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Ser ou não ser orgânico?

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 12/01/2001

4 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

A opção certamente terá apelo crescente para produtores e consumidores, mas há mais coisas a se considerar nesta decisão.

A produção chamada "orgânica" tem sido noticiada com freqüência cada vez maior na mídia, captando corretamente a tendência de valorização destes produtos em decorrência da preferência, pelo consumidor, por alimentos mais saudáveis e com menor risco de resíduos de defensivos agrícolas e medicamentos.

Tal tendência é evidentemente mais pronunciada em países desenvolvidos, onde as preocupações vão muito além da quantidade de alimento disponível, estendendo-se à qualidade dos alimentos ingeridos. Por aqui, o processo é ainda incipiente, mas já suficientemente forte para ser notado.

Quais as vantagens para o produtor? O consumidor que escolhe produtos orgânicos está disposto a pagar mais para adquirir um produto "natural". Com isto, apesar das dificuldades para produzir sem a maior parte das facilidades da teconologia, a possibilidade de remuneração melhor de fato existe, o que é sem dúvida importante considerando as históricas dificuldades de se produzir commodities agrícolas, cujos preços são sempre ditados pelo mercado.

No caso do leite, neste ano, enquanto produtores tradicionais dos EUA recebiam insuficientes US$ 0,25/litro, produtores orgânicos tinham seu leite vendido a US$ 0,37/litro, com uma agradável tendência de aumento na demanda pela frente. Uma cooperativa chamada CROPP (Coulee Region Organic Produce Pool.), de Wisconsin (EUA) atua desde 1988 no segmento de lácteos orgânicos. Após um início difícil, hoje, com os EUA abarrotados de leite, a CROPP está procurando leite, indo até fora do estado para captar sua escassa matéria prima, dando idéia da dimensão da oportunidade.

No Brasil (revista Balde Branco, dez/2000), a produção de leite orgânico não chega a 15.000 litros/dia, embora produtos orgânicos tenham movimentado cerca de US$ 150 milhões no país, indicando que o leite seguramente é dos produtos cuja versão orgânica ainda não deslanchou por aqui, abrindo grande potencial (estima-se que pode atingir 3% da produção total de leite consumida no país). É tal a escassez por aqui que chega-se a pagar até 4 vezes mais para o leite orgânico !

Do ponto de vista social, há um componente pouco explorado, mas importante. A produção orgânica é menos eficiente do que a convencional, demandando mais mão-de-obra para produção da mesma quantidade de alimentos. Logo, auxilia a minimizar uma das maiores mazelas em países subdesenvolvidos: o aumento do desemprego.

Deve-se então partir para a produção orgânica?

O primeiro ponto a se avaliar é a sustentabilidade desta tendência. Trata-se de um modismo? Qual o real potencial de mercado? Tudo indica que não se trata de um modismo. Um número cada vez maior de pessoas (dentro daquelas com mais posses, evidentemente) tendem a procurar cada vez mais produtos ecologicamente corretos, criando um vínculo cada vez mais forte entre a filosofia de vida do consumidor e os alimentos que consome.

É, inclusive, na exploração deste vínculo que se aninha a estratégia de marketing da CROPP, mencionada acima. Em suas criativas e bucólicas embalagens (ver foto), informa-se que todos os cooperados são "family farmers", ou seja, produtores de leite que trabalham em família e que não há grandes corporações de origem desconhecida. Parece simplório - e é, mas funciona. Eles não vendem apenas leite, mas também um meio de vida e seus valores. E isto custa mais caro. Quem compactua com estas propostas deve consumir seus produtos para preservar estes valores cada vez mais escassos. A faceta orgânica passa a ser uma das motivações, mas não a razão exclusiva para aquisição destes alimentos.

Sempre que um novo mercado aparece, a atenção dos produtores é estimulada (lembram-se da chinchila, rã, escargot, agora avestruz...), ainda mais pagando melhor, oferecendo estabilidade de preço, aliando uma boa imagem do produto e com perspectivas de crescimento. Haja otimismo! Mas infelizmente a produção orgânica não é a solução para todos os males do setor.

Primeiro, não se pode tornar orgânico de um dia para o outro. Há um rigoroso processo de certificação, que geralmente dura 1 ano, durante o qual o produtor não receberá nem 1 centavo a mais pelo leite, embora os custos certamente serão mais elevados neste período.

Nos EUA, a flexibilidade de compra de alimentos para produtores de leite orgânico é reduzida. Ou se produz volumosos, soja, milho, etc., na fazenda ou se adquire de outros produtores orgânicos certificados, o que não é fácil dada a escassez de fontes. Com isso, o custo de alimentação tende a aumentar (milho orgânico é mais caro do que o convencional).

Já no Brasil, as normas para certificação sugerem a auto-suficiência na produção de alimentos, ou seja, tudo deve ser feito internamente, mas farelos de oleaginosas e polpas são permitidos. Recomenda-se o consórcio de gramíneas e leguminosas, incluindo uma "vista grossa" para ervas daninhas nativas, para garantir equilíbrio ecológico. Confinamento, nem pensar: os animais devem ter acesso a pastagens, sendo preferidos sistemas silvopastoris. São proibidos hormônios, antibióticos, vermífugos, aditivos, promotores de crescimento, estimulantes de apetite, uréia, vitaminas sintéticas, rações comerciais, etc. Práticas de manejo como descornas não são permitidas. Detergentes ? Só biodegradáveis. Recomenda-se a homeopatia para tratamento veterinário. Os animais de reposição devem ser criados na própria fazenda ou adquiridos em outros produtores orgânicos, ou então ficar em quarentena. Não se pode usar herbicidas, fungicidas, inseticidas, etc. E assim por diante.

Há ainda o problema logístico. Se determinada propriedade desejar produzir leite orgânico, terá de convencer seus vizinhos a fazê-lo também, a não que ser o processamento e a embalagem sejam feitos na própria fazenda.

Deu para ver que não é tão simples assim. Em muitos casos, falta pesquisa para produzir consistentemente sem todas as ferramentas tecnológicas desenvolvidas nos últimos 50 anos e que permitiram o aumento da produtividade obtido pela chamada Revolução Verde.

A produção orgânica de leite pode ser uma alternativa para alguns produtores mas, antes de tudo, é preciso estudar criteriosamente as condições necessárias, o dispêndio de dinheiro até a completa conversão ao sistema e ter bem claro que, dadas as dificuldades apresentadas aqui, a produção orgânica possivelmente não é a solução para quem não é eficiente na produção convencional. Afinal, tudo tem seu preço.

Foto

Crédito da foto: Hoard´s Dairyman (August 25, 2000)

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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ALEXANDRE ANDRADE DE SOUZA

PARAÍSO DO TOCANTINS - TOCANTINS

EM 25/01/2021

Dr. Marcelo. Agora que temos 20 anos que se passaram da sua publicação, o que o Sr. nos diz no que mudou e se melhorou o mercado para leite orgânico e se a burocracia de enquadrar facilitou, ou continua a mesma?
MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

PIRACICABA - SÃO PAULO

EM 26/01/2021

Olá Alexandre, esse você buscou do fundo do baú! Mas lendo agora o artigo novamente, eu diria que não tivemos a evolução que foi aventada no artigo. São ainda poucos os produtores orgânicos e poucas as indústrias (principalmente de grande porte) que lançaram iniciativas de orgânicos, inclusive que foram ou estão em processo de descontinuidade. Em tese, os elementos que sustentam o potencial de mercado, continuam válidos. Há ainda novos conceitos como agricultura regenerativa, que devem crescer. Mas as limitações da operação, a tecnologia disponível e mesmo a disposição das indústrias em desenvolver esse tipo de produção, ainda são barreiras.

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