Comentários sobre estratégias capazes de aumentar a produção de sólidos no leite normalmente enfatizam as potencialidades do melhoramento genético. O melhoramento, mais precisamente o cruzamento entre raças, certamente é um caminho curto para induzir ganhos em teor de sólidos, já que algumas raças leiteiras sabidamente produzem leite com maior teor de sólidos que outras. Entretanto, quando a meta é trabalhar com animais de raças puras o papel da nutrição pode crescer em importância.
A disponibilidade de carboidratos de fermentação rápida no rúmen determina a síntese de proteína microbiana em vacas leiteiras. Dietas com baixo teor de fibra e alto teor de carboidratos não fibrosos, obviamente dentro de limites dietéticos capazes de manter boa eficiência de síntese de proteína microbiana em um ambiente ruminal não excessivamente ácido, aumentam a secreção de proteína e reduzem a secreção de gordura no leite. Este relacionamento deve ser entendido: nutricionalmente gordura e proteína no leite são antagônicos. Dietas que maximizam a síntese de proteína microbiana também induzem acúmulo ruminal de ácidos graxos capazes de inibir a síntese de gordura pela glândula mamária (C18:1 e C18:2).
Para discutir o efeito da manipulação dietética comparativamente ao melhoramento genético dentro de raça vou utilizar alguns dados de uma revisão da literatura (Pereira, M.N. 1997. Tese de PhD. University of Wisconsin-Madison). Estes dados foram compilados para avaliar a resposta em teor e produção de sólidos no leite em relação à variação no teor dietético de FDN oriundo de forragens (FDNF) ou de FDN oriundo de concentrados (FDNC). Os dados representam 68 tratamentos extraídos de 16 experimentos publicados onde subprodutos fibrosos substituíram concentrados ricos em amido e/ou forragens. Foi utilizada uma metodologia estatística capaz de avaliar a resposta esperada em sólidos no leite à variação dietética no teor de FDNF em uma dieta hipotética com teor constante de FDNC, e também a resposta à variação na FDNC em uma dieta com teor constante de FDNF.
A análise dos dados mostrou que para cada unidade de aumento na FDNF (% da matéria seca da dieta) se espera um ganho de 0,0390% no teor de gordura e uma queda de 0,0190% no teor de proteína no leite. A FDNC mostrou ser capaz de aumentar o teor de gordura no leite em 0,0181% sem causar variação significativa no teor de proteína. A substituição de milho do concentrado por subprodutos fibrosos, fontes de FDNC, potencialmente pode aumentar a concentração de gordura no leite sem reduzir significativamente o teor de proteína. A redução na FDNF pode aumentar o teor de proteína no leite e reduzir o teor de gordura.
Assuma uma vaca produzindo 11503 kg de leite na lactação com 3,0% de proteína (a média de equivalente adulto da raça Holandesa nos Estados Unidos no ano 2000). Assumindo um ganho de 0,019 na porcentagem de proteína por unidade de decréscimo no teor dietético de FDNF, uma redução de 10 unidades percentuais no teor dietético de FDNF seria teoricamente capaz de aumentar a síntese de proteína na lactação de 345 kg (11503 x 0,03) para 367 kg (11503 x (0,03 + (0,00019 x 10))), um ganho de 22 kg na lactação. Por manipulação nos carboidratos dietéticos seria possível aumentar o teor de proteína no leite de 3,00% para 3,19%. A raça Holandesa norte americana vem aumentando a produção de proteína na lactação em cerca de 3,69 kg por ano. Seriam necessários aproximadamente 6 anos de melhoramento genético para obter este ganho de 22 kg na produção de proteína na lactação. Apesar do melhoramento ser uma ferramenta para aumentar a produção de sólidos do leite, a nutrição é uma ferramenta capaz de induzir ganhos no teor de sólidos de uma raça em curto espaço de tempo.