A combinação da rusticidade do gado gir com a especialização leiteira do holandês resulta em indivíduos de excelente desempenho na produção de leite. Os animais de maior percentual de sangue holandês são mais exigentes no manejo e na alimentação, porém, são mais produtivos. Por outro lado, os animais de menor grau de sangue holandês são menos exigentes no manejo e na alimentação, todavia, são menos produtivos. Nesse cenário, a questão central diz respeito à relação entre a rusticidade/especialização e rentabilidade. A pergunta é: Qual o intervalo de grau de sangue Holandês-Zebu que corresponde à maior rentabilidade da produção do leite?
Segundo uma crença antiga, dentre aqueles que se dedicam à produção, a partir de 1/2 HZ, o aumento do grau de sangue holandês reduz a rentabilidade da produção, porque os custos aumentam mais que a renda bruta. Isto acontece em razão das restrições ambientais comuns nas regiões tropicais.
Entretanto, alguns especialistas afirmam que é possível produzir leite, de modo lucrativo, em regiões tropicais, com animais de elevado grau de sangue holandês, desde que sejam adotadas práticas de manejo e alimentação que neutralizem os danosos efeitos climáticos.
Diante dessas posições sobre mestiçagem e rentabilidade, a proposta deste artigo é contribuir com argumentos práticos para o aprofundamento do debate, que é antigo e recorrente. Foram utilizados dados que serviram para a elaboração do Diagnóstico da Pecuária Leiteira do Estado de Minas Gerais, em 2005. Na composição da amostra foram sorteados 1.000 produtores de todos os estratos de produção e de todas as regiões do Estado.
Os entrevistados foram divididos em quatro grupos segundo o grau de sangue das suas vacas: Azebuado, até 1/2 HZ, de 1/2 HZ a 3/4 HZ e de 3/4 HZ a 7/8 HZ. Quando na mesma fazenda existiam animais de diferentes graus de sangue, foi calculada a média, ponderada pelo número de vacas em cada grau, assim: 10 vacas 1/2 HZ e 30 vacas 3/4 HZ.
((10 x 0,50) + (30x 0,75))÷40 = 0,6875 ou 68,75 % de sangue holandês e 31,25% de sangue zebu.
Os dados da Tabela 1 confirmaram a especialização para a produção de leite da raça holandesa. Todos os indicadores da produtividade aumentaram com o aumento do grau de sangue holandês. Isto significa que, considerando apenas tais indicadores, os sistemas de produção mais atraentes são os de maior grau de sangue holandês.
Os dados da Tabela 2 mostram que os custos variáveis unitários (custo/litro) aumentaram com o aumento do grau de sangue holandês. São exemplos de custos variáveis: mão-de-obra contratada para manejo do rebanho, manutenção de pastagens, canaviais e capineira, silagem, concentrados, minerais, medicamentos, hormônios, materiais de ordenha, transporte do leite, energia e combustível, inseminação artificial e outros dessa natureza.
Considerando apenas os custos variáveis médios, os sistemas de produção de menor grau de sangue holandês são os mais atraentes, porque são os de menor custo/litro. Os que defendem a tese de que nas regiões tropicais não se deve passar de 1/2 HZ tem como principal argumento o custo variável médio. Do ponto de vista de curto prazo, eles estão corretos, porque o que interessa para a decisão são os custos variáveis.
Ainda segundo a Tabela 2, os custos fixos unitários (custo/litro) diminuíram significativamente à medida que aumentou o grau de sangue holandês das vacas. Tal diminuição é decorrente da baixa relação capital investido/produção de leite nos sistemas mais enraçados. São exemplos dos custos fixos as depreciações de benfeitorias e máquinas e os juros sobre o capital investido em benfeitorias, máquinas, animais e terra.
Do ponto de vista de longo prazo, os custos fixos são essenciais na interpretação da viabilidade financeira do negócio. A substituição do capital envelhecido é condição vital de sobrevivência.
O custo total médio (custo/litro), resultante da soma dos custos variáveis e fixos, diminuiu com o aumento do grau de sangue holandês das vacas, Tabela 2. Tendo como critério o custo médio, as fazendas de gado mais enraçado são as mais atraentes, porque eles são de menor custo.
Segundo os dados apresentados e discutidos, a definição do sistema de produção preferido depende do critério de análise financeira. Se forem custos variáveis, é mais atraente gado com menor grau de sangue holandês. Se for custo total, é mais atraente o de maior grau de sangue holandês.
A margem bruta anual do estrato de 3/4 a 7/8 HZ (R$ 33.643,18) foi 196% maior que a do estrato até 1/2 HZ (R$ 11.355,00), segundo dados da Tabela 3. Por esse critério, as fazendas de gado mais enraçado são mais lucrativas. As mesmas conclusões foram observadas nos demais indicadores sobre margem bruta. Repetindo a comparação anterior nos outros indicadores, foram encontrados os seguintes resultados: Margem bruta/hectare, 149% maior; margem bruta/vaca em lactação, 63% maior; e margem bruta/total de vacas, 86% maior.
Os que defendem menor grau de sangue holandês argumentam que o preço de venda de bezerros e vacas descartadas é maior nas fazendas com menor grau de sangue holandês e, por isto, elas têm mais lucro. Esse argumento é ilusório, porque a participação da venda de animais na renda bruta se reduz com o aumento do grau de sangue, segundo dados da Tabela 4.
Que o preço de um bezerro azebuado é maior que um holandesado, isto ninguém duvida. Porém, o valor da produção de leite dos sistemas mais enraçados é muito maior que o dos azebuados. A soma da venda do leite e de animais é maior nos sistemas de gado com maior percentual de sangue holandês.
Finalmente, o último indicador examinado: taxa de remuneração do capital investido. Ele mostra a atratividade do projeto. Quanto maior a taxa, maior a atratividade. De acordo com os dados da Tabela 5, o estrato de 3/4 a 7/8 HZ é o de maior atratividade. Comparando as taxas de remuneração encontradas com a taxa real de juros da caderneta de poupança (6% ao ano), apenas os estratos de 1/2 a 3/4 HZ e de 3/4 a 7/8 HZ são atrativos.
A principal conclusão deste artigo é que, para a realidade dos produtores de leite entrevistados, em Minas Gerais, em 2005, a hipótese da baixa rentabilidade das fazendas de gado mais enraçado não se confirmou no campo.
Tabela 1. Indicadores de produtividade, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas.
Fonte: Dados primários do Diagnóstico da Produção de Leite do Estado de Minas Gerais.
Tabela 2. Custos médios da produção de leite, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas.
Fonte: Dados primários do Diagnóstico da Produção de Leite do Estado de Minas Gerais.
Tabela 3. Indicadores de margem bruta (renda bruta - custos variáveis), segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas.
Fonte: Dados primários do Diagnóstico da Produção de Leite do Estado de Minas Gerais.
Tabela 4. Participação da venda de animais na renda bruta, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas.
Fonte: Dados primários do Diagnóstico da Produção de Leite do Estado de Minas Gerais.
Tabela 5. Taxa de remuneração do capital investido, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas.
Fonte: Dados primários do Diagnóstico da Produção de Leite do Estado de Minas Gerais.