Quando pretende-se conhecer melhor as propriedades de uma região onde se produz leite, faz-se um questionário entrevistando produtores. A gestão ou a falta dela é lembrada, invariavelmente, como um dos principais gargalos do negócio, juntamente com a falta de mão de obra e de crédito. A referência à gestão como um dos principais entraves ao desenvolvimento da atividade é, no entanto, recente. Na ESALQ, onde dou aulas, o assunto passou a ser, também, objeto de discussão frequente. Poucas são as matérias lecionadas em nossa escola que objetivam ensinar o tema ao aluno, uma delas é a que ministro. Até então, a grande maioria das disciplinas eram destinadas aos assuntos técnicos (como adubar, como plantar, como ordenhar, etc.), mas pouco sobre como gerenciar. Isto mostra, ao mesmo tempo, o quão importante é o assunto e o quão pouco se sabe sobre ele.
Comecei a me interessar por gestão há mais ou menos 15 anos. Naquela época, estava envolvido com grande número de fazendas consideradas excelentes. As vacas tinham genética de primeiro mundo, mas as produções estavam longe de serem semelhantes às dos países desenvolvidos. Tínhamos média de produção da ordem de 20 a 25 kg/vaca/dia, enquanto que naqueles países a média girava ao redor de 35 a 40 kg. A questão era: por que? Será que era problema do clima, da alimentação, do manejo dos animais? Eu tentava várias alternativas como uso de ventiladores, aspersores, free stall, proteína by-pass, gordura protegida, aminoácidos, minerais quelatados, alfafa, milho laminado, etc, mas nenhuma dessas tecnologias parecia alcançar seus resultados potenciais. Nunca, no entanto, tinha focado nas pessoas - como elas viviam, como eram suas casas, como eram suas famílias, qual era sua rotina de trabalho, quem era responsável por elas, se elas estavam comprometidas com o negócio ou não, se possuíam rotina de trabalho. Também, não me interessava muito por entender o que o produtor realmente queria. Eu o escutava, mas não o analisava para saber do fundo do seu coração o que realmente o motivava. Com isso, ficava alterando os processos (dieta, manejo, etc.), mas sem resultado expressivo. Outra coisa que me intrigava era que muitos proprietários eram empresários de sucesso em outras atividades, mas não conseguiam o mesmo desempenho na pecuária de leite. Comecei, então, a estudar atividades distintas e notei uma grande diferença na parte gerencial. Nas fazendas, não dispúnhamos de gestores, mas somente operadores. O gerente da fazenda se ocupava de tarefas rotineiras como fazer compras, consertar peças, distribuir serviços, mas não gerenciava as pessoas. O proprietário visitava a fazenda nos fins de semana e olhava a limpeza das instalações, a beleza das vacas, mas não dirigia o negócio. No final do mês olhavam-se os resultados (quando havia) e, no caso de problemas, culpava-se as pessoas. Porém, ninguém se responsabilizava pelo mal desempenho. Ou seja, não havia gerenciamento.
Com isso em mente, começamos a desenvolver, a partir do que se dispunha para a indústria, um sistema gerencial aplicado à pecuária de leite. Assim nasceu o Sistema MDA. O Sistema já foi implantado em grande número de fazendas e sempre com resultados expressivos. Na fazenda Colorado (SP), por exemplo, em 1996 a produção média das vacas, no ano, era de 22 kg/dia e, atualmente, gira em torno de 38 kg. Nesta fazenda, grande parte das alterações foram gerenciais.
Pretendemos nos artigos que seguem mostrar o Sistema MDA na íntegra. Serão uma série de artigos, iniciando-se pelo entendimento do que é gestão, os componentes do Sistema e finalizando, como implementá-lo. O Sistema é baseado em fundamentação científica, mas adaptada à realidade da fazenda produtora de leite. Possui, também, uma série de ferramentas como softwares, planilhas e outros, que facilitam sua implantação.
O que é gestão?
Gestão é o conjunto de atividades e comportamentos executados por pessoas, visando à sobrevivência do negócio.
As atividades envolvem a elaboração do Plano de Negócios, quando define-se onde se quer chegar (visão), a Organização do Negócio, quando estabelecem-se os meios para chegar lá, a Gestão da Rotina, quando gerenciam-se as pessoas que fazem a rotina, e o Plano Estratégico, quando prevê-se o que deve acontecer no próximo ano e definem-se as ações necessárias para que esta previsão se concretize.
Os comportamentos referem-se à implementação de valores únicos, ao incentivo para se atingir alto desempenho, a tomar atitudes somente à partir de fatos e dados, ao enfrentamento dos problemas, não deixando a solução dos mesmos para depois, e ao cultivo da cultura de honestidade intelectual.
O gestor, para praticar bem sua função, precisa compreender o que garante a sobrevivência de um negócio.
Para que um negócio sobreviva é necessário conhecer e atender às necessidades dos envolvidos no negócio. Todo negócio possui, pelo menos, quatro interessados - os consumidores, o proprietário, os funcionários e a sociedade. Poderíamos incluir, também, os fornecedores de insumos e serviços nesse rol. Mesmo dentro de um determinado grupo, existem diferentes interessados. Por exemplo, no grupo dos consumidores de uma fazenda produtora de leite, poderíamos incluir como interessados o caminhoneiro que transporta o leite, o comprador do mesmo, o processador, o diretor da indústria, o varejista que o vende, a dona de casa que o compra, e a criança que o consome. Cada um dos interessados possui necessidades diferentes, e o gestor do negócio deveria conhecer as necessidades de cada um deles. Se o fizer e atendê-las, ele terá maiores condições de garantir a sobrevivência do seu negócio. Por exemplo, o caminhoneiro quer ser bem recebido na fazenda, que o tanque seja de fácil acesso, que a estrada seja boa e transitável o ano todo; o comprador, por outro lado, quer ter um bom volume de leite, de forma constante; a indústria necessita de leite de boa qualidade, sem antibióticos; o diretor, quer comprar o leite pelo menor preço possível para auferir mais lucro; o varejista, quer um produto com maior tempo de prateleira e disponibilidade constante; enquanto que a dona de casa quer segurança na qualidade e ausência de contaminantes; e finalmente, a criança, quer consumir um produto saboroso. O gestor do negócio precisa conhecer todas estas necessidades e saber como ele pode atender a todas para garantir a venda do seu produto. Aquele produtor que melhor atender a todos os interesses, será o que terá maior procura e disputa pelo seu produto.
Outro interessado que merece atenção especial é o proprietário. Suas necessidades podem ser o lucro, a remuneração do capital, o fluxo de caixa positivo e constante, a satisfação e a realização profissional, o orgulho de ser reconhecido pelos seus pares como uma pessoa de sucesso, dentre outras. Ele deve fazer uma reflexão profunda para saber o que realmente interessa a ele na vida pessoal e profissional. Em seu discurso, proferido na Universidade de Stanford, nos EUA, Steve Jobs, o fundador da Apple, falecido recentemente, disse: "A morte é muito provavelmente a melhor invenção da vida. Lembrar-me de que todos estaremos mortos em breve é a ferramenta mais importante que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas na vida. Quase tudo - as expectativas, o orgulho, a vergonha, o medo de falar, qualquer coisa - tudo desaparece quando estamos perante a morte".
O proprietário precisa definir claramente o que é importante para ele. A pecuária de leite não é uma atividade fácil. Uma vez escutei de um produtor americano, em uma palestra, a seguinte frase: "Se você está na pecuária de leite porque gosta de animais, saia. É mais prazeroso ir ao zoológico. Se você está na pecuária de leite porque gosta do campo, de ar puro, saia. É mais barato tirar férias. Mas, se você está na pecuária de leite porque gosta dos desafios da vida, de enfrentar problemas, do risco, continue. Você encontrou uma atividade que vai dar satisfação a você".
Quanto às questões monetárias, o negócio precisa gerar receitas em montante superior às despesas e, no caso de negócios que visem o lucro, a remuneração do capital deve ser superior à do mercado financeiro. Se isto não for o caso, o proprietário irá preferir aplicar recursos em outro negócio e a atividade leiteira não irá sobreviver naquela propriedade.
Não menos importante para a sobrevivência do negócio são os funcionários. São eles que realizam as atividades operacionais que resultam em produtos e, portanto, receita. Sem eles, não existem os produtos. Muitas vezes acreditamos que as coisa mais importantes em uma fazenda produtora de leite são as vacas. Claro que as vacas são importantes, mas as pessoas é que dão condições para as vacas produzirem. Se tivermos pessoas comprometidas, motivadas, teremos vacas felizes que produzirão muito leite. É preciso lembrar que as pessoas estão entrando no negócio com suas vidas. Elas estão dando seu tempo de vida para o negócio e, portanto, são em certo sentido, tão donas do negócio quanto o proprietário. Elas também estão entrando com capital, porém na forma de capital humano, e não monetário. Para que as pessoas se sintam comprometidas e motivadas, precisamos saber suas necessidades. Em pesquisa realizada pela Clínica do Leite verificamos que os seguintes pontos eram importantes para os funcionários de fazendas produtoras de leite:
- possuir uma área de trabalho definida;
- ter autoridade e responsabilidade dentro de sua área de trabalho;
- responder somente para um superior;
- dispor de indicadores de eficiência para que seja reconhecido;
- ser premiado em público pelo desempenho positivo (com elogios e não com dinheiro);
- ter afinidade com o tipo de trabalho;
- ser consultado para a definição de assuntos de interesse do negócio;
- ter normas de trabalho definidas;
- ter um salário competitivo;
- ter benefícios - plano de saúde, educação, etc.
Se as necessidades dos funcionários forem atendidas, o negócio conseguirá atrair e reter boas pessoas. Lembre-se: o que o negócio vende, na verdade, é a competência e o trabalho das pessoas, embutidas nos produtos produzidos.
Finalmente, e não menos importante, são as necessidades da sociedade. Entendemos que a sociedade demanda que o negócio seja bom para as demais pessoas não envolvidas diretamente naquele negócio. Assim, se o negócio pagar corretamente os impostos, não prejudicar o ambiente, criar empregos, for legal, haverá incentivo para que continue e cresça.
Além destes interessados, diretamente envolvidos, outros são também importantes. Os fornecedores de insumos (alimentos, medicamentos, peças, etc.) e de serviços (consultores, contadores, etc.) também precisam se interessar pelo negócio. Esses profissionais se interessam por empresas que compram mais, que pagam bem, que permitem aplicar seus conhecimentos, dentre outras coisas. Assim, os negócios que oferecem estas condições são os mais assediados pelos prestadores de serviços, e são os que conseguem atrair os melhores profissionais. Com isso, estas fazendas tem mais chance de terem sucesso porque são as primeiras a terem acesso a tecnologias de ponta que realmente impactam a produção. Quem primeiro se beneficia destes produtos e serviços são aqueles que mais auferem lucro. O proprietário deve, então, olhar estes profissionais como se fossem seus clientes. Deve procurar atrair os melhores e mantê-los, da mesma maneira que faz com seus funcionários.
Em resumo, a primeira tarefa do gestor é conhecer quem são os interessados em seu negócio e suas necessidades. A partir deste conhecimento ele poderá determinar como devem ser as características de seu empreendimento - quantas vacas, que volume de leite, que tipo de vacas, que sistema de produção, quantas pessoas, que tipo de pessoas, que instalações, que equipamentos e até o tipo, localização e área de terra. Muitas vezes, o gestor já possui os meios em funcionamento. Neste caso, cabe a ele adequá-los para atender às necessidades dos interessados. Se não o fizer, o negócio não sobreviverá.
Nos próximos artigos discutiremos cada um dos componentes do Sistema MDA.
Esse artigo foi publicado na Revista Leite Integral, mais um produto AgriPoint. Ficou interessado? Clique aqui para assinar.