A BBC News Brasil publicou recentemente uma reportagem sobre o estudo de doutorado da nutricionista Vanessa dos Santos Pereira Montera, que concluiu que 80% dos produtos nas gôndolas possuem ao menos um aditivo. Para nós que trabalhamos dentro das indústrias, não é um dado tão chocante assim, mas para a população em geral passa a sensação de que a comida está cada dia mais artificial e menos nutritiva.
É um fato que o consumidor tem se preocupado cada dia mais com o que consome. Podemos ver isso nas prateleiras dos supermercados, onde cada vez mais temos mais opções com os apelos de “saudável”, “fonte de vitaminas”, “rico em fibras”, “sem conservantes”, “livre de aditivos” e por aí vai. Há um bom mercado a ser explorado nesse sentido.
Mas afinal, qual o real problema dos aditivos alimentares? E como os lácteos estão posicionados neste sentido?
Primeiramente, o que são aditivos?
Segundo a ANVISA, aditivos são todos aquelas substâncias adicionadas aos alimentos, sem a função de nutrir, e que permanecem no produto pronto para o consumo. É uma definição interessante, visto que o propósito de um alimento é fornecer nutrientes e energia para a manutenção de nossas vidas.
Então, tudo aquilo que colocamos em um produto e que agrega algum nutriente, é considerado ingrediente, enquanto o que não agrega é considerado aditivo. Ainda tem a classe dos coadjuvantes, mas vamos nos atentar apenas aos aditivos aqui.
O próprio título da matéria (não o estudo) contém uma confusão. Eles usam o termo “aditivos químicos”, enquanto o correto são mesmo "aditivos alimentares." A palavra químico dá aquele ar sensacionalista de que são substâncias fabricadas em laboratório, que não deveriam ser consumidas.
Na verdade, ao pé da letra, toda substância é química, afinal tudo é feito de moléculas, que são feitas de átomos. Mas mesmo que o intuito fosse nomear os aditivos como artificiais, não se pode generalizar. Grande parte dos aditivos alimentares são provenientes de fontes naturais.
Existem várias classes e dentro de cada classe, vários compostos, cada qual com uma finalidade. Sem essa de que “todo aditivo faz mal” ou “todo aditivo é um produto químico”.
Um panorama lácteo
Na pesquisa, o derivado lácteo que aparece em primeiro na lista são os lácteos não adoçados. Nos 174 itens analisados, cerca de 57% dos ingredientes da lista eram aditivos.
Não é claro no estudo quais são os alimentos categorizados aqui, mas provavelmente esse grupo é composto dos leites pasteurizado e UHT, leite em pó, iogurtes naturais, creme de leite e outros nessa linha. Embora pareça contraditório, estes são mesmos os produtos esperados aqui.
A pesquisa não considera a quantidade de aditivos (até porque não há como saber pelo rótulo), mas sim o número de aditivos em relação ao total de ingredientes.
O leite UHT, por exemplo, é geralmente composto de 4 ingredientes: leite, Monofosfato de sódio, Difosfato de sódio e Citrato de sódio. Dos 4 nomes da lista, 3 são aditivos, ou seja, 75%.
Os lácteos não adoçados são aqueles mais naturais, com menos ingredientes, mas justamente por isso serão aqueles com maior porcentagem de aditivos.
No caso dos lácteos adoçados (iogurtes e bebidas, doce de leite, formulados UHT etc), eles certamente terão um número maior de aditivos. Uma bebida UHT, por exemplo, pode ter 5 aditivos entre aromas e estabilizantes, mas for 15 o total de ingredientes, o impacto dos aditivos seria de apenas 33%. Isso é visto no estudo, onde nos 483 itens analisados, cerca de 45% dos ingredientes da lista eram aditivos.
Quanto mais ingredientes, mais fácil diluir a porcentagem de aditivos. É importante analisar os dados tendo em vista este critério. No estudo, os dois grupos de lácteos citados estão acima de doces e sobremesas, biscoitos e carnes processadas. Na realidade, sabemos que os lácteos não têm toda essa fama de ultraprocessados.
Os aditivos mais utilizados
O campeão de citações nos rótulos analisados é o aromatizante. E esse dado é bem coerente com a realidade dos laticínios, principalmente os iogurtes e formulados. Tudo que é saborizado certamente contém um aroma.
Aromas desempenham um papel sensorial muito importante nos alimentos. A grande questão é que esse sensorial conta e conta bastante na decisão de compra. Por mais fruta que se adicione um iogurte, por exemplo, ela nunca terá a intensidade que seu aroma concentrado fornece. A falta de aroma pode passar ao consumidor aquela sensação de que falta fruta.
Dentre os aditivos, julgo que este é o menor dos problemas. As indústrias podem caminhar no sentido de substituir aromas artificiais por naturais, ou pelo menos os idênticos ao natural.
Outra classe de aditivos que está no topo é a de conservantes. Nos lácteos o uso de conservantes é bem restrito. Leites pasteurizados, produtos UHT, leite em pó, leite condensado, dentre outros, são exemplos de derivados que não tem conservantes. A própria lei não permite. Nesses produtos, a vida de prateleira do produto fica por totalmente na conta do processo e do tratamento térmico aplicado.
A maioria dos derivados já têm alguma barreira ao crescimento microbiano. O doce de leite possui baixa atividade de água. Os fermentados possuem grande concentração de ácido. Os queijos possuem alto teor de sal.
Mesmo assim, ainda existe a necessidade de usar conservantes em alguns casos, principalmente no controle dos fungos e leveduras. Queijos e iogurtes (este pelo princípio de transferência dos preparados de fruta) são os principais representantes dos lácteos com relação aos conservantes.
Os principais conservantes em lácteos são o sorbato de potássio, nitrato de sódio, nisina e natamicina. Não podemos dizer que é impossível produzir os mesmos produtos sem estes conservantes, até porque algumas indústrias não usam.
Mas garantir a mesma validade e qualidade requer esforço e investimento pesados em limpeza do ambiente de envase, embalagem (existem estudos promissores nessa área), controle das matérias-primas, BPF, além do controle das temperaturas em todas as etapas desde o processo até a distribuição, o que acaba tornando a operação inviável por conta do custo.
Os corantes completam o pódio no estudo. Nos derivados do leite o mais utilizado é o urucum, um corante amarelo natural. Faz parte da identidade de alguns queijos. Vale mencionar ainda o corante carmim de cochonilha (vermelho), também natural, muito demandado nos fermentados. O principal motivo é o sabor de morango, o de maior saída na indústria.
É possível trabalhar sem os corantes, pois eles apenas dão o estímulo visual. Mas temos que avaliar a questão da identidade do produto. A questão sensorial é muito sensível em alimentos. Será que venderia bem um queijo prato sem cor?
O mais importante aditivo em lácteos
Podemos dizer que os estabilizantes são os aditivos mais importantes para os lácteos, de maneira geral.O leite é um sistema coloidal em constante busca por equilíbrio. Equilíbrio esse que não resiste ao processamento.
O defeito mais comum dos derivados de leite é a separação de fases. Em alguns produtos ocorre a formação de grumos, em outros o dessoramento, que são faces de um mesmo problema: mudanças no equilíbrio das interações entre as proteínas. Neste ponto, que entram os estabilizantes e toda sua importância.
A utilização de citratos e fosfatos em leite UHT é necessária para dar mais estabilidade térmica para a proteína durante o aquecimento severo do leite. Sem estes aditivos o leite pode geleificar, formar aquele gel com ou sem separação do soro, ou precipitar durante o próprio processo. Isso descaracteriza totalmente o produto.
Até existe o leite UHT sem estabilizantes, mas é necessário um leite de altíssima qualidade desde lá do campo (alizarol na casa dos 86°GL), e processamento no menor tempo possível. Não é à toa que este leite é caro e não é abundante no mercado.
Outra forma de evitar a separação é utilizar substâncias espessantes. O aumento da viscosidade do produto, resultado da interação com água disponível, acaba por diminuir a mobilidade das moléculas como um todo. Isso diminui as chances de dessoramento, pois a água que poderia separar agora está ligada ao estabilizante. Estes são bastante empregados em produtos de textura mais firme como os iogurtes.
Nesses casos, a solução para remover os aditivos pode ser a própria proteína do leite, adicionada como leite em pó ou concentrado proteico. Mas devem ser avaliados os impactos tecnológicos e de custo.
É importante mencionar que evitar a separação de fases contribui não apenas para a questão sensorial, visual do produto. A estabilidade de um produto também ajuda a evitar a deterioração, e pode com isso diminuir a necessidade de conservantes.
Conclusão
Estudos como este acendem um alerta na população, mas também devem servir para a indústria. Por mais que se fale mais sobre os aditivos, o consumidor segue sem entender a fundo suas funções no alimento. Aqui, entra o medo do que é desconhecido.
Nem todo aditivo é sinônimo de alimento ruim ou pobre, ou serve apenas para reduzir custo e lucrar. Mas nem sempre a indústria deixa isso claro para os consumidores. Em muitos casos é possível a retirada dos aditivos, mas nunca com impacto nulo. Alterações na validade, na qualidade sensorial e no custo devem ser mitigadas.
A tendência é que nos próximos anos o número de aditivos aumente, com a nova lei de rotulagem. A redução de açúcar, sódio e gorduras vai exigir uma reformulação dos produtos. Teremos que encontrar um meio-termo. Veremos para qual lado penderá essa balança.
E na sua empresa, é feita essa avaliação sobre o uso dos aditivos? Como seu público-alvo se posiciona com relação a esse tema? Conta aqui nos comentários!