No Brasil, a produção de leite de ovelha é verticalizada e realizada em pequenas propriedades. Isso faz com que muitos produtores tenham que armazenar o leite até acumular volume compatível com o processamento. Assim, práticas como o congelamento do leite e a refrigeração prologada são usadas pelos produtores com este objetivo.
Isso é adequado para preservar essa matéria-prima em termos microbiológicos em determinadas condições, entretanto, pode prejudicar a estabilidade do leite (Tribst et al., 2019), especialmente quando ele é congelado e posteriormente descongelado a 7 °C.
Desta forma, chegamos no seguinte questionamento:
É possível melhorar a estabilidade do leite de ovelha congelado?
Considerando este problema, Tribst et al. (2020a) avaliaram a aplicação de diferentes processos físicos de mistura (utilizando liquidificador por 2 min), dispersão (utilizando Ultraturrax por 11.000 rpm / 5 min) e homogeneização (utilizando um homogeneizador à 3,5 ou 50 MPa) com o objetivo de minimizar os defeitos causados pelo congelamento no leite.
Baseado nos resultados obtidos, os autores verificaram que o processamento do leite no liquidificador ou no homogeneizador se mostraram efetivos para reduzir o tamanho dos glóbulos de gordura do leite de ovelha e aumentar a interação entre proteínas e gorduras.
Como consequência, os processos aplicados foram capazes de reduzir em pelo menos 40% a separação natural de creme no leite em repouso, tanto para leite fresco como para leite previamente congelado/ descongelado (Tribst et al., 2020a), indicando que a realização de pré-processamento para mistura/homogeneização do leite de ovelha é positiva, mesmo para amostras de leite fresco.
Assim, a partir da avaliação global dos resultados, custo, facilidade de operação e manutenção dos equipamentos envolvidos nos diferentes processos físicos estudados, os autores sugerem que a realização de mistura simples (liquidificador) é a melhor opção para aumentar a estabilidade física do leite de ovelha congelado e, também, do leite fresco.
Impacto nos derivados: Iogurte de leite de ovelha
O iogurte é um dos principais derivados lácteos produzidos a partir do leite de ovelha. Como este tipo de leite normalmente não é homogeneizado, pode haver separação de fase, com a formação de uma espessa camada de creme na parte superior do pote, o que tende a ser agravado quando o iogurte é produzido com leite que foi previamente congelado.
Desta forma, Tribst et al. (2020b) e Tribst et al. (2020c) caracterizaram os iogurte de ovelha produzidos a partir de leite fresco, submetido a refrigeração prolongada e congelado/ descongelado e avaliaram se o uso de processos físicos de mistura (em liquidificador) e homogeneização (em homogeneizador) realizados no leite antes da produção do iogurte poderiam minimizar a ocorrência de defeitos na sua textura.
Nesses estudos, os autores verificaram que quando o iogurte de ovelha é produzido com leite que foi mantido refrigerado por alguns dias ou que foi congelado/ descongelado, maior é o tempo necessário para o processo de fermentação (aumento de pelo menos 1h30). Além disso, o iogurte produzido com leite congelado/descongelado foi mais susceptível à pós-acidificação e menos consistente do que aqueles produzidos com leite fresco ou refrigerado.
Por outro lado, processos de mistura e de homogeneização do leite reduziram a formação de camada de creme no topo dos iogurtes firmes (redução entre 10-100% da separação natural de creme em função das condições de processo e dos métodos de conservação) e aumentaram a consistência deles.
Entretanto, independente da aplicação do processo de mistura ou de homogeneização, a textura do iogurte produzido com leite previamente congelado/ descongelado foi considerada sensorialmente pior quando comparada com a textura dos iogurtes produzidos com leite fresco e refrigerado, destacando que os defeitos causados pelo congelamento do leite foram arrastados até o produto final. Portanto, os autores sugerem que o iogurte de leite de ovelha seja preferencialmente produzido com leite fresco ou refrigerado para uma melhor aceitação dos consumidores.
Agradecimentos: A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.
Este artigo foi escrito por membros das Equipes do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação (NEPA), Laboratório de Inovação em Processamento de Alimentos (LIPA/DTA/UFV) e do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow (CEFET/RJ).
Referências
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Ribeiro, L.R., Leite Júnior, B.R.C., Oliveira, M.M. (2019). Impact of extended refrigerated storage and freezing/thawing storage combination on physicochemical and microstructural characteristics of raw whole and skimmed sheep milk. International Dairy Journal, 94, 29-37.
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Carvalho, N.S., Cristianini, M., Leite Júnior, B.R. C., Oliveira, M.M. (2020a). Using physical processes to improve physicochemical and structural characteristics of fresh and frozen/thawed sheep milk. Innovative Food Science and Emerging Tecnology. 59, article 102247.
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Carvalho, N.S., Leite Júnior, B.R.C., Oliveira, M.M. (2020b). Using stirring and homogenization to improve the fermentation profile and physicochemical characteristics of set yogurt from fresh, refrigerated and frozen/thawed sheep milk. LWT, 130, 109557.
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Carvalho, N.S., Leite Júnior, B.R.C., Oliveira, M.M. (2020c). Are stirring and homogenization processes capable to improve physicochemical and sensory characteristics of stirred yogurt produced with fresh, refrigerated and frozen/thawed sheep milk? International Dairy Journal, 109, 104778.