Pelo vigésimo ano, o MilkPoint publicou o Levantamento Top 100, que estuda os 100 maiores produtores do país. A avaliação contínua desse grupo permite entender a dinâmica do chamado topo da pirâmide da produção de leite.
E as mudanças ao longo dos anos são significativas.
Chama a atenção o forte crescimento em volume dos 100 maiores, principalmente após 2011, justamente quando a produção nacional começou a patinar (Gráfico 1). De 2011 a 2019, os Top 100 aumentaram sua produção média em 74%, contra menos de 15% da produção inspecionada. É uma diferença muito grande, que pode ser explicada pela profissionalização crescente destes projetos, bem como por preços maiores do que a média, o que evidentemente torna a atividade em escala ainda mais atrativa.
Gráfico 1. Crescimento relativo dos Top 100, da produção inspecionada e da produção total
Fonte: a partir dos dados do Top 100 e do IBGE; para a produção total de 2019 (estimativa)
Um outro ponto notável, que denota a profissionalização crescente do setor, é o fato de cada vez mais termos clusters (concentrações) de produção de leite. O mais evidente é o que envolve os Campos Gerais do Paraná, com Carambeí, Castro, Arapoti e Palmeira. São 17 produtores nestes municípios, incluindo duas das fazendas que mais cresceram nos últimos anos: a Melkstad, que alcançou o segundo posto, e a Agropecuária Régia. Clusters de produção aumentam a eficiência da cadeia por vários motivos: ganhos logísticos (muito mais leite por km rodado), mais e melhores técnicos disponíveis (faz sentido ter técnicos de qualidade quando há mercado significativo na região), disponibilidade de insumos (idem), mão-de-obra qualificada, disseminação de tecnologias a partir de casos de sucesso e maior concorrência na compra de leite.
O Brasil ainda tem uma forte desconcentração da produção de leite, conforme mostra o gráfico 2. Mas está gradativamente assistindo a um processo de “clusterização”.
Gráfico 2. Concentração da produção de leite nos 20, 50 e 100 maiores produtores de leite (municípios).
Fonte: IBGE
Para se ter uma ideia de comparação, 0,4% dos principais municípios norte-americanos produtores de leite produzem 25% do leite, ao passo que os 0,4% aqui produzem 7,5%.
Há outros clusters que vão igualmente se destacando, como o Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, o Sul de Goiás e a região de Passos. Mas, sem dúvida, os Campos Gerais do Paraná representam o principal exemplo nesse sentido.
Outra observação relevante do Top 100 é o investimento crescente em sistemas de compost barn, visto que 27% dos produtores utilizam este sistema de alojamento. Considerando que se trata de um investimento considerável e uma tecnologia relativamente nova, é um exemplo evidente do dinamismo da atividade, ao menos nesse grupo.
Apesar do confinamento total ser maioria, uma característica única do Brasil é que há sistemas para todos os gostos. Várias fazendas que utilizam pastagens como principal fonte de volumosos cresceram, como é o caso da Leitíssimo e da Sete Copas, na Bahia, e da Kiwi, em Goiás (todos de origem neozelandesa, por sinal). Chama também a atenção o projeto da Fazenda Santo Antônio, em Mogi Mirim/SP (Grupo Canto Porto) e, claro, do Grupo Cabo Verde, de Passos/MG.
Essa heterogeneidade de sistemas é fruto de ainda não estar claro “o melhor modelo”, como ocorre em países com o leite mais desenvolvido? Ou há diferenças regionais que explicam? Ou, ainda preferências pessoais dos produtores e suas visões de negócio, partindo do princípio de que há várias maneiras de se produzir leite mesmo em uma região específica? Talvez, em grande parte do Brasil, essa última hipótese prevaleça (em regiões de terra restrita e muito cara, como é o caso dos Campos Gerais paranaenses, provavelmente o confinamento é a alternativa viável quando se fala em escala).
Por fim, pode-se argumentar que os Top 100 não representam a realidade do leite. Afinal, apenas 3% da produção inspecionada. Essa conclusão, porém, é apenas parcialmente verdadeira. Na esteira dos 100 maiores, há certamente um processo de aumento de escala de produção em vários estratos de produção de leite. Quantos produtores acima de 5000 litros existem hoje no Brasil? Em 2002, eram apenas 75. Quantos serão hoje? Mais de 500?
Em um país com carência de dados estatísticos atualizados, o Top 100 é uma iniciativa de grande valor, mostrando um pouco da evolução do setor que, hoje, é aquele que passa pela maior transformação tecnológica do agronegócio brasileiro.