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A Coca-Cola e o leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 05/01/2001

5 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

A notícia mais interessante neste final do ano para o setor lácteo foi veiculada pela agência Dow Jones e originalmente publicada no Wall Street Journal, falando a respeito das intenções da Coca-Cola em lançar produtos lácteos para crianças e adolescentes, utilizando a força e o apelo de sua marca. O interesse foi tão claro que, no dia seguinte, a notícia estava estampada em jornais offline e online mundo afora, com destaque.

E são várias as razões para a repercussão desta notícia, ainda não oficializada pela empresa. Em primeiro lugar, o porte e a história de sucesso da Coca-Cola por si só credenciam sua futura investida no setor lácteo, denominada de "Projeto Mãe" (leia a nota no MilkPoint: Coca-Cola anuncia entrada no mercado de lácteos e ações da empresa sobem 1,3%)

Em segundo lugar, vem a surpresa: a Coca-Cola personifica o refrigerante, aquele que tem sido considerado o principal obstáculo ao aumento do consumo de leite e que tem sido visado por 9 entre 10 ações de marketing em países que investem na promoção de leite. A instituição Dairy Management Inc., dos EUA, por exemplo, tem realizado com grande sucesso campanhas que procurar mostrar as vantagens do leite em comparação a outras bebidas, especialmente refrigerantes. O apelo tem sido sempre calcado sobre os benefícios do leite para a saúde de crianças, adolescentes, gestantes e idosos, transformando o produto e seus derivados em uma nobre escolha para quem quer se alimentar bem.

A iniciativa da Coca-Cola sugere que este enfoque tem sido bem sucedido. O setor lácteo (nos EUA especialmente) tem conseguido passar a imagem ao público de que seus produtos são essenciais, na linha de alimentos funcionais, apesar das pressões de alguns grupos médicos e de proteção aos animais que, sempre que podem, atacam o leite publicamente (alto colesterol, cancerígeno, etc.). A Coca sabe que, por maior que tenha sido seu sucesso até então, seu produto não tem apelo junto à população como sendo um produto saudável e nutritivo e sinaliza, com esta notícia, que compreende a necessidade de se posicionar no mercado com produtos que ofereçam sabor, saúde e nutrientes, características que o leite e seus derivados certamente têm.

Só para citar um exemplo, o contrato de fornecimento que a Coca mantinha com escolas da cidade de Madison, no estado de Wisconsin, foi rompido após 3 anos. Neste contrato, as escolas recebiam US$ 100.000 de bônus e US$ 515.000 em adiantamento de comissão para a bebida vendida nas escolas. Em troca, a Coca era o distribuidor exclusivo de bebidas nas escolas da cidade. Os responsáveis pela quebra do contrato alegaram que, apesar do significativo apelo econômico, houve grande oposição da comunidade em relação a este pacto comercial e preocupação em relação à saúde das crianças.

Para crescer nesse ambiente, a Coca precisará diversificar seus produtos. Nos últimos anos, não tem sido fácil elevar o consumo de refrigerantes, cujo crescimento per capita (nos EUA) foi de apenas 0,5% entre 1995 e 1999 (o mesmo do leite e perdendo feio para bebidas esportivas, com 4,6%, e bebidas à base de frutas, com 4,2% - veja gráfico abaixo).

Além da boa imagem do leite junto à população, o tamanho do mercado é considerável. Nos EUA, a renda per capita de uma criança varia de US$ 200 a 600 por ano, sendo 30 a 40% gastos em bebidas, dos quais nada menos do que 75% compreendem leite e sucos, justamente setores nos quais a Coca não atua com força. Ao sinalizar sua entrada no setor lácteo, a empresa visualiza um mercado que movimenta US$ 30 bilhões nos EUA e é altamente fragmentado.

Sob esta ótica, não só a indústria láctea está bem posicionada em relação às tendências futuras, como também acaba por ganhar um importante aliado na promoção do leite, com vasta rede de distribuição, com marketing eficiente, com a marca mais forte do globo e com dinheiro para gastar. A associação do leite com a Coca-Cola é, sem dúvida, um belo gol marcado pela indústria do leite e representa um sutil vitória na guerra do ramo de bebidas entre os dois segmentos.

Que tudo isto é muito favorável à indústria láctea, não se discute. A pergunta que se faz é o quanto deste cenário favorável para o leite, especialmente em países com consumo ainda baixo, será revertido aos produtores? Tendo o leite um apelo crescente de alimento saudável e nutritivo, a valorização chegará até a matéria-prima ? A entrada da Coca-cola neste mercado, procurando atingir crianças e adolescentes, categorias nas quais o leite não tem apelo, contribuirá alguma coisa para o mercado de leite? Ou será que a empresa vislumbra um mercado atrativo, com boas margens de lucro em grande parte por causa da matéria-prima barata)?

Sejamos realistas. Embora seja evidente que quanto maior o apelo e quanto mais valorizado for o leite melhor será para a cadeia láctea, o quinhão que cabe ao produtor não será obtido de forma tão cristalina assim. Afinal, como já foi discutido antes nesta coluna, a distribuição de forças na cadeia é desigual, seja aqui ou em outros países.

Não sejamos ingênuos. O leite é associado à qualidade e essencialidade inclusive no Brasil (ex: a marca Ninho não significa qualidade e cuidados?), sem que isto signifique de fato uma vantagem para produtores que produzem a matéria-prima com qualidade e constância.

Se por um lado existem oportunidades e a entrada de empresas de peso como a Coca é um sinalizador destas oportunidades, a chance do benefício chegar ao produtor depende de uma maior organização do setor produtivo (cooperativas, associações de produtores), de barreiras comerciais bem definidas contra produtos subsidiados, de uma maior valorização da qualidade da matéria-prima junto às indústrias e ao consumidor, de uma atuação mais presente do governo no monitoramento das relações comerciais entre os elos da cadeia e outros itens mais.

No mercado de leite, enquanto que com certeza a retração do consumo afeta negativamente a todos, o aumento da demanda pode gerar benefícios restritos aos segmentos mais fortes, pelo menos os benefícios mais duradouros, de longo prazo. É preciso que se reconheça isso para que as oportunidades sejam aproveitadas por todos os integrantes da cadeia.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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