"Eu não tenho mastite". A afirmação é verdadeira porque quem tem mastite é a vaca, não o produtor/pecuarista. Esta frase é comum ouvirmos em churrasquinhos (aqueles que somos obrigados a participar/são marcados sempre em datas indesejáveis...) e encontros de produtores e, geralmente é proferida pelo mais ignorante dos participantes da "rodinha de conversa mole".
Não há rebanho, no mundo, que não tenha mastite. Contagem bacteriana global muito baixa? Ok, isso é possível. Higiene e disciplina regulam a CBT. E a contagem de células somáticas (CCS/ml)? Todo rebanho tem mastite. Não há escapatória. Cada rebanho com um perfil de problemas. A CCS pode ser controlada e pode ser baixa. Mas sempre haverá a indesejada mastite.
Ao meu ver, o maior desafio inicial é fazer o treinamento da mão de obra para diagnosticar o problema corretamente. O que é mastite? Eis a primeira questão a ser respondida. O que é uma mastite clínica? E uma mastite subclínica? Quando devemos tratar o animal? Como tratar o animal? Em que momento da ordenha tratamos este animal? Com que medicamento devemos tratar este animal? São perguntas que não só o produtor deve saber responder de prontidão como todos os funcionários que realizam as ordenhas devem saber respondê-las ou pelo menos devem receber orientação de pessoal capacitada para que possa agir corretamente. E tais perguntas simples, acadêmicamente falando, tem um "custo" para serem respondidas na prática!
Sabemos que a eficácia do tratamento de casos clínicos de mastite é bastante alta. O mesmo não ocorre com casos subclínicos e contagiosos. O desafio passa a ser maior e é necessário identificar que tipo de patógeno está atuando na propriedade.
Sempre, como todos, tivemos casos de mastite. Felizmente, quase sempre casos ambientais. Em 2007 construímos nosso novo galpão (free-stall) com camas de borracha. Nosso galpão velho (também free-stall) era com camas de areia. Nossa CCS era ao redor de 400 a 600 mil CCS/ml. Quando as vacas trocaram de instalação, a CCS caiu para 280 a 300 mil CCS/ml. Ainda uma CCS alta, mas bem melhor.
Continuamos correndo atrás de melhorias em termos de CCS. Infelizmente, pela primeira vez, em 30 anos de leite, estamos tendo um surto de casos subclínicos, reincidentes e com animais em instalação mais adequada e limpa que a anterior. O que ocorreu. Constantes trocas de equipe de ordenha e queda na constância e qualidade do manejo de ordenha. Agora, estamos colhendo os frutos.
Para solucionar o problema, corremos atrás, fizemos antibiograma (como sempre) e isolamos a bactéria: Streptococcus agalactie. O controle aumentou. Trocamos produtos na ordenha (pré e pós), efetuamos mais treinamentos com a mão de obra e estamos controlando tudo com afinco. Mesmo trabalhando com o antibiótico cuja bactéria predominante apresenta sensibilidade está sendo difícil alcançarmos bons resultados.
Como sempre, nosso controle de mastite é realizado da seguinte forma:
1-) treinamento dos funcionários: identificação de casos (teste de caneca) e se necessário, confirmação com teste de CMT
2-) toda vaca identificada com mastite não é colocada a teteira no momento da ordenha e é "sequestrada" para ser ordenhada no final da ordenha
3-) a vaca acometida e identificada é ordenhada (esgotada) no final da ordenha e sua teteira não é colocada em outro animal (se necessário a mesma é desinfetata cuidadosamente em solução clorada)
4-) a vaca é tratada e seu teto é anotado e é amarrada uma cordinha (espessura de corda de varal, simples e vermelha) no pescoço da mesma
Eu, pessoalmente, todas as manhãs, checo as anotações (lousa/rascunho) dos funcionários. O funcionário anota a data, ordenha (manhã/tarde/noite), o(s) teto(s) tratado(s) e o medicamento usado. Transfiro, então, as anotações (rascunho) para uma lousa que fica dentro do fosso de ordenha e anoto, de maneira clara e legível os dados acima e efetuo a conta do dia em que o animal poderá retornar ao leite. As mesmas anotações são anotadas no meu palm top para posteriormente migrarem para nosso software de gerenciamento de rebanho (onde todas as ocorrências são anotadas, diariamente).
Esta rotina é diária, sem falhas, sem exceção. O controle é feito por mim como um verdadeiro "herdman" (usando uma expressão americana).
No passado, esta tarefa de anotações, responsabilidade pelo controle do uso de antibióticos e tudo mais era "delegada" a funcionários, supostamente, qualificados. Atualmente, não faço a menor questão de delegar. Desta maneira, controlo melhor, tenho segurança e o "rebanho" na mão. Não há divergências e erros são mais rapidamente identificados. Quando vou "atualizar a lousa" (como chamo tal tarefa), converso sempre com os funcionários sobre os tratamentos, sobre as respostas das vacas aos mesmos, sobre dúvidas e procuro sempre instruí-los da melhor forma possível. Mesmo assim, os resultados são difíceis de serem obtidos.
Este desafio atual, faz com que eu cada vez mais tenha certeza de que gerenciar uma fazenda de leite à distância é praticamente impossível ou muito caro. Gostaria de saber quantas fazendas efetuam controles rígidos de antibiótico, quantas fazendas conseguem mensurar realmente o que está acontecendo com suas vacas... Para resolver nossos desafios, contamos com a equipe de pós-graduação da veterinária da Unesp/Botucatu. Conversando com alguns pós-graduandos, que estão realizando trabalho com resíduos de antibióticos, o quadro é alarmante. Quase todas as propriedaes avaliadas numa pesquisa apresentaram resultados positivos. No entanto, cabe destacar que não são todas a propriedades do Brasil, claro! Obviamente, não sou o único a efetuar um controle rígido. O que aborrece é que além de lutar para resolver desafios diários como o atual da nossa propriedade, encontramos um mercado incapaz de reconhecer a qualidade do leite. Incapaz de separar o que é, efetivamente, leite de qualidade e o que é um caso de saúde pública.
Preciso parar por aqui...daqui a meia hora começa nossa 3ª ordenha do dia e preciso dar "uma corrida" no rebanho (cocho, vacas, funcionários e dar uma olhadinha na lousa...)