Qual será o futuro do Programa Mais Leite Saudável com a reforma tributária?

Projetos de assistência, genética e sanidade elevaram produção e renda no campo. Saiba como o PMLS transformou a pecuária e por que precisa continuar.

Publicado em: - Atualizado em: - 5 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 0

Sem tempo? Leia o resumo gerado pela MilkIA
A cadeia leiteira brasileira é vital economicamente, com produção anual de mais de 34 bilhões de litros, sustentando pequenas e médias propriedades e gerando 4 milhões de empregos. O Programa Mais Leite Saudável (PMLS), instituído em 2015, oferece incentivos fiscais a laticínios e cooperativas, condicionados a projetos que beneficiem produtores. Com 2.187 projetos aprovados, o PMLS tem mostrado resultados positivos, mas seu futuro é incerto devido à reforma tributária que pode extinguir benefícios fiscais. A continuidade do programa depende da mobilização dos produtores.

A cadeia leiteira brasileira apresenta uma grande relevância econômica e social. Com uma produção anual superior a 34 bilhões de litros, o setor está presente em 98% dos municípios do país, sustentando principalmente pequenas e médias propriedades. Essa cadeia produtiva gera empregos para cerca de 4 milhões de pessoas, tanto no meio rural quanto no urbano (MAPA, 2025).

Apesar desse peso, o setor ainda enfrenta limitações significativas de apoio público, contando atualmente com apenas uma política federal específica voltada à sua valorização: o Programa Mais Leite Saudável (PMLS).

 

O Programa Mais Leite Saudável

Em 2015, entrou em vigor o Decreto nº 8.533, que instituiu o Programa Mais Leite Saudável (PMLS). O objetivo central era estimular investimentos que fortalecessem a cadeia produtiva, por meio de incentivos fiscais voltados aos laticínios e cooperativas. 

O mecanismo se baseia no crédito presumido, um benefício fiscal que permite às empresas deduzirem uma porcentagem do imposto devido, desde que cumpram determinadas obrigações ou realizem investimentos específicos. No caso do PMLS, o decreto autoriza laticínios e cooperativas a deduzir até 50% dos créditos presumidos do PIS/Pasep e da Cofins. Esses créditos estão relacionados à compra de leite in natura utilizado como insumo na fabricação de produtos lácteos.

Como contrapartida, as empresas participantes são obrigadas a elaborar projetos que destinem 5% do valor dos créditos obtidos a ações de benefício direto aos produtores de leite, como capacitação, assistência técnica, melhoria de infraestrutura e apoio ao manejo. Para garantir o bom funcionamento do programa, apenas CNPJs em situação fiscal regular e que não utilizam matéria-prima importada podem participar.

Continua depois da publicidade

Esse modelo, além de aliviar parte da carga tributária das empresas do setor, também criou um ciclo de reinvestimento, levando recursos da indústria para a base da cadeia. Dessa forma, o PMLS busca fortalecer a produção nacional, garantindo ganhos tanto para as indústrias quanto para produtores.


 

Qual o papel de cada um no programa?

Para facilitar o entendimento sobre o funcionamento do Programa Mais Leite Saudável é interessante entender a função de cada agente nos projetos:

  • Produtores rurais: Representam o público-alvo dos projetos e ações e são responsáveis pela implementação das recomendações e tecnologias para melhoria da produção, produtividade e qualidade do leite. 

  • Laticínios e cooperativas: São responsáveis pela elaboração e execução dos projetos junto aos produtores de leite, com aplicação dos recursos e elaboração de relatórios de prestação de contas e de execução das atividades previstas. Essas empresas podem ainda contar com profissionais executores terceirizados para auxiliar na implementação dos projetos

  • Receita Federal: A Receita Federal é responsável por regulamentar, fiscalizar, apurar, cobrar, arrecadar e administrar a Contribuição para o PIS e a Cofins.

  • Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: O MAPA é responsável pela análise, aprovação, coordenação, monitoramento, fiscalização e avaliação dos projetos, funções executadas pelas Divisões de Desenvolvimento Rural (DDRs), Superintendências Federais de Agricultura (SFAs) e Secretaria Executiva (SE). Também cabe ao Ministério a gestão, planejamento, regulamentação, desenvolvimento e avaliação do PMLS, por meio da Coordenação de Boas Práticas Agropecuárias (CBPA), da Coordenação-Geral de Produção Animal (CGPA) e do Departamento de Desenvolvimento das Cadeias Produtivas e de Indicações Geográficas (DECAP).

 

Como os projetos do PMLS fortalecem a pecuária nacional

Os projetos do PMLS são o coração de sua operação e servem como base para que o MAPA defina quais empresas podem acessar os benefícios fiscais. Atualmente, essas iniciativas estão organizadas em três linhas de ação principais:

A primeira abrange programas de melhoramento genético, em que as empresas desenvolvem ações voltadas à melhoria da genética do rebanho de fornecedores, aumentando não apenas a qualidade do leite, mas também o volume de produção por animal.

Continua depois da publicidade

A segunda linha engloba os programas de educação sanitária na pecuária, voltados a conscientizar os produtores sobre a importância do manejo sanitário do rebanho. Exemplos incluem iniciativas de controle da brucelose e da tuberculose. Atualmente, 45 projetos estão em andamento, realizando mais de 390 mil testes para essas doenças e garantindo a certificação de livre de brucelose e tuberculose bovina para mais de mil propriedades.

Por fim, há os programas de assistência técnica com foco em gestão, capacitação e boas práticas agropecuárias (BPA). Nessa categoria, as indústrias oferecem programas de assistência técnica voltados a melhorar a gestão, a capacitação e as boas práticas agropecuárias dos produtores.

Durante sua palestra no Interleite Brasil 2025, João Cruz, servidor público do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), destacou a relevância do programa para a pecuária nacional. “Em dez anos do programa, foram aprovados 2.187 projetos em 23 estados, beneficiando quase 190 mil produtores. Em 2024, havia 871 projetos em andamento, abrangendo 2.562 municípios — quase 50% do território nacional”, afirmou. João ainda ressaltou os impactos econômicos: “Estudos mostram resultados expressivos, como crescimento médio de 26% na produção, taxa de retorno de capital de 28% e incremento de 49% na margem líquida. A média de investimento por produtor foi de R$ 27 mil, gerando aumento de renda de R$ 65 mil — mais que o dobro do valor investido.”


 

Um futuro incerto 

O Programa Mais Leite Saudável tem se mostrado cada vez mais essencial, não apenas para a pecuária, mas para o desenvolvimento socioeconômico do país. Contudo, seu futuro permanece incerto. O plano de reforma tributária em discussão prevê o fim do PIS e da Cofins, substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), sem definição sobre a manutenção do PMLS ou sua vinculação a outro benefício fiscal.

O programa já se consolidou como uma política pública de resultados concretos, com impactos evidentes na qualidade do leite, na renda dos produtores e na sustentabilidade da cadeia. Na visão de muitos, abrir mão de uma ferramenta tão importante representaria um retrocesso para o setor lácteo e para a economia brasileira.

Segundo João Cruz, a continuidade do PMLS depende de mobilização política, principalmente por parte dos produtores e de suas entidades representativas. “Não será a indústria quem garantirá a permanência do programa; é necessário que os próprios produtores se posicionem para protegê-lo.” Isso ocorre porque, com a reforma tributária, a indústria não tem mais o desafio de recuperar os créditos de PIS e Cofins, questão que é cerne do PMLS. De certa forma, esse problema terá sido “resolvido” com a reforma. 

O que não terá sido resolvido é a necessidade de capacitação e profissionalização da produção de leite, que recebem um formidável impulso do PMLS.

Mais do que nunca, produtores, cooperativas, entidades de classe e as próprias indústrias devem discutir soluções para que o programa tenha continuidade, ainda que sob nova roupagem em função das mudanças tributárias. Garantir políticas que fortaleçam a produção de leite significa assegurar segurança alimentar, renda no campo e desenvolvimento para o país. O PMLS deve ser visto não apenas como um benefício fiscal, mas como um investimento estratégico que o Brasil não pode perder.

Referências bibliográficas

QUER ACESSAR O CONTEÚDO? É GRATUITO!

Para continuar lendo o conteúdo entre com sua conta ou cadastre-se no MilkPoint.

Tenha acesso a conteúdos exclusivos gratuitamente!

Ícone para ver comentários 0
Ícone para curtir artigo 0

Material escrito por:

Igor Antonio

Igor Antonio

Médico Veterinário formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Editor de Conteúdo da MilkPoint

Acessar todos os materiais

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Qual a sua dúvida hoje?