Marcelo Pereira de Carvalho
Utilizando como título deste artigo o cabeçalho de uma mensagem colocada na lista de discussão Dairy Outlook, da FAO, que reúne mais de 700 especialistas no mercado de leite em todo o mundo, o comentário da semana não poderia deixar de versar sobre este tema.
As lideranças do setor leiteiro nacional obtiveram êxito junto ao DECOM (Departamento de Defesa Comercial), aprovando a aplicação de tarifas anti-dumping de até 46%, atingindo em cheio União Européia, Nova Zelândia e, principalmente Argentina e Uruguai. A reclamação brasileira remonta ao período de julho de 1998 a junho de 1999, quando houve importação maciça de leite destes países a preços mais baixos dos praticados tanto interna quando externamente. A manobra, conhecida como "dumping", atingiu valores que vão até 147,8% para o caso de produto importado da União Européia até 32,1% da Argentina, 26,2% do Uruguai e 24,8% da Nova Zelândia, sendo, segundo autoridades brasileiras, responsável por queda de 41,7% nos preços pagos ao produtor brasileiro desde este período e de 21% no ano analisado. Além disso, o faturamento do setor caiu de R$ 2,97 bilhões para R$ 1,68 bilhão em função desta prática desleal.
Este anúncio brasileiro, uma vitória para o setor, soou como uma bomba nos já solapados setores lácteo uruguaio e argentino, indiretamente castigados pela desvalorização do Real em 1999 e que têm tido no grande vizinho o destino certo para seus excedentes (80% do leite exportado pela Argentina é vendido ao Brasil).
Logo após o anúncio desta medida, produtores chilenos, através da associação Fedeleche, enviaram comunicado público ao MilkPoint elogiando a decisão. Tal posição chilena tem explicações claras: o país vem reclamando constantemente da atuação do laticínio Soprole, de origem neo-zelandesa e que tem importado produtos da matriz (especialmente queijos), prejudicando produtores locais. Tal medida, pelo Brasil, abre precedentes para o Chile atuar na mesma linha, fora o fato da histórica rivalidade entre Chile e Argentina, incluindo disputas territoriais em sua extensa fronteira.
Caso comprovadas as práticas desleais realizadas por estes 4 países, prejudicando o setor leiteiro nacional, é natural que sejam propostas medidas compensatórias pela parte prejudicada. É importante notar que, no caso argentino, a denúncia recai sobre 6 empresas que nos vendem US$ 200 milhões em lácteos anualmente.
É preciso, indo mais além, avaliar as conseqüências da extensão destas medidas de retaliação, especificamente no âmbito do Mercosul. Afinal, dependendo de como o problema é avaliado e de qual é a real disposição dos países em criar um bloco unitário forte, o Mercosul pode simplesmente se inviabilizar caso exemplos como estes se multipliquem. A discórdia pode ser insolúvel: brasileiros acusam argentinos de dumping; argentinos afirmam que setor lácteo brasileiro é ineficiente no que se refere ao desempenho zootécnico e que sua vocação é como importador de leite; também reclamam que a desvalorização unilateral da moeda foi um golpe na viabilidade do bloco; ambos os países utilizam negociações em determinados setores para obter vantagens em outras; etc. Como desatar este nó ?
Para o bem do bloco, considerando que este é o objetivo a longo prazo, é com algum grau de esperança que interpretamos o pronunciamento do Ministro Pratini de Moraes, no encontro de líderes do Mercosul, buscando novas soluções para o caso que permitam uma convivência mais harmoniosa entre os países (é possível ?).
Muitos podem argumentar que, "no longo prazo, todos estaremos mortos" e que, por isso, medidas drásticas devem ser tomadas imediatamente contra quem feriu as regras comerciais. Tais medidas podem até ser necessárias e oportunas. No entanto, acima de tudo, é preciso reconhecer que o armamento pesado que está sendo ou pode vir a ser utilizado no Brasil, com danos permanentes, está mais nos bilionários subsídios europeus, na incógnita expansionista da New Zealand Dairy Board (seguindo o exemplo da Soprole do Chile) e do poder comercial norte americano, ainda que existam (ou tenham existido) problemas com os países vizinhos.
Independentemente do desfecho deste caso, esperamos que a solução viabilize uma convivência menos belicosa e que se consiga a elevação da Tarifa Externa Comum, esta sim uma medida que, sem dúvida, favorecerá o Mercosul. Ou que se admita a impossibilidade do bloco e que cada um atue por si.
Finalmente, é preciso novamente enaltecer o constante trabalho de "vigilantes" do setor na esfera federal, com atuação bastante destacada na defesa dos interesses do setor perante o comércio internacional. Tal postura precisa continuar.
Finalizando com outra citação do Dairy Outlook:
"Heavy clouds, no rain" (Sting)