Os resultados das despretensiosas pesquisas do MilkPoint junto aos seus leitores podem, se bem analisadas, dar pistas interessantes a respeito das várias dúvidas que assolam o setor leiteiro no Brasil.
Admito que temos explorado pouco este recurso, dando ênfase reduzida às análises das contribuições de nossos leitores. Aproveitando o "mea culpa", nesta semana iremos tecer nosso comentário em cima dos resultados de uma das pesquisas realizadas pelo MilkPoint. A pergunta era mais ou menos esta: "quando as indústrias irão intensificar o pagamento por qualidade ?". As alternativas:
- já em 2001
- em 2002
- entre 2003 e 2005
- sem previsão
Os resultados, dispostos no gráfico 1, indicam a total ausência de consenso entre os votantes. A distribuição foi praticamente igual nas quatro opções, comprovando o que nós imaginávamos ao colocar a pergunta no ar: ninguém sabe ao certo o que vai ocorrer, ou, melhor, o mercado não sinaliza nenhuma opção com força suficiente a ponto de criar uma maioria. Embora aqui e ali seja possível notar alguma movimentação no caminho do estímulo pela bonificação, não se pode dizer que se trata de um consenso entre todas as empresas do setor.
De acordo com as respostas, a intensificação do pagamento por qualidade tem igual chance de ocorrer já em 2001 (ou seja, já está ocorrendo), ou simplesmente pode não ocorrer nos próximos 5 anos (sem previsão), alternativa preferida por mais de um quarto dos entrevistados. Tudo é possível.
Poderíamos até suavizar a importância da análise. Afinal, em um país que não consegue garantir a própria energia, tudo pode acontecer, o que se dirá de uma dúvida pontual a respeito do pagamento ou não do leite por qualidade. Contudo, como estamos analisando a resolução de problemas do setor leiteiro (que já são muitos) e não do país (Deus nos livre !), esta dúvida sobre a movimentação em direção ao pagamento por qualidade reveste-se de maior importância.
E qual é esta importância ? Estamos às vésperas (?) da aprovação do chamado PNMQL (Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite). E qualidade tem custo para o produtor. Como estimular a melhoria da qualidade ? A bonificação por se alcançar melhor qualidade seria o caminho mais consistente. Caso isto ocorra, a fiscalização e até mesmo o peso da legislação perdem importância. A engrenagem gira por si só, tendo como razão de ser a produção de alimentos de melhor qualidade (o consumidor teria de responder a isto) ou, pelo menos, o melhor rendimento industrial.
O que ocorre, por outro lado, se o pagamento por qualidade não decolar logo no setor lácteo ? Primeiro, seria uma forte sinalização da indústria de que tanto o consumidor não valorizaria a tal "qualidade" (talvez "qualidade" tenha outro significado para o consumidor em relação aos lácteos), ou o aumento no rendimento industrial não justificaria a elevação nos custos de captação da matéria-prima. Esperamos, claro, que não seja o caso. Segundo, sem estímulo para que se invista em qualidade, esta terá de ser imposta "na marra", através de fiscalização e punições a um setor cujas margens já estão espremidas há tempos. Considerando a dificuldade inerente à fiscalização (vastidão do país, custos, possibilidade de burlar) e suas conseqüências sociais e políticas (pobreza, risco de problemas sociais decorrentes da expulsão de pequenos produtores, eleitores descontentes, etc.), a probabilidade de não dar certo nestas condições é maior do que o de dar certo. Afinal, como disse certa vez nosso sempre respeitado Prof. Vidal Pedroso de Faria, "qualidade não se muda por decreto". Pelo menos no Brasil.
É exatamente por isto que o resultado de nossa despretensiosa enquete dá o que pensar sobre um problema bem menos despretensioso e cuja expectativa estamos atualmente vivendo. Nosso público - e se trata certamente de pessoas esclarecidas - não está convencido ainda que o "pagamento por qualidade" vai ocorrer tão cedo, ou da forma que deveria ocorrer para desencadear ativamente o processo de melhoria da qualidade. Ao menos, os laticínios não estão dizendo isto claramente ao mercado (um problema de comunicação ?). E, nestas condições, o PNMQL sem o pagamento por qualidade pode se tornar equivalente a um carro de tanque vazio. Não sai do lugar, independentemente do piloto, da marca, do ano de fabricação ou qualquer outra característica. A não ser que alguém se habilite a empurrá-lo!