José Roberto Peres
Dois artigos atrás, nesta mesma seção, discutimos algumas alternativas para a substituição do farelo de soja, que há algum tempo vem sendo cotado a preços exorbitantes. Naquela ocasião a uréia não foi incluída entre os possíveis substitutos.
Um trabalho recentemente publicado mostra que ela pode ser ótimo substituto parcial do farelo de soja para vacas em final de lactação, seja na sua forma pura, ou extrusada com uma fonte de amido (amiréia).
O experimento, de 60 dias de duração, foi conduzido por pesquisadores da ESALQ, em Piracicaba, e utilizou 27 vacas multíparas e 12 vacas primíparas da raça holandesa, com média de 200 dias em lactação e produção de 22 kg de leite no início do período experimental. Todas receberam injeções de somatrotopina bovina a cada 14 dias.
As dietas podem ser observadas na tabela 1. A uréia (adubo tradicional) foi incluída na proporção de 2% da matéria seca da dieta (ou seu equivalente na forma de amiréia) em substituição a parte do farelo de soja. É importante destacar que, considerando-se a quantidade de dieta consumida (cerca de 15 kg/vaca/dia - tabela 2), cada vaca consumiu cerca de 300 gramas de uréia por dia. As dietas eram isoprotéicas e isoenergéticas. Após 40 dias de experimento as dietas foram reformuladas, com diminuição nos teores de proteína e energia, em função da produção de leite dos animais.
Tabela 1: Composição das dietas experimentais
Adaptado de: Carmo et al. (2001)
Os resultados podem ser observados na tabela 2. Os autores afirmam que o consumo de matéria seca, apesar de não ter sido avaliado estatisticamente, uma vez que foi avaliado por grupo de animais, e não individualmente, foi numericamente maior para o tratamento com amiréia.
A produção de leite foi maior (P<0,05) para o tratamento com amiréia, intermediária para o farelo de soja e inferior para a uréia. Entretanto não houve diferença entre os tratamentos de amiréia e uréia quando se avaliou a produção corrigida para 3,5% de gordura, já que o teor e produção de gordura do leite das vacas tratadas com uréia foi superior. Os autores sugerem que esta maior produção de gordura provavelmente foi efeito do poder tamponante da uréia.
Tabela 2: Parâmetros avaliados nos diferentes tratamentos
Adaptado de: Carmo et al. (2001)
O teor de proteína do leite foi significativamente maior (P<0,05) para o tratamento com uréia, e a produção de proteína do leite não foi afetada pelos tratamentos. O teor e produção de lactose foi semelhante para os tratamentos com farelo de soja e amiréia, que por sua vez foram superiores à uréia. O teor de sólidos do leite foi maior (P<0,05) para o tratamento com uréia, enquanto a produção total de sólidos não diferiu entre os tratamentos com amiréia e uréia, sendo inferior para o farelo de soja.
Os autores concluem que a suplementação com as fontes de nitrogênio não protéico em substituição ao farelo de soja resultou em melhora no desempenho animal, medido na forma de maior produção de leite corrigido para 3,5% de gordura.
Comentário do autor: Estes dados apontam uma boa alternativa para estes tempos de custos altos. Os níveis de uréia aqui utilizados são bastante elevados e não se pode esquecer dos cuidados necessários ao uso da uréia (especialmente adaptação gradual dos animais). Também é importante observar nas dietas que, para que estes resultados fossem possíveis, foi feita a complementação energética das dietas com uréia (neste caso com raspas de mandioca), para compensar a energia menor resultante da substituição do farelo de soja. Por último, as fontes energéticas utilizadas (polpa de citros e raspa de mandioca) caracterizam-se por sua rápida degradação ruminal, o que faz delas bons complementos à uréia, proteína solúvel no rúmen (há sincronia na disponibilidade da energia dos alimentos e do nitrogênio da uréia). Sendo assim, a utilização da uréia é possível neste tipo de situação, mas não dispensa cuidados de formulação e manejo nutricional.
Fonte: Carmo, C.A et. Al. 2001. Substituição do farelo de soja por uréia ou amiréia em dietas para vacas leiteiras em final de lactação. In: Anais da 38a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Piracicaba - SP.