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A conjuntura do setor e a nova legislação do leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 23/03/2001

7 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

 

"só levamos realmente a sério os argumentos que sustentam nossas crenças"



A citação acima foi retirada da contracapa do livro "Auto-Engano", do professor Eduardo Gianetti, da FEA/USP. O livro analisa e discute o que o autor chama de auto-engano, as crenças que todos nós temos e que nos fazem acreditar naquilo que, no íntimo, sabemos que não corresponde à realidade. O processo é tão eficaz que acabamos por nos convencer da veracidade de nossas ilusões: é a forma mais eficaz do engano, que ocorre quase que involuntariamente e é muito mais duradouro do que o engano propriamente dito, onde a motivação é o descompasso deliberado da informação: quem a detém a manipula e distorce em prejuízo de quem não a detém.

Em maior ou menor grau, o tema do livro do Prof. Gianetti pode ser analisado a partir da reunião promovida em 20/03 pelo Ministério da Agricultura, cujo objetivo foi divulgar o PNMQL (Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite), e que contou com a participação de líderes de classe, professores de renomadas universidades e interessados em geral.

O PNMQL é o nome que está sendo dado à reformulação da legislação para produção e coleta de leite, incluindo nele o fim do abecedário do leite (A, B, C), novos padrões para contagens microbiológicas, a inclusão da contagem de células somáticas, a exigência de refrigeração do leite na fazenda e outras medidas mais que, se adotadas, irão colocar gradativamente nosso leite no chamado padrão mundial de qualidade.

Após assistir o Encontro, a pergunta evidente que se faz é se a conjuntura real do segmento leite, envolvendo produção, indústria e comércio está caminhando no mesmo sentido do proposto pela nova legislação, que pressupõe um grau de profissionalização em todos os elos da cadeia, culminando com o próprio consumidor, como veremos a seguir.

Foi colocado por pelo menos 2 palestrantes que o pilar de sustentação do novo programa é a indústria de laticínios. Se ela não encampar plenamente a idéia, dificilmente a "lei pegará", usando expressão dita no evento. Tal realidade foi confirmada pelo próprio Ministério da Agricultura, ao alertar que o atual modelo de fiscalização e inspeção dificilmente atenderá às exigências da nova legislação. Sem o comprometimento da indústria - que é o principal interessado em garantir a qualidade de seus produtos e a reputação de suas marcas - as chances de fracasso são grandes. O Ministério deverá ser mais um balizador e auditor do que fiscal propriamente dito.

Até aí, perfeito. Ainda que fosse necessário, seria impossível garantir o cumprimento da legislação sem o compromisso das indústrias e mesmo dos produtores. A questão que se levanta é se há de fato um compasso entre esta necessidade de compromisso do setor para com a nova legislação e a existência de argumentos que sustentem que este compromisso possa ocorrer em sua plenitude.

Um primeiro ponto extensivamente discutido é como garantir qualidade em um mercado caracterizado por períodos de escassez de leite, quando naturalmente as exigências são afrouxadas em prol da necessidade de colocação de produto no mercado. É bom lembrar que o Brasil não é auto-suficiente na produção. Ao passo que se torna relativamente fácil apertar o cerco sobre a qualidade quando a indústria tem à sua disposição mais leite do que precisa, o oposto ocorre quando há menos oferta do que a demanda. Mesmo na condição de excesso de oferta, justificando a utilização do PNMQL como ferramenta para forçar a melhoria da qualidade, há que se lembrar de uma importante válvula de escape, que pode jogar por terra esta tentativa: trata-se do dreno da informalidade - produtores que não se adaptarem podem aumentar as estatísticas da produção informal, forçando a redução do preço do leite formal e adequado aos novos padrões. Ou seja, pode valer o ditado "se ficar o bicho pega, se correr o bicho come" (quem investiu em qualidade).

Há mais pontos que merecem análise. Alguns especialistas colocam que, para a indústria, qualidade é dinheiro e que, desta forma, a adoção das normas seria motivada por aspectos econômicos, aí então se obtendo o comprometimento da indústria. Como exemplo disto, o processo de granelização serve perfeitamente, tendo sido praticamente concluído nos grandes laticínios mesmo antes da lei ser aprovada e antes mesmo dos prognósticos mais otimistas. A motivação deste rápido processo foi a redução dos custos de transporte e captação de leite (menos produtores), além da melhoria da qualidade do leite. Com maior qualidade do matéria-prima, a indústria ganha. A dúvida é em relação ao que compensa mais para a indústria: a coleta de leite de qualidade melhor, porém mais caro (qualidade tem preço) ou a coleta de leite de qualidade inferior, porém a custos bem mais atrativos ? Claro que para a legislação vingar, a primeira opção tem de ser a escolhida, ainda mais pelas dificuldades apresentadas pelo próprio Ministério no que se refere à garantia de cumprimento da lei e a necessidade da indústria encampar a idéia.

A prova de que as respostas são tão fáceis assim é que, embora todos os especialistas sugeriram que o pagamento por qualidade (ancorada nos novos parâmetros) seria o principal mecanismo para girar a engrenagem da modernização do setor, também foi consenso que as iniciativas neste sentido são ainda muito tímidas - é preciso lembrar que, pelos prognósticos iniciais, o PNMQL já deveria estar vigorando há algum tempo, ou seja, nada indica que teríamos uma verdadeira corrida ao leite de melhor qualidade. O próprio exemplo da granelização serve agora de contraponto: mesmo sem lei, as indústrias levaram a cabo o processo. Será que se a relação entre qualidade (pelo PNMQL) e dinheiro fosse tão óbvia assim, já não teríamos diferenciação por qualidade, mesmo sem a lei aprovada ? Se a realidade atual vai mudar assim que a lei for aprovada, só esperando para ver.

Considerando que a resposta para o questionamento acima não é tão simples quanto possa parecer (ainda mais se lembrarmos que o leite que mais cresce(u) é o UHT, que esteriliza o produto, amenizando problemas de qualidade microbiológica e possui custo de embalagem e processamento mais alto), somos tentados a nos apoiar em outros argumentos. O mais forte deles é apelar para o consumidor. É ele, hoje, quem manda em toda a cadeia, "representado" pelas grandes redes do varejo. E o consumidor está cada vez mais exigente, querendo mais qualidade. Mesmo que o panorama não seja tão propício assim na produção ou indústria, a força do consumidor é capaz de mover a engrenagem do processo. A favor, está o fato de que o leite é um alimento essencial e intimamente ligado à maternidade.

Mas há também dúvidas pertinentes em relação ao compasso entre a percepção do consumidor e a qualidade do leite. O que o consumidor sabe sobre produção e industrialização de leite ? Será que ele considera nosso leite de qualidade tão baixa como alguns especialistas pregam ? Qual a relação entre a melhoria da qualidade do leite e a percepção do consumidor, na ponta final da cadeia ? O que se questiona aqui não é se o consumidor quer qualidade, mas sim se ele sabe o que é qualidade. Caso ele não saiba, quem irá comunicar a ele ? Evidentemente que nem produtores, nem a indústria irão levantar esta bola, afinal trata-se de um tiro no pé. No evento do dia 20/03, segundo perguntei aos organizadores, não havia nenhum representante do varejo ou de órgãos de defesa do consumidor. Tudo indica que este importante segmento está à margem das mudanças.

Não há dúvida que, gradativamente, o consumidor irá se sensibilizar com a qualidade dos alimentos e com os produtos que consome. Os próprios programas de certificação da qualidade por parte das grandes redes de varejo, além de outras iniciativas no sentido de diferenciação e segmentação (ex: produção orgânica) irão levar a este caminho. Porém, é válido questionar quanto tempo isto levará para que reúna uma demanda tal que sob ela todo o setor lácteo poderá se abrigar. É bom lembrar que somos um país menos rico do que às vezes aparentamos. Portanto, depositar no poder do consumidor as esperanças de modernização do setor leiteiro é, possivelmente, um exagero de otimismo.

Esta análise não pretende criticar a modernização do setor e o PNMQL em si, pelo contrário: justamente por acreditar na necessidade de modernização, temos o dever de procurar analisar os fatos como eles são, e não como deveriam ser. A nova legislação certamente oferece o esqueleto para que o setor se modernize. A questão que se levanta ao longo desta análise é quais argumentos podemos identificar na conjuntura atual que possam sustentar a grande mudança que propomos. E, dentro deste raciocínio, encontramos mais dúvidas do que certezas. A julgar pelas conclusões às quais chegamos acima, parece se tratar, como diz o Prof. Gianetti, de um típico caso de auto-engano, porém coletivo. Ou será mesmo de engano?

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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