A concentração do setor varejista de alimentos, representada pelos grandes hipermercados, tem sido freqüentemente noticiada pelas revistas e jornais de economia. Em ritmo acelerado de fusões e aquisições, catalisadas pela entrada de grupos estrangeiros, o volume de vendas dos principais grupos vem crescendo e, com isto, seu poder de negociação e seu papel de coordenador de toda a cadeia, do produtor à indústria, chegando ao consumidor final.
Esta nova realidade pode ser entendida pelos números. A tabela 1 mostra o faturamento bruto, em US$ milhões, das 8 principais redes de supermercados do país, ao passo que a tabela 2 resume o faturamento das principais indústrias de laticínios.
Tabela 1. Faturamento das principais redes de supermercados, 1999
Tabela 2. Faturamento das principais empresas ligadas ao setor de laticínios, 1999
Nota-se que as 8 maiores empresas do setor de alimentos, juntas, são apenas 25% maiores do que o Carrefour sozinho. É importante lembrar que na tabela acima está computado o faturamento total, não a receita proveniente apenas do setor de laticínios destas empresas.
A concentração do poder junto às grandes redes varejistas gera percepções distintas por parte dos analistas. Há, sem dúvida, o risco da cadeia produtiva e industrial ir se tornando uma prestadora de serviços àqueles que fazem a interface final com o cliente. E há exemplos cada vez mais abundantes, representados pelo lançamento de marcas próprias destas grandes redes, cuja fabricação fica a cargo de empresas identificadas apenas pelo CGC na caixa do produto, onde a marca que conta é a do próprio supermercado. É evidente que as grandes marcas, por trás de grandes empresas, não irão desaparecer. Porém, que estas empresas e suas marcas milionárias terão de trabalhar vendo seus principais clientes como potenciais concorrentes, geralmente a preços mais baixos, também é inegável.
A concentração do poder nas mãos dos grandes grupos varejistas traz à tona, desta forma, o risco de redução das margens dos que vêm à jusante (produtores e indústrias), ficando a cargo destes grupos o gerenciamento da fatia principal do lucro a ser obtido na venda aos seus milhões de consumidores finais.
Este é o lado potencialmente negativo. Mas é possível identificar aspectos positivos desta nova realidade. Ao lidar diretamente com o consumidor final, estas grandes redes têm capacidade de interação direta com milhões de clientes e, ao menos em teoria, a possibilidade de responder rapidamente aos seus anseios, identificando novas oportunidades e sinalizando a necessidade de mudanças.
Esta característica, aliada à preocupação e, mais ainda, ao envolvimento cada vez maior destas grandes redes com a origem dos produtos que antes apenas comercializava, gera oportunidades a produtores e indústrias. Um exemplo disto é a carne de origem certificada, projeto que vem sendo implementado pelas 2 principais redes de supermercados. Ao oferecer a seus clientes esta nova opção, o varejista não só age em benefício próprio, mas também cumpre o papel de agente desenvolvedor de toda a cadeia.
Do lado do produtor, este desenvolvimento deverá vir através do maior controle da qualidade dos alimentos, dos cuidados ambientais e da adoção de sistemas de produção sustentáveis. Do lado da indústria, acirra-se a necessidade de identificação de mercados de nicho e o lançamento de produtos destinados a estes mercados.
Não é possível saber ainda todas as conseqüências da concentração de poder econômico e decisório na mão dos grandes varejistas. Porém, o cenário mais provável envolve dificuldades para produtos "commoditizados", nos quais a marca e o processo de fabricação são pouco diferenciados, mas grandes oportunidades para produtos diferenciados. Na esteira de produtos diferenciados, virão também produtores diferenciados e indústrias diferenciadas.
Neste ponto, é possível que esta nova realidade do varejo haja mais como um fator favorável à inserção dos produtores especializados no mercado do que como um achatador de preços decorrentes do poder cada vez maior. Talvez seja uma oportunidade para estes produtores, historicamente prejudicados pelo nivelamento por baixo, terem sua qualidade finalmente recompensada.
Se vai ser assim, só o tempo dirá.