Quando eu estava no final da faculdade de agronomia e nos primeiros anos de formado, no início da década de 90, a pecuária de leite, ainda que não fosse uma atividade tida como altamente rentável, passava por um momento de estímulo e de interesse crescente por parte de todos os envolvidos. Havia um clima positivo no ar, de busca pelo aprimoramento técnico, refletido nas várias revistas lançadas, nos programas de extensão criados por cooperativas e empresas particulares, nos vários eventos, sempre lotados, no interessado intercâmbio com estrangeiros, principalmente técnicos, consultores e produtores americanos. Um exemplo disto foi o I Interleite (1994), realizado no sofisticado Hotel Transamérica, em São Paulo, e que atraiu mais de 400 pessoas que pagaram valores na casa de R$ 400 para assistir às apresentações.
Àquela época (como se fosse há muito tempo !), o processo de concentração nas indústrias de laticínios estava começando; as cooperativas em geral se mantinham prestigiadas e desempenhando papel fundamental no setor; a liberação do preço do leite era recente e a abertura do mercado nacional a produtos estrangeiros apenas começava.
O que se viu depois disto foi uma realidade desapontadora para um setor que vivia de expectativas bem mais otimistas. Para deleite dos consumidores, os produtos importados ocuparam as prateleiras; as cooperativas foram mostrando cada vez mais seus pontos fracos; a liberação de preços mostrou-se dura para o produtor, uma vez que carecia de poder de barganha nas negociações com grupos cada vez mais fortes, ainda mais considerando-se a heterogeneidade da classe produtiva e seu baixo poder de organização.
No âmbito técnico, viu-se que muitas das informações repassadas por técnicos e pesquisadores dos países do hemisfério norte tinham utilização limitada por aqui, seja por diferenças climáticas, seja por diferenças de realidade de mercado (preço do leite, nível tecnológico, subsídios, crédito farto e barato, etc.). Ao mesmo tempo, notou-se uma carência de informações adaptáveis ao produtor nacional, seja em modelos confinados, seja em modelos a pasto.
Juntando tudo isso, nos últimos anos da década de 90, era evidente o desânimo na atividade, sendo certamente exceção o estímulo à produção verificado no Centro-Oeste, notadamente Goiás. Os eventos passaram a não atrair tanta gente (é evidente que a presença constante de visitantes gerou também um efeito de "banalização" que antes não ocorria); técnicos deixaram a atividade ou direcionaram sua atuação para outros segmentos afins, como a produção de gado de corte; produtores que antes estavam estimulados a crescer e se informar cada vez mais passaram a tocar suas propriedades com um olho na possibilidade de liquidar o rebanho (sem contar os que de fato liquidaram); empresas fornecedoras de produtos e insumos reclamavam de vendas em baixa. Pode-se dizer que a pecuária de leite dita especializada não estava pronta para prosperar na conjuntura descrita acima, nem o mercado comprador/consumidor bonificava adequadamente em função da qualidade superior e outros aspectos (o que ainda não mudou, de forma generalizada).
E chegamos ao ano 2000 mais ou menos nesta situação. E qual seria a perspectiva futura ? Acredito ser positiva, por algumas razões. Primeiro, é inegável que a desvalorização cambial nos deixou em posição mais favorável quanto à entrada de produtos estrangeiros, inclusive nos dando o direito de levantar a possibilidade do país se tornar eventualmente um exportador de lácteos, como fazem nossos vizinhos do sul. Entre os usuários do MilkPoint, a opinião é a mesma: veja abaixo o gráfico do resultado da pesquisa que fizemos, perguntando se o Brasil tinha vocação como exportação de lácteos.
O Brasil tem vocação como exportador de lácteos?
Além disto, as lideranças do setor (CNA, Leite Brasil) se mobilizaram e conseguiram inegavelmente um maior espaço e na mídia e resultados mais concretos como a elevação de alíquotas de importação. Há também uma movimentação evidente no sentido de melhoria da qualidade do leite, seja pela implantação do PNMQL (Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite), seja pela granelização, seja pelas novas iniciativas no sentido de valorizar a produção com inspeção e desestimular a produção informal, entre estas a recente criação da Láctea Brasil. Por fim, é provável (e desejável ) que o cooperativismo leiteiro encontre novamente seu rumo, possivelmente calcado em parcerias com a iniciativa privada. Aliás, a percepção dos nossos usuários a respeito da competitividade das cooperativas, retratada na pesquisa da semana passada, indica, acima de tudo, que acredita-se na viabilidade das mesmas, fato positivo ao se considerar que o histórico recente das cooperativas não tem sido em geral caracterizado por sucessos. É uma espécie de voto de confiança e esperança no cooperativismo.
As cooperativas de leite podem ser competitivas no mercado?
Tudo somado, apesar da década passada ter sido traumática ao produtor de leite e que há muito ainda a ser realizado tanto dentro como fora das fazendas, o cenário que se descortina parece acenar para uma situação futura melhor do que a atual. É preciso equacionar não só problemas internos, mas as delicadas questões com nossos vizinhos Argentina e Uruguai, tornando de fato o Mercosul um bloco econômico no que se refere ao setor lácteo.
Desnecessário dizer, é preciso que todos estes elementos em tese favoráveis ao produtor de leite, que estão sendo propostos ou já são realidade, de fato consigam atingir os objetivos que deles se esperam, no sentido da modernização da pecuária de leite brasileira e resgate da expectativa de crescimento que existia 10 anos atrás.