“A tecnologia avançou muito nos últimos anos, mas sem romper uma lógica de desigualdade”, afirma Winston Oyadomari, coordenador da TIC Domicílios, levantamento anual realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Comparados, os percentuais urbanos e rurais medidos pela pesquisa mostram um aumento da distância entre o campo e a cidade em termos de conectividade. Se em 2008 essa lacuna era de 16 pontos percentuais (20% versus 4%), no ano passado a diferença saltou para 26 pontos (70% contra 44%).
Ao todo, dos 70 milhões de domicílios existentes no Brasil, 14% estão situados em áreas rurais. Mesmo com a expansão da oferta de banda larga fixa pelos pequenos e médios provedores regionais, a conexão à internet via celular (3G e 4G) ainda predomina no campo. Levando em consideração os dispositivos utilizados para acesso individual à web, no campo 77% dos usuários de internet têm o telefone móvel como único canal de conexão à rede mundial de computadores. Na cidade, esse percentual é de 54%.
Um especialista que há décadas acompanha a evolução do mercado brasileiro de telecomunicações avalia que - no quadro regulatório atual - a desigualdade entre campo e cidade em termos de conectividade não será zerada unicamente pela ampliação do alcance das redes 3G e 4G existentes.
Pela regulamentação vigente, a cobertura celular é obrigatória em apenas 80% da área geográfica do distrito-sede de um município, afirma a fonte, que pediu para não ter seu nome citado. Outros distritos dentro de um mesmo município não precisam contar necessariamente com o serviço móvel. Nessas localidades, fica a critério das operadoras de telecomunicações implementá-lo ou não, de acordo com o potencial de mercado, acrescenta o especialista.
“Cinco milhões e duzentos mil pessoas nas áreas rurais do Brasil não têm acesso à internet. Esse contingente está muito espalhado”, afirma Oyadomari, responsável pela pesquisa do Cetic.br. “A lógica do provimento de serviço é atender regiões em que a população esteja mais concentrada.”
A densidade populacional mais alta nas áreas urbanas ajuda a explicar o maior número de conexões via cabo ou fibra nas cidades. No grupo de domicílios urbanos conectados à internet, 41% são atendidos por meio de uma dessas duas tecnologias, enquanto no campo esse percentual cai pela metade (20%).
“Em todos os grandes países com territórios vastos, levar o acesso de banda larga à internet a áreas rurais é um grande desafio. Esse é um problema nos Estados Unidos, na China, na Índia, na Austrália, na União Europeia, bem como no Brasil”, afirma Ricardo Tavares, presidente executivo da consultoria TechPolis.
Uma alternativa que começa a ser utilizada na Europa é o compartilhamento de redes em áreas rurais, lembra ele. “[É algo] que já existe no Brasil, mas de maneira tímida. Pode ser ampliado e já tem o aval da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]”, acrescenta.
Outra opção seria atrelar o leilão das faixas de frequência que serão usadas na telefonia móvel de quinta geração (5G) a metas de cobertura 4G, diz Eduardo Tude, diretor-presidente da consultoria Teleco. Isso implicaria em realizar uma licitação de espectro sem viés arrecadatório, voltada principalmente para o aumento da oferta de serviços em regiões menos atrativas do ponto de vista do retorno sobre o investimento.
Apontada como substituta para a banda larga fixa, a tecnologia 5G - por si só - não diminuiria a lacuna digital entre áreas urbanas e rurais, afirma Tavares, da TechPolis. “O 5G não vai afetar a cobertura rural nos primeiros sete anos da tecnologia, entre 2020 e 2026.
As bandas utilizadas são bandas altas, pouco eficientes para cobertura rural, como 3,5 gigahertz (GHz) e 26 GHz que a Anatel pretende leiloar no ano que vem. O 5G deve começar no Brasil em hotspots [pontos específicos], com baixa cobertura”, afirma.
Para além da divisão geográfica entre campo e cidade, o levantamento do Cetic.br espelha também desigualdades de renda e conhecimento. A TIC Domicílios estimou em aproximadamente 16 milhões o número de brasileiros com renda até um salário mínimo que nunca usaram a internet. “Nas classes D e E, por exemplo, 31% não têm celular”, diz Oyadomari.
O levantamento indica que um terço dos lares no Brasil seguem desconectados. E, dentro desse universo específico, em 14 milhões de domicílios (61%) os respondentes informaram que não dispõem do serviço de acesso à web por causa do preço. A insuficiência de renda, no entanto, está longe de ser o único empecilho no caminho em direção à popularização da internet no mercado brasileiro.
Além do preço e da disponibilidade dos serviços, a falta de familiaridade com a tecnologia é um dos maiores obstáculos no acesso à web. Em 2018, 11,32 milhões de brasileiros declararam falta de interesse em se conectar à internet. O total representa 27% dos indivíduos que afirmam nunca ter se conectado à rede mundial de computadores. Em 2017, na edição anterior da pesquisa, o percentual estava no patamar de 29% (13,48 milhões de pessoas).
A TIC Domicílios foi realizada a partir de uma amostra de 23.508 residências localizadas em 350 municípios.
As informações são do jornal Valor Econômico.