Você produz leite? Onde? Tira leite de quantas vacas? A pasto ou confinamento? Confinamento com cochos em piquetes, barracão ou free-stall? Duas ou três ordenhas?
Quando conhecemos novos produtores ou escutamos a conversa entre dois produtores que estão se conhecendo é muito comum ouvir as perguntas acima. Quando a resposta é: produzo em confinamento, meu ouvido fica aguçado: "vamos lá, vamos nos aproximar e ver se aprendemos algo de novo".
O que significa confinar bovinos? Tratar no cocho? Misturar a comida e dar para a vaca?
Há muito tempo, diversos especialistas têm abordado a questão dos cuidados envolvendo a alimentação em sistemas de produção em regime de confinamento total. Não basta apenas encontrar uma boa formulação. É necessário ter uma instalação adequada, primeiramente, com conforto para que o animal venha a consumir a dieta fornecida. Quando analisamos a dieta fornecida (em análises bromatológicas, por exemplo), notamos que há uma grande variação de acordo com a fazenda analisada em relação à dieta proposta: nós técnicos da área costumamos dizer que existem 3 dietas - a formulada, a fornecida, a consumida e eu completo com uma quarta: a digerida (nenhum metabolismo é idêntico a outro), pois a capacidade de resposta de cada animal também é diferente. Se por algum motivo, houver uma alteração no metabolismo de uma vaca, sua capacidade digestiva também pode sofrer alterações.
O que tenho notado, em relação a outros temas abordados em informativos técnicos, revistas e demais canais, é a escassez de informação à respeito de um tópico importantíssimo no manejo diário da atividade leiteira em confinamentos: a "leitura" ou como outros preferem tecnicamente chamar de "escore de cocho". O que é a "leitura" do cocho? Consiste simplesmente na observação diária do cocho uma hora antes do fornecimento do trato. Esta observação deve ser feita sempre pela mesma pessoa, no mesmo horário e a mesma deve ser treinada para tomar decisões quanto à quantidade de comida (dieta) que deve ser fornecida no próximo trato.
Na Fidenza (propriedade da minha rotina diária):
Em casa, divido esta tarefa com meu pai. Cada um "lê" o cocho em diferentes horários e, em alguns casos, efetuamos a rotina em conjunto.
Como trabalhamos: uma vez elaborada uma dieta, a mesma é lançada numa planilha excel. Nesta planilha a mesma é tabulada (fórmulas no excel) para diferentes consumos de matéria seca (MS). Eu costumo trabalhar com opções de dieta com 3 kg de MS acima e 3 kg de MS abaixo da dieta predicada. Como isto funciona? Se uma dieta foi formulada para consumo de 21 kg de MS/cab/dia e de manhã a sobra é zero, aguardo. Se ao meio dia (hora do 2º trato; total de 3 ao dia) a sobra é zero, aumento 1 kg de MS. Na minha planilha tenho tabulado 18/19/20/21/22/23/24 kg de MS. Três misturas acima de 21 kg de MS e três abaixo, correto? Quando aumento 1 kg de MS vou para a coluna dos 22 kg de MS e assim sucessivemante, aumentando ou diminuindo, conforme a necessidade. Tomada a decisão, atualizo as pranchetas do trato da fábrica de ração e dos funcionários do trato. Essas atualizações são feitas no computador e impressas de maneira clara como da foto postada. Os mesmos (funcionários) são instruídos a, antes de inciar cada turno, checar a planilha do trato. Toda vez que há mudanças, entretanto, entramos em contato e "formalizamos", pessoalmente, a mudança. Esta rotina se repete todo dia. A "leitura" do cocho é realizada 1x ao dia, sempre antes do trato do meio dia, por volta das 11:00hs da manhã. O fornecimento pode variar para cima ou para baixo. Costumo alterar sempre de 1 em 1, ou seja, 1 kg de MS para mais ou para menos, por vez. No entanto, se há uma grande sobra ou cocho totalmente limpo, sem resíduos posso "saltar" para escalas de 2 kg a menos ou a mais de MS, respectivamente.
O objetivo nosso é trabalhar com sobra "zero" ou "praticamente zero", apenas com alguns resíduos. Para economizar? Para ser eficiente? Sim claro, isso é válido. Mas o resultado prático, o objetivo deste manejo é a maior produção. Quanto menos sobra temos (não confundir com fome dos animais) mais leite temos. Existem alguns técnicos que recomendam até 3% de sobra. Evitam sobra "zero" pois consideram que o animal ao comer inclusive "resíduos" (o que conceitualmente é diferente de sobra) acabou "passando fome". Nós trabalhamos visando a menor sobra possível, mas evitamos que o cocho permaneça vazio por mais que 30 minutos. E isso tem funcionado muito bem. Com resposta em produção. Se os animais "enceram" o cocho e este permanece vazio por mais de 1 hora, corremos atrás. Aí sim houve algum erro (e isso não pode acontecer: possibilidade de fome).e aluma coisa está bem errada.
Na realidade temos que tomar muito cuidado com o conceito de taxa de passagem e enchimento do rúmen ("rumen fill"). Isto é muito importante.
O que ressalto, no manejo do cocho é que o mesmo está associoado ao sucesso do confinamento e está diretamente relacionado com a produção. Cocho mal manejado, decisão incorreta na quantidade de alimento fornecida, tempo de mistura, qualidade de mistura, conforto da instalação, e condições climáticas diárias são fatores que afetam diariamente a produção de leite.
Trabalhar focado em tais conceitos, teoricamente é fácil. Na prática exige, disciplina, esforço e treinamento do "olho clínico" além de sensibilidade. É estranho, mas temos que observar as vacas. Observá-las no cocho. Como estão comendo, com que voracidade/velocidade. Eu costumo dizer: "é necessário sentir a vaca". Esta expressão não tem tradução acadêmica, apenas senso prático e aqueles que conhecem vacas de leite sabem, exatamente, ao que estou me referindo.
Ainda hoje, encontro e converso com pessoas que trabalham com confinamento e não efetuam o manejo da "leitura" de cocho com critério ou sequer conhecem o conceito! A "leitura" ou "escore de cocho" é fundamental. Esta prática é absurdamente comum em países com grande tradição na produção de carne e leite em confinamento como os EUA. Precisamos difundir melhor este trabalho por aqui.