2008, afinal vai tendo um comportamento parecido com 2005: preços começando o ano mais fortes, boas perspectivas, produção em alta e, em meados do ano, justamente na entressafra do Centro-Oeste e Sudeste, os preços perdem força e seguem ladeira abaixo.
Gráfico 1. Preços ao produtor, em R$/litro (fonte: Cepea).
Para explicar essa situação, é válido começar pela oferta. Os dados do IBGE indicam aumento de nada menos do que 13,9% sobre o mesmo período do ano passado. Isso dá cerca de 1,178 bilhão de litros a mais, coletados pelo Sistema de Inspeção Federal. No ano passado todo, em que a produção inspecionada cresceu 7,3%, foi colocado no mercado 1,22 bilhão de litros a mais. O gráfico 2 mostra a magnitude do aumento desse primeiro semestre.
Nota-se que tivemos 3 anos com aumentos substanciais: 2001 sobre 2000; 2005 sobre 2004 e 2008 sobre 2007, este último justamente o de maior aumento. Nestes três períodos, na seqüência do aumento da produção, houve forte queda de preços. Em 2001, apagão, crise na Argentina e 11 de setembro contribuíram para a retração do mercado. Hoje, nossa economia cresce mais e temos as exportações, mas 1 bilhão de litros a mais em 6 meses continuam sendo 1 bilhão de litros a mais em 6 meses... mesmo com o crescimento nas exportações, ficou muito leite no mercado interno.
A tabela 1 mostra o consumo aparente de leite nos últimos anos e no primeiro semestre deste ano. Nota-se que, de 2001 em diante, aumentamos significantemente a quantidade de leite formal consumida no mercado interno, passando de 79,15 kg/pessoa/ano em 2001 para 92,68 kg em 2007, um aumento de 17% no período. Só no primeiro semestre desse ano, disponibilizamos quase 50 kg por pessoa que, se extrapolados para o ano, dariam quase 99 kg/pessoa/ano, ou mais 6 kg para cada pessoa nesse ano.
Isso não vai acontecer, porque o acréscimo da produção no segundo semestre será bem menor do que no primeiro, quando a base de comparação (início de 2007) era muito baixa. De qualquer forma, esse leite a mais no primeiro semestre existiu e explica em grande parte o movimento verificado de junho em diante.
Tabela 1. Consumo per capita aparente de 2001 a 2007 e no primeiro semestre de 2008.
Mesmo com essa oferta mais alta, no decorrer do primeiro semestre, o leite pago ao produtor subiu mais do que os produtos no atacado. Como exemplo, o gráfico 3 traz a variação do leite UHT no atacado, que em junho de 2008 estava em um patamar 11% abaixo do mesmo período do ano passado, ao passo que o produtor recebia 22% a mais. Embora não tenhamos os dados de julho em diante, certamente o produtor perdeu essa valorização sobre 2007, mas muito provavelmente o leite UHT também foi ladeira abaixo, com negócios hoje na faixa de R$ 1,05 a R$ 1,40, dependendo da praça, contra valores médios de R$ 1,51/kg em junho.
As razões para essa discrepância já foram comentadas em outras ocasiões: disputa pelo leite pelos laticínios, visando ganhar faturamento e captação para valorização em uma futura venda (o mercado estava bastante aquecido); expectativa de 2008 repetir 2007 em relação à escalada de preços; preços internacionais em patamares bem superiores, com Venezuela mantendo compras a preços inclusive superiores à média do mercado internacional; aumento dos custos de produção, em especial a ração concentrada, que diga-se de passagem, subiu mais do que o leite ao produtor (ver novamente o gráfico 3).
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Nada disso se materializou. Os preços no mercado internacional derreteram em um espaço de quatro meses, saindo de US$ 4.500/tonelada para menos de US$ 3.000/tonelada; o dinheiro secou, com o agravamento da crise financeira mundial; o consumidor brasileiro se viu frente a um aumento generalizado de preços, tendo seu poder de compra diminuído. Resultado: os preços não se sustentaram, nem no varejo (o IPCA da última semana mostra queda de 7,31% do leite longa vida no varejo), nem no atacado e, por fim e de forma mais dolorosa, nem ao produtor.
O que teremos nos próximos meses? É difícil fazer qualquer previsão nesse momento, pois o mundo passa por uma forte crise de confiança no sistema financeiro, afetando a economia mundial, cujos desdobramentos ainda não se conhecem totalmente. No cenário interno, há também divergências. Enquanto há quem considere que o pior já passou, outros acham que as quedas vão se prolongar à medida que a safra do Centro-Oeste e Sudeste aumente.
De qualquer forma, temos algumas pistas:
- a Fonterra realizou novo leilão ontem, com valor ao redor de US$ 2.830-2.900/tonelada, acima do preço de reserva de US$ 2.680/tonelada. Isso pode indicar que os preços lá fora deixaram de cair, embora logicamente estejam em um piso nada confortável (a valorização do dólar, porém, nos ajuda). Hoje, supondo mercado externo a US$ 3.100 e câmbio de 1,90, o preço de equivalência será por volta de R$ 0,60/litro. Se o dólar subir, fixando-se acima de R$ 2,00, a situação logicamente melhora.
- no mercado interno, é possível que os preços no atacado estejam atingindo os limites mínimos. O leite longa vida, conforme mencionado, é negociado entre R$ 1,05 e R$ 1,40/kg, dependendo do local, volume e marca (alguns apontam já leve reajuste); o preço dos queijos está estável, entre R$ 7,00 e R$ 8,50/kg (a greve em Rondônia talvez tenha ajudado, uma vez que o estado é forte produtor de mussarela), o leite em pó é vendido entre R$ 6,00 e R$ 9,00, mas há produtores menores vendendo ainda a preços mais baixos.
- como reflexo desse cenário, o leite spot, que parece estar difícil de comprar, talvez consiga manter os preços nessa primeira quinzena de outubro, apesar de estar em valores muito baixos, entre R$ 0,50 e R$ 0,60/kg, ou até menos, se falarmos do sul do país.
- a queda dos lácteos no varejo (principalmente longa vida), ocorrida em agosto e principalmente setembro, pode ajudar a escoar os estoques, que ainda são bastante grandes para leite em pó.
O que pode mudar essa análise? A entrada precoce das chuvas no Sudeste e Centro-Oeste pode elevar a oferta de leite e novamente desestabilizar oferta e demanda. Porém, a julgar pelos dados de captação de leite do Cepea (gráfico 4), o aumento previsto para o segundo semestre de 2008 será bem mais modesto do verificado no primeiro semestre. Em julho, o aumento sobre julho de 2007 já estava em 10%, contra mais de 25% apenas quatro meses atrás. Em agosto, somente 4,2% de aumento. E aposto em nova desaceleração: com o balde de água fria representado pela forte queda nos preços, a venda de ração já caiu e muita gente vai sair da atividade ou reduzir a produção, em especial o produtor que pegou carona no bom momento. O Sul, também, perde força a partir de agora.
De qualquer forma, seria muito importante que o setor tivesse formas de escoar a produção no mercado internacional (via PROP) ou aumento dos recursos para estocagem (via EGF), o que não parece fácil considerando o aperto na disponibilidade de recursos.
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Pode-se argumentar que deixar de cair (ou cair só mais alguns centavos até o final do ano) não representa um cenário animador, considerando que os preços estão baixos. É verdade. Aqui, no entanto, vale uma análise: há fortes variações regionais nas cotações e entre produtores de uma mesma região, assim como na política de pagamento do leite por parte das empresas.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, há preços entre R$ 0,30 (isso, R$ 0,30!) e R$ 0,55/litro (há exceções a preços mais altos, em função da política de compra de leite das empresas); em MG, entre R$ 0,55 e R$ 0,75/litro. Todos tiveram redução de preços, mas a situação não está ruim da mesma forma para todos os produtores. Quem recebe hoje R$ 0,65 - R$ 0,75 pode não estar ganhando como antes, mas considerando que se trata de um mau momento, é possível conviver e manter a perspectiva de médio prazo, onde a situação deve melhorar. Já quem recebe R$ 0,30... Certamente, o pequeno produtor terá muitas dificuldades nesses próximos meses. Do lado positivo, expectativa de valores mais baixos para o milho, o que reduz os custos de alimentação e torna a situação um pouco menos desconfortável.
Em suma, alta oferta e baixa demanda são uma equação com resultado já conhecido: queda de preços, que acaba sendo repassada ao produtor, em função de seu menor poder de barganha, como já comentado nas dezenas de cartas recebidas nos últimos dias. Os próximos meses serão difíceis, mas o pior, espero, já veio, e de forma nada suave.