No decorrer dos anos oitenta, diversas cidades surgiram na região Centro Oeste do Brasil impulsionadas pelo desenvolvimento de uma nova agricultura levada principalmente por migrantes do sul do país que se deslocaram em busca das oportunidades oferecidas pela região, relacionadas principalmente aos preços das terras que até então eram baratas. Essa nova maneira de produzir baseava-se na experiência que esses agricultores recém chegados traziam, e na aplicação de tecnologia no campo, aliada ao uso de novas variedades, principalmente de soja, que a Embrapa vinha desenvolvendo para as regiões de cerrado. Atualmente, regiões do Maranhão e do Sul do Piauí passam por essa mesma experiência, vendo aflorar os benefícios que o trabalho no campo é capaz de produzir, reorganizando as cidades, e gerando trabalho e renda, o que demonstra a força do agronegócio brasileiro.
O agronegócio é responsável por aproximadamente ¼ do Produto Interno Bruto brasileiro (segundo balanço da CNA, o PIB do agronegócio atingiu 1 trilhão de reais em 2013), sendo a soja o principal item exportado pelo Brasil, tendo respondido por 13,7% do total de exportações do país em 2013 (CONAB). A atividade leiteira também é destaque nesse cenário, onde a atividade rural cresce em importância econômica para o país. Atualmente, o Brasil produz mais de 32 bilhões de litros de leite anualmente, sendo o quinto maior produtor do mundo e abrigando ao redor de 4 milhões de trabalhadores somente nas fazendas produtoras. Dos 5.564 municípios brasileiros, é difícil encontrar algum em que não haja produção de leite, seja nos 853 municípios de Minas Gerais (maior Estado produtor) ou nos 15 municípios de Roraima (menor Estado produtor). Em 2007, de acordo com o Cepea, o PIB da cadeia produtiva do leite foi de 34,4 bilhões de reais, representando 1,3% de todas as riquezas geradas pelo país naquele ano. Para efeito de comparação, a cadeia produtiva da soja teve um PIB de 33,5 bilhões (900 milhões a menos que o PIB do leite) nesse mesmo ano. Apesar da diferença de níveis tecnológicos aplicados entre as duas atividades (a soja brasileira é a mais produtiva do mundo ― segundo a Conab, na safra de 2012/2013 a produtividade da soja brasileira foi de 2.939 kg/há, contra 2.679 kg/ha da americana; e a produtividade do leite é das menores ― segundo a FAO, a vaca brasileira produz em média 1.340 litros por lactação, enquanto a americana produz 9.590 litros), o negócio leiteiro também tem suas ilhas de excelência. Grande parte destas ilhas estão localizadas em bacias leiteiras do Paraná (Castro, Carambeí e Marechal Cândido Rondon), Goiás (Morrinhos, Jataí, Piracanjuba e Catalão) e Minas Gerais (Patos de Minas, Ibiá, Unaí, Patrocínio, Coromandel, Passos e Prata), municípios que, segundo o IBGE, tiveram as maiores produções de leite em 2012. Apesar de estar presente em todo território nacional e ter um peso cada vez maior dentro do agronegócio brasileiro, a atividade leiteira como um todo ainda não pode ser comparada com aquela praticada em países considerados desenvolvidos no setor. Frente a uma realidade de mais de um milhão de fazendas produtoras, são poucas aquelas consideradas realmente eficientes diante da capacidade da atividade como negócio, impedindo que todo potencial econômico do leite seja explorado e que toda a cadeia, inclusive os próprios municípios, sejam beneficiados.
A diferença de ritmo entre a enorme evolução da agricultura brasileira e a lentidão da pecuária, em grande parte, pode ser explicada pelo suporte técnico oferecido pelas empresas fornecedoras de insumos. As empresas de fertilizantes, além de desenvolverem e fornecerem adubos e corretivos, também orientam o produtor em relação aos produtos mais indicados e às dosagens recomendadas; empresas de sementes trabalham no melhoramento genético e na orientação técnica para a escolha das melhores variedades para cada situação; empresas de defensivos desenvolvem produtos específicos e orientam na utilização, dosagem e momento da aplicação; a indústria de máquinas e equipamentos desenvolve ferramentas adequadas ao tipo, tamanho e nível tecnológico da fazenda, além de capacitarem operadores; as cooperativas promovem capacitação gerencial, financiam a safra e compram a produção, atuando também como repassadoras de crédito obtido junto aos programas do governo federal. Tal nível de organização permite que a agricultura brasileira, mesmo diante dos gargalos relacionados principalmente ao escoamento da produção, se mantenha competitiva e crescendo em um patamar de organização bem superior ao obtido pela pecuária. E a atividade leiteira, como está posicionada em relação a este cenário de integração técnico/comercial experimentado com sucesso pela agricultura? Uma análise, mesmo que superficial, nos leva a conclusão de que temos muito que avançar na organização e, principalmente, na relação de confiança entre os elos da cadeia produtiva do leite. De maneira geral, o produtor não confia na indústria, que desconfia do produtor. Além disso, são raras as parcerias com os fornecedores de insumos, que na maioria dos casos estão distantes e, por isso, não desfrutam de prestígio junto ao produtor, que acaba tendo que arcar sozinho com a responsabilidade, os desafios e os custos do desenvolvimento técnico de sua propriedade. Em alguns casos, ele acaba buscando a ajuda de um profissional contratado para auxiliar na resolução de uma infinidade de questões relacionadas ao gerenciamento, linhas de crédito, uso de fertilizantes, sementes, defensivos, máquinas, genética, qualidade do produto, entre outras. No caso da agricultura, todas essas atividades são apoiadas tecnicamente pelos fornecedores de insumos.
Quanto se investe em uma fazenda leiteira? Qual a movimentação financeira de uma unidade produtora de leite? Qual o incremento financeiro promovido pelo desenvolvimento dessas fazendas? Estas são questões que uma vez respondidas, talvez nos ajudem a demonstrar o quanto seria interessante aos demais elos da cadeia, além do produtivo, investir no desenvolvimento e na profissionalização da atividade. A seguir, avaliaremos o caso de cinco fazendas, que já foram apresentadas em artigos anteriores, levando em consideração o impacto da evolução técnica das propriedades sobre o volume financeiro movimentado, a renda gerada pela atividade e suas implicações no desenvolvimento da economia dos municípios e no mercado de insumos.
No quadro 1, é possível avaliar a evolução das fazendas em relação à situação inicial de acompanhamento técnico da Cooperideal. A soma da produção de leite no início do acompanhamento foi de 1.255.253 litros/ano, enquanto que em 2013, final do período analisado, o volume produzido havia saltado para 2.262.278 litros/ano, registrando um aumento de mais de um milhão de litros/ano, o que é equivalente a 180% de crescimento em um período médio de 8 anos de trabalho. Nesse mesmo período, a produção brasileira de leite cresceu ao redor de 30%. Com a organização e o crescimento da produção, a renda acumulada das fazendas cresceu 254%, de R$ 934.475,00 para R$ 2.378.834,00, indicando o enorme potencial do leite como atividade econômica. Neste mesmo período, a média de investimentos/hectare das fazendas subiu de R$ 9.783,00 para R$ 25.579,00, crescimento de 261% em relação à situação inicial das propriedades, demonstrando o alto nível de confiança que esses produtores têm na atividade.
Quando o total de renda gerada em 2013 nas cinco fazendas analisadas (R$ 2.378.834,00) é dividido pelo total de 107,9 ha relativos à soma das áreas destinadas à produção de leite, é obtida uma receita bruta de R$ 19.669,00 por cada hectare trabalhado na atividade. Uma lavoura de soja, com produtividade de 60 sacas/hectare, gera ao redor de R$ 3.600,00 por ciclo (60 sacas multiplicado por R$ 60,00/saca); uma lavoura de milho, com produtividade de 150 sacas/hectare, gera renda parecida, em torno de R$ 3.750,00 por ciclo (150 sacas multiplicado por R$ 25,00/saca). Assim, considerando que o produtor tenha uma safra de soja e uma safra de milho no mesmo hectare, ainda sim, o valor de R$ 7.350,00, oriundo da soma da renda gerada por hectare nas duas atividades (R$ 3.600,00 da soja + R$ 3.750,00 do milho), representa apenas 37% da renda média de R$ 19.669,00 gerada pelo hectare das cinco fazendas leiteiras analisadas, demonstrando mais uma vez o alto potencial gerador de renda da produção de leite. Em relação ao giro de capital promovido pela atividade leiteira, em 2013, as cinco fazendas analisadas movimentaram juntas, somente para custeio da atividade, o valor de R$ 1.236.983,00, com média de R$ 247.396,60 por cada propriedade. Diante disso, é possível prever o impacto que a atividade leiteira, quando tecnicamente desenvolvida, teria sobre a economia de várias regiões do país, onde são comuns municípios que abrigam mais de mil propriedades leiteiras. Vale lembrar que entre as propriedades analisadas temos uma propriedade de apenas 5,0 hectares, com produção ao redor de 300 litros/dia, e também uma propriedade de mais de 4.000 litros/dia, com 65 hectares trabalhados, demonstrando assim a viabilidade técnica de todas as unidades leiteiras, desde que haja interesse e comprometimento de todos os envolvidos neste processo.
Os produtores de leite que recebem orientação técnica de qualidade, capaz de promover ganhos de eficiência na atividade, são diretamente beneficiados pelo aumento da renda gerada pelo negócio. Contudo, além dos produtores, as empresas compradoras de leite, a economia local e toda a rede de fornecedores de insumos, máquinas e equipamentos ligados à atividade, também se beneficiam e obtêm ganhos expressivos com este desenvolvimento. Mas quanto custa investir neste desenvolvimento? É possível assegurar que um bom atendimento técnico a pequenas e médias propriedades, feito através de visitas mensais, não custa mais que 600 litros por mês, o equivalente a vinte litros de leite por dia! Certamente, o peso deste investimento seria ainda menor, caso fosse dividido entre todos os setores beneficiados (produtor, município, empresas compradoras de leite, empresas de insumos, de máquinas e equipamentos). Nos próximos artigos, apresentaremos os resultados de várias parcerias realizadas em diversas regiões do país, onde há envolvimento de grande parte dos setores citados e com excelentes resultados. Até breve!
Quadro 1: Resumo da situação econômica de cinco propriedades leiteiras assistidas pela Cooperideal. Comparação entre o ano de início do trabalho e o ano de 2013. Valores em reais.