O leite, assim como a urina, é um veículo de excreção do excesso de nitrogênio no organismo do animal. Esse nitrogênio excedente pode ser originado por excesso de proteína degradável no rúmen (PDR) na dieta, falta de energia no rúmen para utilização de toda a PDR disponível, excesso de proteína metabolizável ou perfil de aminoácidos não adequado da proteína não degradável no rúmen (PNDR).
A degradação da PDR no rúmen gera nitrogênio amoniacal, que é utilizado pelos microorganismos para sua multiplicação, em um processo dependente de energia. Quando há excesso de PDR, ou falta de energia para utilização dessa proteína, o excesso de nitrogênio amoniacal é absorvido pela parede ruminal e transportado ao fígado para ser convertido em uréia, uma vez que amônia é tóxica ao organismo. Essa uréia é então liberada na corrente sanguínea, sendo o principal contribuinte para a uréia plasmática.
Da mesma forma, os aminoácidos e peptídeos da proteína metabolizável não utilizada pelo animal, seja por excesso ou por perfil de aminoácidos inadequado, são deaminados no fígado e o nitrogênio é convertido em uréia, que também é liberada na corrente sanguínea. Por fim, a uréia circulante pode ser reciclada para o rúmen e para a saliva, ou eliminada via urina e leite. Como a uréia é uma pequena molécula neutra que se difunde facilmente pelas membranas, conforme o sangue circula pela glândula mamária, a uréia se difunde para dentro ou para fora das células secretoras de leite, estabelecendo um equilíbrio entre sangue e leite.
O teor de nitrogênio uréico no leite (NUL) pode ser, então, utilizado como indicativo do excesso de proteína na dieta ou de má qualidade dessa proteína. Entretanto, as variações nos teores de NUL são grandes tanto ao longo do dia, como entre animais e em diferentes níveis de produção, tornando difícil o estabelecimento de valores de referência para o parâmetro. Dados de literatura apontam como padrões de referência de NUL valores entre 10 e 14 mg/dL, dependendo do nível de produção de leite do rebanho, mas como vimos no artigo Reduzindo o teor de proteína bruta em dietas para vacas leiteiras (clique aqui para ler), valores menores não necessariamente indicam deficiência de proteína na dieta, mas sim podem refletir melhor eficiência de utilização do nitrogênio dietético devido ao ajuste fino e cauteloso da dieta (balanceamento por amino ácido, por exemplo).
Uma forma de tornar mais precisa a interpretação de valores de NUL é a combinação desses dados com o teor de proteína bruta do leite avaliado. A tabela 3 apresenta, de forma simplificada, como a análise combinada dessas duas informações pode inferir sobre características da dieta.
Tabela 1. Avaliação combinada de NUL (mg/dL) e teor de PB (%) do leite para análise das características da dieta.

De acordo com a tabela 1, teores de NUL e PB estão baixos são indicativos de falta de PB e PDR na dieta. Já quando o NUL é elevado e a PB é baixa, a PDR está excessiva, ou mal utilizada por falta de energia e, com isso, ocorre deficiência de proteína metabolizável. Essa situação pode decorrer também de proteína metabolizável de má qualidade. Apesar de bastante prática, essa tabela deve ser utilizada com cuidado, especialmente quanto aos valores absolutos usados como referência, que são variáveis de acordo com cada situação.
Além dos teores de cada componente do leite, informações interessantes podem ser extraídas da relação entre alguns componentes como, por exemplo, a combinação entre NUL e PB, recém abordada nesse texto.
A relação entre teores de gordura e proteína do leite é talvez o parâmetro mais comumente utilizado para avaliação nutricional de um rebanho e também para detecção de distúrbios metabólicos. Quando essa relação está inferior a 1, estima-se que a proteína está adequada e a gordura está baixa, o que indica excesso de carboidratos não fibrosos na dieta (elevada relação concentrado:volumoso), inclusive com prováveis quadros de acidose. Já relação gordura/proteína maior que 1,5 pode ser decorrente de baixo teor de proteína, devido à deficiência de proteína ou energia na dieta, ou do elevado teor de gordura, conseqüência de quadros de cetose no rebanho.
O interesse das indústrias pelo teor de caseína, principal proteína do leite, vem crescendo bastante recentemente, uma vez que interfere diretamente no rendimento industrial do processamento do leite. Com isso, os laboratórios estão, cada vez mais, incluindo o teor de caseína nas análises rotineiras de composição do leite. A relação caseína/proteína bruta do leite pode ser indicativa da nutrição protéica e da sanidade dos animais. A caseína deve ser responsável por 77 a 82% da proteína bruta encontrada no leite. Valores abaixo disso indicam que uma fração acima do normal está sendo destinada a nitrogênio não protéico, principalmente uréia, ou a proteínas do soro. Quadros como esse podem ser decorrentes de inadequação protéica na dieta e serão acompanhados de elevado teor de NUL, ou de alta incidência de mastite, que danifica as células do tecido secretor, aumentando a difusão de proteínas do plasma para o leite e conseqüentemente a contagem de células somáticas (CCS).
É importante ressaltar que a análise dos dados de composição do leite não deve ser feita de forma isolada, considerando uma amostra de leite de uma vaca. O ideal é agrupar os resultados da análise de leite de todas as vacas do rebanho e criar gráficos que mostrem relações de interesse, por exemplo o teor de gordura X dias em lactação, ou teor de proteína X NUL. Em cada tipo de gráfico, podemos traçar linhas que representam variações esperadas (dentro do normal) e avaliar qual a porcentagem de vacas que estão fora da variação normal. As figuras 1 e 2, abaixo, montadas com dados hipotéticos, exemplificam esse tipo de análise.
Figura 1. Distribuição entre relação gordura:proteína de acordo com dias em lactação

A figura 1 apresenta um gráfico montado com relação gordura:proteína da análise do leite de um rebanho de aproximadamente 300-350 vacas em lactação. As linhas verdes representam a variação considerada normal para esse rebanho (entre 1 e 1,5). Podemos perceber claramente que há uma grade proporção de animais acima da linha do 1,5. O que gostaríamos de ver em um gráfico desse tipo é no máximo 20% das vacas fora da área entre as duas linhas verdes, e bem distribuídas acima e abaixo da linha. Neste caso mais de 20% estão fora das linhas e a grande maioria acima das linhas, indicando um problema de baixo teor de proteína do leite, resultado de falta de proteína bruta ou mais possivelmente deficiência energética na dieta.
Figura 2. Relação entre teor de proteína bruta do leite (%PB) e nitrogênio uréico no leite (NUL)

Na figura 2 as vacas foram agrupadas por dias em lactação e cada ponto no gráfico representa um grupo de vacas em determinado número de dias em lactação (0-100, 100-200, etc), mas o mesmo gráfico poderia ser feito com a análise de leite individuais. O retângulo verde indica a área considerada normal, onde esperaríamos encontrar as vacas. Neste caso, se combinarmos essas informações com as da tabela 1, podemos concluir que esse rebanho está consumindo dieta com excesso de proteína e/ou deficiência de energia disponível no rúmen (carboidratos fermentáveis).
Esses são exemplos de utilização e análise de dados de composição do leite para avaliação nutricional. Entretanto, essa avaliação não deve depender apenas dessa ferramenta. Outros indicativos podem e devem ser observados pelos nutricionistas para avaliar a situação do manejo alimentar de forma mais ampla e assim conseguir identificar potenciais problemas.
O escore de condição corporal (ECC) das vacas é uma medida subjetiva, que deve ser tomada sempre pela mesma pessoa, mas muito útil para avaliar o balanço energético dos animais no médio e longo prazo. O ECC pode ser monitorados em momentos específicos da vida produtiva das vacas, como secagem, parto, inseminações, pico de lactação. Esse assunto já foi abordado com mais detalhes em um artigo prévio neste radar de Nutrição (clique aqui para ler).
A avaliação do comportamento ingestivo é importante para identificar situações extremas, nas quais animais agem de forma diferente do padrão do rebanho, o que pode indicar problemas de saúde ou distúrbios metabólicos de ordem nutricional, ou ainda problemas de desconforto generalizado, quando o rebanho inteiro encontra-se fora de padrões normais. A atividade de ruminação é um bom indicativo de conforto dos animais e também de consumo adequado de fibras. A recomendação prática é de que pelo menos 50% dos animais em ócio estejam ruminando. Para avaliar o consumo diário de alimento, a observação do enchimento ruminal (flanco ou "vazio" do animal) é bastante simples e precisa.
O escore de fezes também pode ser um indicativo de consumo de alimentos e adequação nutricional, especialmente protéica. Há uma consistência e coloração consideradas ideais para as fezes das vacas, de acordo com cada sistema de alimentação e essas devem ser tomadas como referência para detecção de indivíduos com problemas. Esse assunto também já foi discutido em um artigo do radar de Sistemas de Produção (clique aqui para ler).
Problemas de casco também podem ser sinalizadores de distúrbios nutricionais, principalmente a acidose que, em situações agudas desencadeiam laminites e as vacas demonstram muita sensibilidade nos cascos.
O importante é entender que a formulação da dieta é apenas um dos processos do manejo alimentar da propriedade, que envolve desde a compra dos ingredientes, até a distribuição do alimento no cocho, incluindo agrupamento dos animais, mistura da ração, manejo do pasto, etc. Dessa forma, é essencial que tenhamos ferramentas para monitorar a eficácia desse manejo de modo a identificar problemas e corrigi-los o mais rápido possível.