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Ponderações sobre o marketing institucional do leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 29/06/2001

7 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

Nós últimos anos, tem se falado cada vez mais sobre "marketing institucional do leite" no Brasil, mas sem muita profundidade na análise das questões envolvidas. Uma primeira dúvida que me surge é o que se pretende quando se fala em marketing do leite ? Estimular o consumo de leite pela população (do tipo "Beba Leite") ou estimular o consumo de leite de melhor qualidade ? Pelo que tenho acompanhado nas discussões sobre o tema, o objetivo não está muito claro. E há diferenças importantes que pretendo expor, embora não tendo a menor pretensão de ser definitivo sobre o complicado assunto.

Se o principal objetivo dos que advocam o marketing está no primeiro caso, ou seja, estimular o consumo de leite pela população em geral, como fazem os americanos, por exemplo, minhas dúvidas aumentam. Será que a principal causa para o do "baixo" consumo de leite realmente reside na falta de hábito e na atração por outras bebidas ? Ou será que reside na grande quantidade de pessoas pobres, cujo orçamento é comprometido pelo consumo de um mero litro de leite tipo C por dia ? Temos vários indícios que sugerem que está no status econômico da população o principal componente da demanda por lácteos no Brasil: quando a renda sobe, o mesmo ocorre com o consumo de leite; o longa vida, além da comodidade e do marketing eficiente, cresceu em função da queda de preços ao consumidor verificada na última década; os supermercados anunciam freqüentemente as promoções de leite longa vida para atrair consumidores, só para citar alguns destes indícios. Para ir mais longe, arrisco-me a dizer que para a população de baixa renda o leite já é um produto valorizado, desejado, o problema está no seu custo relativo, considerando a baixa renda desta camada da população (programas sociais do governo têm um papel importantíssimo nesta questão).

Além disto, é preciso uma certa cautela ao dizer que o nosso consumo de leite é baixo. O consumo de leite fluido, por exemplo (ver tabela abaixo, do USDA), é mais alto do que na Argentina, na Bélgica, na Alemanha, na Itália e no Japão, entre outros (uma ressalva: estes dados possivelmente não consideram que boa parte do informal vira queijo, talvez inflacionando os valores para o consumo de leite fluido; mas são os dados oficiais). O problema está no consumo de manteiga, queijos e outros derivados, o que por si só coloca em dúvida a real necessidade de se investir pesadamente em marketing institucional do leite: talvez o mais lógico fosse concentrar no marketing de derivados lácteos, o que expõe ainda mais a necessidade da população ter dinheiro para responder ao estímulo. Seria necessário identificar quais segmentos da população teriam condições de consumir mais leite e produtos lácteos e, desta forma, focar a atuação nestes segmentos, certamente com custos mais baixos e resultados melhores. Talvez um trabalho focado para escolas de classe média e alta tenha uma relação custo/benefício maior e seja mais factível do que um trabalho voltado para toda a população, por exemplo. Por outro lado, o impacto final no consumo de leite como um todo não seria muito significativo, a não ser que se estimulasse o consumo de produtos de alta qualidade, característicos de um nicho de mercado (este ponto está discutido mais adiante).

Tabela

Fonte: World Agricultural Production, USDA, FAS, Março/99

Outro ponto a ser colocado é que o Brasil é ainda deficiente em leite. A produção de leite não responde rapidamente a estímulos de consumo. Supondo o oposto, ou seja, que uma campanha de marketing seja extremamente bem sucedida, o consumo irá aumentar, o preço irá subir e o risco das importações voltarem ou de se ter uma demanda frustada serão reais. Investir generalizadamente em aumento do consumo de lácteos não é uma atitude muito inteligente.

Por outro lado, se fala muito em valorizar o leite de melhor qualidade. Há, sem dúvida, uma lógica aparente nesta proposição, uma vez que qualquer um envolvido com o setor pode rapidamente relacionar várias constatações recentes que mostram claramente que a população que consome leite sabe muito pouco sobre as caraterísticas do produto que está consumido, sejam elas positivas ou negativas.

(Aliás, esta não é uma característica exclusiva do leite, mas sim de vários outros produtos agrícolas. As razões para esta falta de esclarecimento e até mesmo de interesse devem ter origem na situação cultural, social e econômica do país, mas não me arrisco a analisar mais profundamente.)

Só para citar alguns exemplos, tem-se o crescimento do leite informal e sua percepção como sendo de melhor qualidade por parte da população, em pesquisa realizada no ano passado e extensivamente divulgada na mídia especializada. Outro exemplo é a escassez de casos significativos de sucesso quando se tentou diferenciar o produto por preço e qualidade. São exemplos de projetos que poderiam ter tido uma dimensão bem maior o Leite B, o Paulista Top e os leites tipo A. Certamente, a falta de valorização da qualidade pelo consumidor não pode ser considerada o único motivo para esta situação, mas o fato é que são poucas, hoje, as referências positivas neste sentido.

O desconhecimento da qualidade do leite afeta a princípio o produtor especializado, que investe em tecnologia mas não recebe devidamente por isto. Por tabela, afeta os fornecedores de insumos, a quem não interessa a liquidação de plantéis que consomem seus produtos em massa. Mas a questão não é tão simples assim. Há quem diga que se o leite informal for "formalizado", poderá inundar de leite o mercado de quem consome o leite formal, baseando-se na premissa de que boa parcela dos que consomem leite informal o fazem por não ter acesso ao formal (ou seja, não tomariam leite). E isto reduziria os preços. Mesmo que isto não ocorra, supondo que, com o "combate" ao informal se tornando realidade e sendo bem sucedido, os preços do leite vão subir, que é o que interessa a quem levanta esta bandeira. Porém, caso se elevem por demais, a brecha para a redução das alíquotas de importação estará aberta, afinal governo algum quer deixar o leite fora do alcance do bolso da população (mais uma prova de que o leite já é valorizado junto ao grosso da população !). Além disso, fora de nossas fronteiras, há uma dúzia de países prontos para enviar toneladas de lácteos a qualquer momento. Seria juntar a fome com a vontade de comer....

No caso dos laticínios, a questão da qualidade do ponto-de-vista do consumidor é ainda mais complicada. O crescimento da indústria láctea nacional, na última década, tem se pautado na aquisição de matéria prima barata, nas fronteiras, viabilizada pelo longa vida. A própria migração do leite no país tem mostrado que a busca de matéria-prima barata tem sido a solução preferida, ainda que a longas distâncias. Há, hoje, quem revele que tal fórmula tem sido um tiro no pé, uma vez que as indústrias acabaram se tornando reféns dos supermercados, amarradas em um produto (longa vida) commoditizado, com altos custos de embalagem e processamento e servindo de isca para o consumidor, através de preços ultra-convidativos. Por isto, bater fundo no item qualidade visando esclarecer o consumidor tende a ser um contra-senso para a indústria, mesmo porquê ela já vende sua qualidade ao consumidor através de campanhas de marketing - bem sucedidas, por sinal. Até que ponto o que ocorre lá na fazenda interessa e impacta o consumidor, ou na qualidade final dos produtos, é uma questão interessante. Sob esta ótica, talvez seja melhor deixar o leão dormindo; para que cutucá-lo, correndo riscos ?

Se o objetivo do marketing institucional do leite for vender a qualidade do produto ao consumidor, me parece ainda mais lógico focar a população de renda mais elevada, mais sensível ao problema, mais esclarecida e, fundamentalmente, que tem capacidade financeira de arcar com produtos mais caros.

Cada vez mais tendo a considerar o problema de informal uma questão social, de saúde, e não tanto de mercado, pelo menos no longo prazo. Gastar tempo e recursos nesta direção me parece uma decisão equivocada. Não se trata de tolerar o informal ou mesmo estimulá-lo, mas sim de uma interpretação pessoal sobre como melhor investir o pouco dinheiro que poderia ser destinado ao marketing institucional que, neste caso, fugiria da alçada de instituições nacionais e se concentraria em empresas específicas ou grupos de produtores.

Por todas estas razões, por trás do atraente e charmoso "marketing institucional do leite", há dúvidas que precisam ser discutidas de forma objetiva e tendo em mente as nossas condições de mercado. Pelo exposto, não se pode depositar no marketing do leite todas as esperanças de um futuro melhor para o produtor de leite especializado. Que há espaço para sua efetiva implantação, não há dúvida. Mas não existe o consenso que, a partir de análises superficiais, somos tentados a acreditar, e que na maioria das vezes refletem uma visão de curto prazo, cujos resultados, se existirem, dificilmente permanecem.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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