posicionavam em produtos de maior valor agregado, e as multinacionais com mais fôlego e maior facilidade na captação de recursos. A maior parte das que se posicionavam apenas no leite pasteurizado não tinha condições. A crise foi inevitável.
Com a indústria em crise, os preços aos produtores foram significativamente reduzidos durante todo o período, quando se consideram os valores reais, ou seja, quando se considera a inflação no período. Observe, na figura 1, a série de preços dos últimos 10 anos, em valores reais, deflacionados pelo IGP-DI.
Em valores reais, os preços médios do leite de 2004 foram 38% inferiores aos preços médios de 1991, início da década de 90. O auge da crise de preços ocorreu exatamente na virada de 2001 para 2002, quando se registrou o menor preço real do leite. Em valores atuais, o menor preço em São Paulo foi R$0,42/litro nos meses de novembro e dezembro de 2001.
Diversos analistas acreditam que as análises não devem considerar o IGP-DI como índice para comparar os valores do leite. Teoricamente, os custos de produção aumentariam em proporções inferiores ao índice.
Pois bem, o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna) é calculado mensalmente pela FGV. Instituído em 1944, tem a finalidade de medir o comportamento de preços, em geral, da economia brasileira. É uma média aritmética, ponderada dos seguintes índices:
- Índice de Preços no Atacado (IPA), que mede a variação de preços no mercado atacadista. O IPA pondera em 60% o IGP-DI.
- Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que mede a variação de preços entre as famílias que recebem renda de 1 a 33 salários mínimos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O IPC pondera em 30% o IGP-DI/FGV.
- Índice Nacional da Construção Civil (INCC), que mede a variação de preços no setor da construção civil, considerando, no caso, tanto materiais como também a mão de obra empregada no setor. O INCC pondera em 10% o IGP-DI.
Para utilizar os índices de inflação, os institutos determinam um mês padrão como "base", ou seja, índice 100. No caso do IGP-DI, o mês base (igual a 100) é agosto de 1994.
Visando checar se realmente os custos da pecuária leiteira não acompanharam o IGP-DI, a Scot Consultoria comparou a evolução dos valores de alguns dos principais insumos usados na pecuária leiteira, do leite e do IGP-DI. Estes insumos foram os fertilizantes, concentrados protéicos, concentrados energéticos e diesel. As variações para cada item foram calculadas com base em diversos produtos, sempre optando pelos mais demandados.
Estabeleceu-se, para todos, o mês de agosto de 1994 como índice 100. A partir daí, através da evolução dos preços, os valores foram sendo corrigidos, tal qual é feito com o IGP-DI.
Os preços dos insumos são FOB (para retirar) e referem-se às cotações de mercado levantadas pela equipe da Scot Consultoria, ao longo destes últimos anos. Observe, na figura 2, a evolução dos índices IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, do leite e dos insumos, montados pela equipe Scot Consultoria.
Na tabela 1, estão os valores do índice no início da análise, agosto de 1994, até o final, dezembro de 2004.
Tabela 1: Índices comparados do IGP-DI no início, em 1994, e no final da análise, em dezembro de 2004
Observe, que em todo o período, o reajuste nos preços do leite em São Paulo foi apenas 54% do reajuste do IGP-DI. No caso dos insumos, apenas os concentrados protéicos ficaram abaixo do IGP-DI. Mesmo assim, todos superaram a evolução do preço do leite.
Os números são incontestáveis. O setor leiteiro passou por crise acentuada neste período e apenas quem foi capaz de suportá-la chegou ao início do século XXI com saúde para continuar na atividade.
Os custos de produção leiteira aumentaram consideravelmente em proporções bem maiores que a inflação medida pelo IGP-DI. Tal comportamento levou à conclusão de que a produção de leite com tecnologia era inviável. Sendo assim, a solução seria a produção extensiva. De fato, sem aplicar insumos, que aumentaram acima da inflação, a impressão é de que o custo de produção era mais baixo.
Evidentemente que não entra a remuneração da terra e dos bens de capital nestes cálculos. Muitos, na verdade, não consideravam nem as depreciações e remunerações do trabalho do próprio empresário. O que gastar é custo, o que sobrar é lucro.
Em longo prazo, essa postura é prejudicial aos produtores, às indústrias, aos consumidores e ao país como um todo. O mau uso da terra e a pouca aplicação de tecnologia são os maiores inimigos da criação de empregos e da proteção ambiental.
Ainda assim, grande parte dos empresários continuou buscando soluções para os seus problemas e avançaram com o processo tecnológico. Atualmente, a pecuária trabalha com melhor nível de tecnologia, maior conhecimento técnico e maior eficácia na aplicação de tais conhecimentos.
Para conseguir produzir leite a custos abaixo dos R$0,80/litro - valor que seriam os custos atuais caso os de 10 anos atrás tivessem acompanhando a inflação pelo IGP-DI - o produtor teve que aumentar a eficiência produtiva.
Sendo assim, em média, uma fazenda atual é significativamente melhor à de 10 anos atrás em termos de eficiência na utilização dos insumos e recursos disponíveis.
A pecuária leiteira também "subiu no bonde" da modernização do agronegócio.
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1 Engenheiro agrônomo, Scot Consultoria
2 Médicas Veterinária, Scot Consultoria