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A cidade informal

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 16/02/2001

4 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

Já que as discussões em torno da informalidade do leite estão longe de acabar, vamos comentar nesta semana um artigo publicado na Revista Exame, de 07/02/2001, sobre a informalidade na cidade de Santa Cruz do Capiberibe, em Pernambuco, tratada pela matéria como a Meca da informalidade no Brasil.

Chega a ser pitoresco. Todas as terças-feiras, cerca de 20.000 camelôs lotam o centro da cidade do agreste, de 59.000 habitantes, onde se realiza a Sulanca, uma das maiores feiras de roupas do país. Os compradores chegam a vir da Bolívia e do Paraguai, que freqüentam as cerca de 6.000 bancas de roupas, que ocupam apenas 2,5 hectares. A feira é uma balbúrdia. A região, muito pobre. Sofre com a falta de água e quase não se coleta lixo. Nem o Rotary e a loja maçônica permaneceram muito tempo na cidade, dadas as condições locais...

O sucesso comercial da Sulanca está no preço: tudo é muito barato. Nada passa de 20 reais, quase tudo feito é informalmente em fundos de quintal. No entanto, a feira é um gigante em números: com 1 milhão de visitantes ao ano, movimenta algo em torno de 450 milhões de dólares ! Santa Cruz é hoje o maior pólo de confecções do Nordeste, reunindo 3000 micro e pequenas empresas e 100 fábricas maiores que, juntas, consomem 8% da produção nacional de brim. Segundo a matéria, a cidade é um símbolo do tamanho e do poder da economia informal no Brasil. Dois terços dos empreendedores não têm CGC. A arrecadação de impostos, estima-se, não chega a 1% do que deveria ser, considerando o PIB de 300 milhões de dólares da cidade, cuja renda per capita chega a 5000 dólares anuais, embora desigualmente distribuída. A cidade tem pista de motocross, teatro e clínica com equipamentos para diagnóstico de imagens.

Mas as autoridades fazem vista grossa a tudo isto. Fosse toda esta estrutura transportada à formalidade, a feira (e a cidade) não manteria seu status. Talvez até sumisse. Embora existam exemplos de empresários que, após anos na informalidade, regularizaram sua situação, a grande maioria permanece alijada do sistema tributário. Há toda uma estrutura formada por costureiras de fundo de quintal, carregadores, cortadores de tecido, enfestadores (esticadores de tecido), eliminadores de pontas de linha, donos de jegues e das bancas de venda. Dados do censo de 1996 indicaram que, nas 11.000 casas, havia pelo menos uma costureira. Neste ambiente, consegue-se manter uma situação de pleno emprego na cidade, ainda que em condições humildes, em uma região pobre e sem perspectivas. Há, ainda, casos de sucesso. Há empresários que, a partir da informalidade, reuniram patrimônio milionário e são hoje fornecedores de redes como a Marisa, evidentemente que já migrados à formalidade.

Além disto, a prefeitura lucra com a feira, recolhendo cerca de 800.000 reais por ano com a taxa, superando o valor do ICMS que cabe ao município (500.000 reais). Ou, em outras palavras, a prefeitura da cidade é "sócia" da feira informal.

Mas, por outro lado, tal situação sufoca a maior parte das iniciativas formais de negócio. Mas qualquer movimentação no sentido de formalização da Sulanca precisa ser feito com muito critério, segundo o próprio prefeito. Para o Prof. John Sullivan, diretor do Center for International Private Enterprise, entidade que defende o livre mercado, a solução estaria na redução gradativa das barreiras que impedem que um negócio sobreviva na formalidade. Já existem em Santa Cruz iniciativas com este objetivo, como a Ascap - associação dos confeccionistas locais, que reúne 70 associados e busca criar atalhos para que estes empreendedores migrem para o setor formal.

O Prof. Steven Staal, economista do International Livestock Research Institute (ILRI), do Quênia (África), onde a informalidade atinge 85% da produção comercializada, é estudioso da questão do leite informal em países do terceiro mundo e sugere soluções parecidas com as propostas para o setor têxtil em Santa Cruz do Capiberibe. A informalidade existe porque o custo do produto final é mais baixo para os consumidores. No sistema formal, o custo do processamento, impostos e embalagem não pode ser totalmente repassado ao consumidor; o produtor acaba tendo que arcar com parte dos custos, tendo com isso o preço pago pelo seu leite reduzido. Desta forma, a informalidade passa a ser interessante tanto a quem produz a matéria-prima como a quem compra (nota: a preferência, em muitos casos, pelo leite informal em relação ao formal não pode ser esquecida como impulsionador da informalidade, ou seja, não é só o preço mais baixo que conta).

Para o professor Staal, a solução pode estar no reconhecimento da necessidade da informalidade e de que soluções "ocidentais" tendem a não funcionar em países de terceiro mundo (os próprios números da informalidade no mundo indicam isto). A partir daí, em vez do combate sistemático, que estimula a marginalidade e a fraude, deve-se investir no treinamento e no monitoramento dos agentes da cadeia da informalidade, visando, gradativamente, gerar condições para sua inclusão no mercado formal e, paralelamente, investir na educação do consumidor (que é quem efetivamente acabará ou não com a informalidade).

Seja no leite produzido no Quênia ou nas roupas que viabilizam uma cidade do sertão do Brasil, a leitura do problema é muito parecida. A discussão de soluções levando em conta a realidade local precisa ir além da simples pregação pelo combate sistemático da informalidade, que é a conseqüência e não a causa do problema; o combate sistemático apresenta chances mínimas de sucesso.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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