O primeiro registro sobre produção de leite no Brasil data de 1532, quando as primeiras vacas leiteiras desceram das caravelas, vindas de Portugal. Atualmente, o Brasil é o terceiro maior produtor de leite do mundo, atrás somente dos EUA e Índia (FAO, 2017). Mas e Portugal? Será que nossos colonizadores têm uma cadeia láctea forte e bem estruturada?
Para saber um pouco mais sobre isso, conversamos com Leandro Miguel Pacheco de Oliveira, produtor de leite no País. Ele é sócio na Sociedade Agrícola Quinta de Cadeade - com sede em Paço de Sousa, distrito do Porto -, uma propriedade que nasceu na década de 70, pelas mãos de seus pais. Na época, a produção iniciou-se com um animal, ordenhado à mão. Atualmente, possui 75 animais em lactação, em sistema semi-intensivo, produzindo 2.200 litros de leite por dia.
Produção de leite em Portugal
Segundo o último levantamento disponibilizado pela FAO, Portugal produziu, em 2017, 1.962.494 toneladas de litros de leite bovino, ocupando a 16º posição entre os países da União Europeia (UE). Essa produção equivale à uma média de 190 litros por habitante do País, o que é bastante expressivo, se compararmos com a do Brasil, que seria de 160 litros.
Fazendo uma avaliação histórica, desde de 1962, o Portugal teve sua produção recorde em 2002, com 2.102.959 toneladas (Gráfico 1). Desde então, os valores vêm oscilando e, em 2015, a produção se aproximou da quantia recorde, atingindo 2.049.809 toneladas. A partir de 2016, observa-se uma diminuição (aproximadamente 85 mil toneladas) na quantidade de leite produzida, que se manteve em 2017.
Gráfico 1. Evolução da produção de leite bovino em Portugal, 1962 a 2017, em toneladas.
Fonte: FAO, 2017.
“Esta redução deve-se ao fim das quotas leiteiras, que entrou em vigor a partir de março de 2015 e que determinou o encerramento de centenas de explorações. Como consequência, o preço pago ao produtor também baixou e mantém-se baixo, obrigando a que sejamos resistentes e ainda mais eficientes”, comentou Leandro. O que fez com que a produção não caísse tanto, segundo Leandro, é que o número médio de animais por propriedade tem crescido. Isso leva a crer que os produtores que permaneceram na atividade estão aumentando seus rebanhos e que, possivelmente, a produção voltará a crescer. “Nesta atividade só resiste quem for um ‘lutador nato’, é um setor que pede muita dedicação, muita polivalência, muitas horas de trabalho.”
Com relação a tecnificação das fazendas, o produtor comentou: “Posso dizer que as explorações em Portugal estão em pé de igualdade com qualquer outro país em termos de desenvolvimento e modernização. A bovinocultura de leite é um setor que tem seguido os critérios de inovação, com rigor sanitário, nutricional e condicionamento ambiental, por meio de um maneio de excelência, em crescimento, com pessoas mais bem formadas e informadas.”
Qualidade do leite
Os produtores de leite em Portugal devem seguir padrões bastante rígidos, como acontece nos demais países da UE. O leite produzido, para não perder bonificações, terá de cumprir os seguintes parâmetros: contagem de células somáticas (CCs) inferior à 200 mil céls/mL e contagem bacteriana total (CBT) inferior à 30 mil UFC/mL (muito menores que os limites previstos na legislação brasileira, que são de 500 mil cél/mL e 300 mil UFC/mL, respectivamente). As bonificações são dadas por qualidade e por cumprimento de normas de bem-estar animal. Por outro lado, podem ocorrer penalizações quando há detecção de inibidores ou outras substâncias no leite.
“No que tange o bem-estar animal, cada propriedade deverá acatar os critérios impostos pelo comprador do leite. Caso não sejam cumpridos, haverá uma penalização no preço. Além disso, se, após algumas auditorias, a situação não estiver regularizada, é motivo para rescisão de contrato”, explicou Leandro.
Sociedade Agrícola Quinta de Cadeade
Atualmente a propriedade em que Leandro é sócio produz 2.200 litros de leite por dia, em sistema semi-intensivo. A área total para produção de alimento para os animais é de 50 ha, dos quais 20 ha são arrendados. “Produzimos culturas de outono/inverno, como erva para silagem (misturas de: azevém, aveia, ervilha forrageira e trevos) e na primavera/verão é produzido milho para silagem. Temos também uma pequena parcela a luzerna (1ha)”, disse.
O rebanho total conta com 180 animais, estando 75 em lactação, com o objetivo de chegar a 130 até julho deste ano. Trabalham quatro colaboradores, dos quais três ficam em tempo integral e um meio período. Os sistema de ordenha utilizado é voluntário. Em relação a qualidade do leite, a propriedade tem tido valores médios de CCS em torno de 180 mil cél/mL, CBT de 6 mil UFC/mL, gordura (não valorizada no preço) de 4,12 e proteína de 3,46.
Diminuição do consumo e desafios da cadeia láctea
De acordo com Leandro, o consumo de lácteos tem diminuído muito, sobretudo de leite UHT. Ele atribui essa diminuição à onda vegana, que, muitas vezes, pode ser extremista e levar informações equivocadas aos consumidores. “Os produtores, juntamente com a indústria, têm o grande desafio de fazer chegar uma mensagem ao consumidor: o leite é e sempre foi um produto de excelência para uma vida saudável. Atualmente a falta de conhecimento da população, principalmente a urbana, tem sido aproveitada para colocar a sociedade contra os agricultores. Nós, produtores, queremos apenas cultivar a terra, cuidar dos animais e alimentar a população de forma responsável, ecológica, amiga do clima e proporcionando o máximo de bem-estar animal, baseando-se em critérios científicos”, desabafou.
Leandro disse ainda que a bovinocultura de leite é um setor muito importante para a economia de Portugal e toda a sociedade, inclusive os produtores, quer uma produção agrícola favorável ao ambiente. Contudo, para que isso aconteça, é necessário que o Governo esteja junto, dando suporte aos produtores. “Não podem ser só os agricultores a pagar a fatura e as vacas a ficar com a culpa do aquecimento global. Como já mencionei, o produtor é um lutador nato e está sempre tendo que se adaptar às tendências do mercado, do ambiente, dos governantes, da Europa, do mundo, para poder sobreviver."
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