Marcelo Pereira de Carvalho
O país vive claramente momentos de angústia e incertezas. Nota-se no ar a possibilidade de uma crise econômica cujas proporções não se pode ainda prever. A grave situação da Argentina, tecnicamente quebrada, nos afeta direta e indiretamente, elevando a desconfiança de investidores externos em nosso país. Para piorar, a crise de energia serve como combustível para inflamar esta desconfiança.
O resultado prático é o nervosismo do mercado. O dólar sobe a proporções inimagináveis há dois anos, o risco de retorno da inflação é real, os juros tendem a subir, as empresas repensam investimentos. As pessoas adiam investimentos e baixam as suas expectativas no curto prazo. Por fim, o consumo se retrai e toda a economia é afetada.
Há que se considerar que, embora a situação seja potencialmente grave, existe uma boa dose de emoção na atual percepção do mercado em relação à dimensão do problema. Se as empresas e as pessoas de fato conseguirem atingir as metas de racionamento, se houver uma adaptação gradual ao problema da falta de energia e se for encontrada alguma solução para a Argentina, o humor do mercado pode melhorar instantaneamente. Por outro lado, não é fácil que isto ocorra, daí o temor do mercado e a resposta das pessoas. Afinal, o país depender de "ses" não é uma situação nada confortável.
Por tudo isto, o mais provável é que teremos tempos difíceis no decorrer do ano. No cenário lácteo, o efeito das importações está praticamente debelado, a não ser que haja uma grande desvalorização do peso, o que, aliás, parte do mercado espera. A retração do consumo interno também é provável em um cenário de crise, ficando ainda em aberto o impacto do problema.
Apesar deste cenário, é preciso que se fique atento para evitar abusos de setores mais oligopolizados. É nestas horas que a atenção das instituições de defesa do produtor devem se redobrar, uma vez que, em meio às turbulências, informações desencontradas e incertezas, o produtor pode acabar pagando um pato maior do que os demais elos da cadeia, visto que tem poder de barganha inferior e as informações que recebe sobre o mercado nem sempre coincidem com a realidade.
É preciso, mais do que nunca, separar o joio do trigo e evitar que o problema - cuja dimensão ainda se especula - se torne maior do que realmente é, especialmente para o produtor de leite. É nestes momentos que a força de representação do setor é testada. Em outros episódios, como no combate às importações desleais, houve sucesso. Resta saber se será possível atuar em prol do produtor neste novo momento.