Não há nenhuma novidade. Todos sabemos que os preços recebidos pelos produtores caíram nos últimos anos e a produção de leite se elevou. Um contra-senso aparente, pois uma das poucas leis que existe na ciência econômica afirma que a oferta é irmã xifópaga dos preços, ou seja, se os preços recebidos caem, cai a quantidade ofertada. Por que o inverso aconteceu?
Um dos motivos foi a queda da inflação após 1994, com o Plano Real. A inflação sempre retira renda dos assalariados e dos setores da economia que não tem poder de mercado a ponto de fazer com que seus preços corram na frente da Inflação. No caso do leite, a brutal redução das taxas inflacionárias permitiu que os consumidores continuassem a consumir os cerca de 10% do que em média gastam de sua renda com alimentos. Só que com mais renda. Com o aumento do poder aquisitivo inversamente proporcional à queda da inflação, as famílias passaram a ter mais renda para consumir produtos lácteos. Isso explica o aumento de demanda desses produtos nos primeiros anos de estabilização monetária.
O produtor de leite, que recebe o valor de sua produção uma vez por mês, agiu como qualquer empresário. A retirada da inflação foi captada como um aumento de receita real. Logo, investiu em aumento da produção. E a lei da oferta, descrita no primeiro parágrafo, se manteve válida.
Mas isso tudo teria se dissipado com a perda de poder aquisitivo do consumidor e do produtor, que começou em 1997 e não se recuperou até os dias atuais. Então, o que efetivamente impulsionou o aumento da competitividade dos produtos lácteos nacionais, a ponto de a Serlac estar em vertiginoso crescimento no mercado mundial, por exemplo? Foi a adoção de conceitos de logística integrada!
Antes de continuarmos, logística não é sinônimo perfeito de transporte, como muitos imaginam. Para ficarmos em somente uma definição, logística "é o processo de planejar, implementar e controlar, de maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor". Veja quantas palavras importantes tem nesta definição: planejar e controlar, fluxo, informações, ponto de origem e consumidor, com seus requisitos. Curioso: não apareceu a palavra transporte.
A figura 1 retrata muito bem essa definição. A concepção de logística começa lá nos fornecedores (produtores de leite incluídos), e vai até ao consumidor. Agora veja as tabelas 1 e 2. A primeira retrata os custos de uma empresa industrial típica americana. Veja que o item custos logísticos não chega a onerar em 20% o custo total. A seguir, veja a decomposição dos custos logísticos na tabela 2. Transporte não chega a 1/3 dos custos logísticos, ou pouco mais de 6% do custo total de uma empresa fabril.
A transformação na cadeia produtiva do leite deve ser creditada aos laticínios, que felizmente perceberam a necessidade de se redesenhar todo o processo de organização dos lácteos, ainda nos meados da década de noventa. E esteja certo: a granelização é apenas o item mais visível da adoção dos conceitos de logística, embora de extrema importância e de efeitos concretos na redução do custo dos derivados para o consumidor. Esse é um assunto de extrema importância e complexo. Por isso, voltarei a abordá-lo no artigo da próxima quinzena.