A DRB causa perdas diretas vinculadas ao custo com o tratamento de bezerras doentes, porém perdas indiretas provocadas pela doença são muito mais importantes. As perdas indiretas estão associadas às perdas por descarte, mortes, redução no ganho de peso, idade ao desmame, redução nas taxas produtivas e reprodutivas.
A detecção precoce da DRB tem sido um desafio, uma vez que o atraso no diagnóstico propicia o desenvolvimento de sequelas como perda de tecido pulmonar, abscessos pulmonares, infecção na orelha interna (otite), maior tempo de utilização de antibióticos, repetições da doença nos mesmos indivíduos e disseminação dos micro-organismos causadores da doença na cria e recria.
O artigo “Sanidade na Criação de Bezerras – parte III” possui o objetivo de trazer informações a respeito da doença respiratória com o intuito de ressaltar os principais fatores de risco e as suas respectivas soluções, informações e o treinamento técnico da equipe do bezerreiro com o foco na detecção precoce (monitoramento) da doença. Por fim, serão abordadas medidas para a prevenção da enfermidade, como a metafilaxia e vacinação das bezerras.
Doença Respiratória Bovina (DRB)
A DRB é caracterizada pela broncopneumonia, que significa inflamação nos componentes do trato respiratório. Os principais fatores de risco estão vinculados ao ambiente e ao animal.
Em relação aos fatores de risco associados com o ambiente pode-se destacar a temperatura, umidade, ventilação e superlotação das instalações. A escolha do tipo de bezerreiro deve considerar todos estes aspectos para que a taxa de DRB esteja no limite aceitável, ou seja, não superior a 10%.
A temperatura é um importante fator de risco ambiental para a doença respiratória. Situações extremas não são recomendas, pois, temperaturas acima ou abaixo da faixa de temperatura considerada ideal para bezerras (10 a 30°C) podem promover estresse térmico. O indicador mais utilizado para avaliação do estresse pelo calor em bezerras é o aumento da frequência respiratória (acima de 36 respirações por minuto), pois este é um reflexo automático na tentativa de dissipar (eliminar) o calor com o objetivo de reduzir a temperatura corpórea. Porém, se o limite de adaptação do animal for ultrapassado, a depender da intensidade e duração do calor, tem-se início os efeitos negativos do estresse, ocorrendo um alto gasto de energia, redução da eficiência alimentar e supressão (diminuição) da resposta imune. Em casos mais avançados de estresse pelo calor, os animais podem respirar com a boca aberta e salivarem bastante.
Bezerras são mais susceptíveis aos efeitos do frio do que novilhas e vacas, uma vez que os mecanismos de defesa ao frio e conservação corporal do calor ainda não estão completamente desenvolvidos. Animais jovens possuem a massa corporal mais concentrada, em virtude do menor tamanho, facilitando a perda mais rápida de calor, Além disso, a pele é mais fina, os animais possuem pouca quantidade de gordura no tecido subcutâneo e há maior perda de calor por evaporação quando a pele está molhada. É importante monitorar as bezerras determinando-se a temperatura retal, usando um termômetro digital facilmente encontrado nas farmácias humanas; temperaturas abaixo de 37,7°C já exigem uma maior atenção e busca por alternativas que aqueçam o ambiente ou o próprio animal.
Na maior parte do Brasil, mesmo as mais baixas temperaturas ambientais de inverno dificilmente registram valores abaixo dos 10°C, limite mínimo considerado como termoneutro para as bezerras, ou seja, os animais podem tolerar temperaturas baixas desde que estejam devidamente secos.
O estresse pelo frio ou calor das vacas no periparto e bezerras também reduz a concentração e absorção intestinal de anticorpos colostrais pelas recém-nascidas. Por fim, altas temperaturas promovem aumento na concentração de bactérias suspensas no ar facilitando a propagação do agente causador no sistema de criação.
No Quadro 1 estão apresentadas algumas estratégias que poderão ser utilizadas para reduzir o efeito do estresse térmico sobre as bezerras. A estratégia ideal de controle do calor ou frio irá variar de fazenda para fazenda e dependerá das condições climáticas da região, infraestrutura e mão de obra disponíveis, além da avaliação do custo x benefício.
Ambientes muito úmidos (umidade relativa do ar ≥75%) possuem gotículas de água suspensas no ar (aerossóis), favorecendo a sobrevivência das bactérias que permanecem no interior destas gotículas. Além disso, o excesso de umidade ambiental torna os pelos das bezerras úmidos, impedindo a capacidade de isolamento térmico, o que pode reduzir drasticamente a temperatura corpórea dos animais.
A ventilação adequada dentro das instalações também é extremamente importante, pois permite a eliminação dos gases produzidos pelos animais e gerados pelo acúmulo de fezes e urina (monóxido de carbono, metano, amônia, sulfeto de hidrogênio) e reduz a umidade.
Os sistemas de criação adotados no Brasil são extremamente variados. Se as bezerras forem criadas em sistema à pasto e com casinhas abertas lateralmente, a remoção dos gases ocorre pela ventilação natural, não necessitando, portanto, de equipamentos. Nestas situações a preocupação, portanto deve ocorrer com a eliminação da umidade, fato que pode ser garantido pela incidência da luz do sol.
A superlotação das instalações também aumenta as chances de transmissão e permanência dos agentes infecciosos no ambiente. No caso de surtos de DRB, as principais formas de transmissão são os aerossóis (gases) e o contato direto entre os animais, portanto, cuidado especial deve ser tomado com relação à ventilação da instalação e aglomeração dos animais. No caso de baias individuais fixas, pode-se considerar a área de 1,50 a 1,80 m2 por animal e no caso de casinhas individuais à pasto, deve-se respeitar uma distância mínima de dois metros entre cada uma delas e fornecer uma área total de 2,2 a 3,0 m2 por bezerra. Em propriedades que adotam bezerreiro coletivo e utilização dos alimentadores automáticos, deve-se agrupar no máximo até 25 bezerras por lote, respeitando o espaço de 2,3 a 2,8 m2 por bezerra.
Considerando as diferenças geográficas e climáticas existentes no Brasil, é difícil determinar um modelo ideal de bezerreiro. Entretanto, fatores comuns devem ser considerados no momento da sua instalação na fazenda, pois o mesmo deverá garantir conforto, boas condições de higiene, saúde e manejo às bezerras, além de diminuir a ação direta dos fatores ambientais como radiação solar, extremos de temperaturas, umidade do ar ou ventos e apresentar o melhor custo x benefício de acordo com cada fazenda.
Os tipos de bezerreiros mais utilizados no Brasil são: sistema convencional de baias de madeira ou alvenaria fixas em galpões; gaiolas móveis em galpões ou estábulos; abrigos à pasto individuais móveis; abrigos móveis e individuais à pasto (sistema tropical); e bezerreiro tipo argentino (Figura 1). Galpões ou estábulos devem ser construídos considerando-se o eixo longitudinal na posição leste-oeste, o que promove menor incidência de radiação solar no interior das instalações no verão e proteção contra os ventos e maior insolação na face norte durante o inverno.
Durante a fase de aleitamento, a forma mais adequada de criação das bezerras é a individual, pois reduz o risco de disseminação de doenças por contato direto entre os animais ou contaminação dos utensílios. Além disso, a criação individual evita os problemas de dominância entre os animais, facilitando a ingestão de alimentos e permitindo um maior controle da quantidade ingerida por animal. As instalações individuais devem permitir a visualização entre os animais, além de garantir espaço para movimentação, descanso e acesso aos alimentos. Por outro lado, a preocupação atual com o bem-estar dos animais sugere o agrupamento das bezerras em pequenos lotes, uma vez que a socialização e o comportamento lúdico reduzem o estresse. O problema deste tipo de criação é a maior chance de contaminações cruzadas por contato direto entre os animais e variações no ganho de peso.
Algumas fazendas utilizam o alimentador automático (Figura 2) quando optam pelo agrupamento para facilitar o manejo envolvendo o aleitamento, além de permitir o controle da quantidade de ingestão diária de leite e ração (a depender do equipamento) por bezerra. Este sistema está em crescimento no Brasil em fazendas tecnificadas, porém todo cuidado é pouco na introdução das bezerras (ao redor 14 dias) neste sistema de criação, porque o reagrupamento, adaptação ao alimentador, maior contato entre os animais, dificuldade em manter o ambiente limpo devido à menor frequência de limpeza das camas e alojamento são fatores de risco para a doença respiratória.
Figura 1 – Modelos de bezerreiros utilizados no Brasil. Cada qual possui as suas vantagens e desvantagens de acordo com as condições ambientais, facilidade de limpeza, troca de cama e condições de conforto para as bezerras. Fonte: Viviani Gomes.
Figura 2 – Bezerras criadas em sistema coletivo com alimentador automático.
O principal fator de risco associado ao animal é a imunidade, inclusive a precocidade da DRB está associada ao manejo de colostro. A doença respiratória é apontada como uma das principais causas de morte em bezerras cuja colostragem foi inadequada. Quanto maior os níveis de anticorpos maternos recebidos pelas bezerras durante a mamada de colostro, maior será a duração da sua proteção contra os agentes causadores da DRB. Os protocolos de fornecimento de colostro e os aspectos vinculados à sua qualidade foram abordados no artigo “Sanidade na criação de bezerras: do segundo aos 30 dias de vida – parte II de IV”.
Outro fator importante que influencia na predisposição dos bovinos às doenças respiratórias, são algumas características anatômicas ou imunológicas que eles apresentam e não são verificadas em outras espécies animais, como:
(1) vias aéreas estreitas, tornando o fluxo de ar mais lento, facilitando a permanência dos agentes nocivos no trato respiratório;
(2) árvore brônquica muito longa, que aumenta a área de "espaço morto", podendo favorecer a deposição de partículas e aumentar o tempo de trânsito dos gases e vapores inalados;
(3) pulmão compartimentado, limitando a capacidade de ventilação, tornando mais difícil a eliminação dos agentes (4) menor quantidade de macrófagos alveolares, que são células que engolfam micro-organismos invasores que adentram o trato respiratório.
O estresse também atua como um fator de risco para o animal. Os fatores estressantes como o nascimento, transporte, desmame, descorna e agrupamento estão presentes na vida das bezerras e podem enfraquecer as defesas, predispondo às infecções. O estresse promove estimulação de duas regiões do cérebro (hipotálamo e hipófise), que liberam hormônios que irão estimular a glândula adrenal (localizada nos rins), a produzir hormônios do estresse, como o glicocorticoide (GC), hormônio que provoca supressão do sistema imune. Bezerras estressadas podem apresentar redução na atividade dos fagócitos (que englobam bactérias invasoras), proliferação (multiplicação) dos linfócitos e baixas concentrações sanguíneas de imunoglobulinas.
Confira em breve a 2ª parte deste artigo (Sanidade na criação de bezerras: dos 31 dias ao desmame - Parte IIIb).