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Suspensão das importações de carne bovina brasileira pelo Canadá: o lado positivo de uma injustiça

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 09/02/2001

5 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

O Brasil sofreu uma das mais injustas retaliações comerciais dos últimos tempos, refletida na suspensão das importações de carne bovina nacional pelo Canadá, com base no argumento - altamente questionável - de que existem riscos da carne brasileira estar contaminada com o mal da vaca louca.

A medida foi seguida pelos Estados Unidos e México, parceiros canadenses do NAFTA que, de forma até constrangedora, foram compelidos a seguir o acordo do bloco de comércio da América do Norte.

Subproduto claro da guerra comercial entre as empresas de aviação Embraer - brasileira - e Bombardier - canadense, que disputam o bilionário mercado mundial de aviação comercial em meio a denúncias de subsídios, a medida não reflete a real situação da carne brasileira perante à doença. Trata-se de um golpe baixo, com reflexos econômicos diretos e indiretos ao setor e à economia brasileira, tão necessitada do crescimento das exportações para gerar dividendos ao país. Através desta medida unilateral e pouco responsável, o Canadá joga sérias desconfianças sobre uma indústria em crescimento e com potencial de se tornar líder mundial em tempo relativamente curto, o que talvez esteja também na raiz da motivação canadense.

Entretanto, o objetivo desta coluna não é de protestar e argumentar contra a medida canadense, mesmo porquê a mídia está coalhada de bons depoimentos e o Brasil está agindo rápido no sentido de fazer valer a justiça. Também, não é objetivo tratar do tema sob a ótica da posição imperialista dos países mais abastados, que muitas vezes fazem valer suas vontades na base da truculência política ancorada na chantagem econômica. O objetivo é procurar encontrar aspectos positivos em meio à "tragédia" comercial que foi imposta ao Brasil. E estes aspectos existem, ainda que passem desapercebidos em meio ao furação da notícia e de seus desdobramentos.

Em primeiro lugar, a acusação canadense nos mostra mais uma vez que a briga comercial no mercado externo é coisa para profissionais. É preciso ter gente competente, bem informada, agressiva (do ponto de vista de iniciativa e de negociação comercial) e com representatividade, capaz de, ao menor sinal de perigo, estar na frente de batalha em defesa dos interesses comerciais. Sim, é uma guerra e o mundo lá fora está preparado para ela. Basta ver as fusões e consolidações no âmbito privado. Basta ver as medidas radicais levadas a cabo por governos tidos como moderados e não extremistas (o canadense é um exemplo). Foi-se o tempo em que dirigentes poderiam se dar ao luxo de sentar a uma mesa de negociação sem um profundo conhecimento da matéria a ser discutida. Portanto, ainda que nos fazendo sentir na carne (literalmente !), que este episódio nos sirva de lição definitiva de que o lugar ao sol será conquistado a duras penas, especialmente na área agrícola, rica em subsídios e protecionismo.

Um outro aspecto benéfico é que fica mais reforçada do que nunca a importância da segurança alimentar, ou seja, exige-se cada vez mais a adoção de medidas que minimizem as chances de doenças causadas por microorganismos ou substâncias contaminantes presentes nos alimentos. Abre-se espaço para a certificação da produção e a adoção de protocolos de conduta por parte dos produtores ou de grupos de produtores. É interessante notar que o próprio setor lácteo passa por processo semelhante, em meio às discussões para adoção do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite. O consumidor está cada vez mais próximo da produção primária, o que, se de certa forma amedronta, por outro lado abre oportunidades para quem for competente e souber aproveitá-las. Este lamentável incidente, portanto, consolida esta realidade.

Por fim, há um outro componente positivo na denúncia canadense que precisa ser considerado: foi uma das poucas vezes que a agricultura nacional ocupou grande espaço na mídia no papel inconteste de vítima e não como vilã. Desta vez, não se falou em uso abusivo de defensivos, no desmatamento desenfreado para abertura de novas fronteiras, no desemprego causado pela mecanização, nos latifúndios improdutivos, nos conflitos com MST, nas ocorrências de febre aftosa, nas sementes transgênicas, no aumento abusivo de preços, ou na truculência da bancada ruralista. Não, pelo contrário. Numa das raras oportunidades, a agricultura brasileira foi alçada à condição de vítima: somos eficientes na produção de carne, nosso produto tem alta qualidade, o país pode vir a ganhar muito com isto e, no entanto, estamos sendo injustamente penalizados em uma disputa comercial. Em uma sociedade onde a agricultura quase não tem voz nos meios de comunicação, trata-se de uma oportunidade que precisa ser capitalizada pelo setor. Ter a opinião pública do nosso lado é um trunfo nada desprezível. Afinal, no passado, ela já conseguiu reeditar as eleições diretas e até derrubar um presidente. Nos países que mais subsidiam a agricultura, um dos sustentáculos históricos desta situação reside justamente no apoio público desta prática. No próprio Canadá, por exemplo, os consumidores estão dispostos a pagar mais pelo produto canadense, protegendo seus cidadãos. Há um sentimento de cidadania mais forte, que engloba o setor rural (aqui, muitas vezes têm-se a impressão de que a produção primária ocorre em outro país, sem vínculos com a sociedade urbana).

Para que a agricultura brasileira obtenha êxitos internos e externos, é estratégico que haja apoio público, cuja obtenção pode ser auxiliada por meio de inserções positivas na mídia que, neste caso, infelizmente, foram originadas de um fato negativo. O que precisamos, indo mais além na análise, é de um marketing mais eficiente, mostrando à opinião pública o que de fato ocorre no campo, sensibilizando-a para com os problemas existentes, fazendo-a ver que os produtores não são vilões e que, recentemente, tem inclusive servido de amparo a plano econômicos cujo benefício se estende a toda a população. Afinal, não podemos depender de graves injustiças como no episódio com o Canadá para ganhar a atenção e a simpatia do país. Talvez se houvesse esta conscientização a abertura econômica, em alguns setores, teria sido feita de forma mais branda ou, ao menos, baseada em estudos que garantissem alguma proteção à classe produtiva.

Tudo isto não reduz a importância deste "affair" comercial e nem relaxa a necessidade de medidas visando à solução do impasse com um final favorável ao Brasil. De qualquer forma, é pertinente identificarmos as lições embutidas no caso e nos prepararmos melhor para situações futuras semelhantes, que certamente serão cada vez mais comuns no cenário comercial internacional.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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