A acidose ruminal é uma grave doença que acomete animais ruminantes, também conhecida como sobrecarga por grãos, compactação ruminal, rumenite ou acidose láctica. Os bovinos acometidos com a forma aguda frequentemente vão a óbito por graves complicações, como desidratação severa, infecção fúngica e sequelas neurológicas. No entanto, muitos animais desenvolvem a forma subguda da doença, conhecida como acidose ruminal subaguda (ARS) ou, em inglês SARA, a qual causa diversos problemas desde digestivos até locomotores e reprodutivos.
Nos Estados Unidos, esta afecção é a principal preocupação na indústria leiteira. Muitos produtores não têm consciência que seu gado está sofrendo com acidose ruminal. Exames recentes demonstram alta incidência da doença, sendo que 20 a 25% das vacas leiteiras foram diagnosticadas com a enfermidade. Como a acidose subaguda tem aparecimento silencioso, muitas vezes os produtores apenas a percebem pelas perdas financeiras geradas pelas complicações da doença.
A acidose ruminal ocorre pela ingestão de grandes quantidades de alimentos ricos em carboidratos, como frutas, grãos, restos de cervejaria e padaria ou grandes quantidades de concentrado. Propriedades que produzem grãos juntamente à produção leiteira podem aproveitar o excesso da plantação na alimentação dos animais. A moagem dos grãos, facilitando a digestão, é considerada potencialmente perigosa por acelerar a fermentação. Atrasos prolongados no arraçoamento ou transporte fazem com que o animal ao ter acesso ao concentrado se alimente de quantidade excessiva ingestão para compensar o período de jejum a que foi submetido.
A pressão exercida pelo mercado leva muitos produtores a aumentar excessivamente a quantidade de concentrado na alimentação das vacas leiteiras para obter maior produção de leite. Ou ainda esse aumento acaba sendo realizado em substituição a pastagens ruins, que ocorrem em alguns períodos do ano. No entanto, a mudança alimentar muitas vezes não é feita de maneira gradual, necessária para a adaptação correta do animal à nova alimentação.
O conteúdo ruminal possui pH levemente ácido, em torno de 6,0 a 6,7, necessário para que os processos normais de digestão dos alimentos e absorção dos nutrientes essenciais para o metabolismo energético dos bovinos não sejam alterados. O rúmen normal apresenta equilíbrio entre diferentes microorganismos. O excesso de carboidratos causará alteração da microbiota ruminal, o que reduzirá o pH causando, além de lesões na parede do rúmen, parada dos movimentos digestórios. A acidose ruminal subaguda é caracterizada por quedas repetidas do pH ruminal de 5,0 a 5,5, suficiente para causar prejuízos consideráveis na produção de leite.
Os sinais observados durante a ocorrência da doença são variados, sendo que alguns animais podem apresentar a forma aguda, demonstrando principalmente timpanismo, cólica, incoordenação motora e morte. O aparecimento destes sinais no rebanho são indicativos de que a doença pode estar acometendo outros animais, mas na forma subaguda, a qual possui sinais menos intensos, como diarréia moderada e grãos pouco digeridos nas fezes. A redução do pH causa lesões no epitélio do rúmen, com consecutiva absorção de bactérias que podem formar abscessos em diversas partes do corpo, além de impedir a correta absorção de nutrientes, levando a severa perda de peso, e alterando também a composição de gordura e proteína no leite. A análise do leite e constatação de gordura inferior a 3% pode indicar a presença da doença no rebanho, pois a menor porcentagem de gordura obtida como normal é 3,5%, superior em algumas raças leiteiras.
Uma das principais complicações deste distúrbio alimentar é o desenvolvimento da laminite, grave doença podal observada com frequência em bovinos leiteiros. A laminite, além de causar intenso desconforto e redução da ingestão de alimentos, com consequente redução da produção de leite, causa prejuízos ao produtor pelo custo do tratamento. Sendo assim, o aumento dos casos de laminite deve servir como alerta de que o manejo alimentar não está sendo realizado de forma correta. Outra consequência da acidose é a infertilidade do rebanho, que normalmente é multifatorial, mas que pode ocorrer pela redução das reservas energéticas decorrentes desta afecção.
O tratamento dos animais apresentando acidose ruminal subaguda deve ser realizado substituindo a alimentação de concentrados por volumosos, na tentativa de se restabelecer o correto pH e os microorganismos alterados pela fermentação de carboidratos. Alimentos com fibras de alta qualidade estimulam a salivação, que tem substâncias que restauram o pH normal do rúmen. No entanto, as lesões da parede ruminal muitas vezes já estão em fase crônica, e assim, impossíveis de serem revertidas, dificultando a correta absorção de nutrientes alimentares. Desta forma, não resta outra alternativa a não ser o descarte dos animais, ainda mais se houver a presença de complicações como laminite e infertilidade.
Considerando todos os problemas gerados pela acidose e principalmente o tratamento, que na maioria das vezes não apresenta eficácia, o ideal é estabelecer estratégias de prevenção da doença, a qual é feita principalmente baseada num manejo alimentar próximo ao ideal. O índice correto de volumoso:concentrado é de 60:40, no entanto taxas maiores de concentrados podem ser fornecidas, desde que o tempo de adaptação seja respeitado. A porcentagem de volumosos deve ser reduzida em torno de 10% a cada 3 ou 4 dias, e introduzida a alimentação com concentrados. Desta forma, o tempo para correta mudança alimentar é superior a 3 ou 4 semanas.
Pode-se administrar bicarbonato de sódio juntamente ao concentrado, que é uma substância alcalinizante presente na saliva dos ruminantes, com a finalidade de aumentar o pH do rúmen. Muitos produtores também fazem uso de antibióticos ionóforos, como a monensina, inibindo a atividade de bactérias redutoras do pH ruminal. Estas medicações podem ser utilizadas concomitantemente ao manejo alimentar correto como estratégia para evitar o aparecimento da acidose ruminal subaguda no rebanho leiteiro.
Fonte:
CAMPOS, R.; et al. Indicadores do ambiente ruminal e suas relações com a composição do leite e células somáticas em diferentes períodos da primeira fase da lactação em vacas de alta produção. Ciência Rural. v.36, n.2, p.525-530, 2006.
KRAUSE, K.M.; OETZEL, G.R. Inducing subacute abdominal ruminal acidosis in lactating dairy cows. American Dairy Science Association. v.88, p.8633-8639, 2005.
O'GRADY, et al. Subacute ruminal acidosis (SARA) in grazing Irish dairy cows. The Veterinary Journal. v.176, n.1, p.44-49, 2008.