José Roberto Peres

O alojamento de bezerros em casinhas tem se tornado um padrão em vários países, incluindo o Brasil. Muito das pesquisas com este tipo de alojamento realizadas nos anos 50 e 60 indicou que o isolamento de bezerros reduzia o risco de contrair doenças de seus companheiros de rebanho. Trabalhos posteriores demonstraram que os bezerros podem ter desenvolvimento muito bom em casinhas, mesmo em condições de clima extremo.

Uma área que não recebeu muita atenção é a possível influência que o alojamento em casinhas pode ter na vida futura dos animais - particularmente após o primeiro parto, quando as interações animal-homem se tornam mais importantes.

Neste sentido foi realizado um experimento na Universidade Estadual de Utah (EUA), publicado em 1985. Neste estudo, 67 bezerras foram divididas no nascimento entre os seguintes tratamentos:

1) Grupos de 6 bezerras por baia (3 x 3 m / bezerra)
2) Uma casinha individual (1,2 x 2,4 metros)
3) Isolamento em casinha individual sem contato visual com outros bezerros
4) Isolamento (como no item 3), mas com contato diário com o tratador (10 minutos/dia)

As bezerras receberam a mesma dieta e foram desmamadas aproximadamente às 9 semanas de vida. Na desmama, foram expostas a um teste de comportamento em campo aberto por 3 dias consecutivos e análise de concentração de glucocorticoides no sangue (indicador de stress). Após a desmama, as bezerras foram incluídas no manejo normal da fazenda até o primeiro parto, quando entraram em produção.

Não houve diferença estatística no peso à desmama entre as bezerras criadas nos quatro sistemas de manejo.

Embora as bezerras criadas em grupos não tenham apresentado diferença em crescimento em relação àquelas criadas em casinhas, seu comportamento indicou maior nível de stress quando foram removidas das baias coletivas e colocadas nos testes de campo (medido através do número de "vocalizações" (berros), urinações e defecações, num determinado tempo). O nível de glucocorticoides sanguíneos aumentou significativamente após a desmama, porém este aumento foi semelhante para todos os grupos.

Por outro lado, bezerras criadas em casinhas eram menos dominantes que as dos demais métodos. O contato com o tratador ou o manejo em baias coletivas geralmente resultou em bezerras que foram mais capazes de competir (medido aos 10-12 meses de idade).

A mais importante constatação deste estudo, no entanto, foi que as bezerras criadas isoladas (com ou sem o contato com o tratador - tratamentos 3 e 4) produziram mais leite corrigido para gordura após o parto que outras vacas (Figura 1). A explicação para este incremento de produção não é claro - estas bezerras não tiveram contato com outros animais antes da desmama, e somente interagiram com seus tratadores. A hipótese sugerida pelo autor do trabalho é que estas bezerras se tornaram mais dóceis durante o período de criação e se adaptaram melhor e mais rápido aos rigores da rotina de ordenha que as demais bezerras. Outras pesquisas indicam que animais criados em isolamento geralmente têm comportamento agressivo bastante reduzido e é possível que estas bezerras fiquem mais "confortáveis" ou "acostumadas" com suas mães adotivas (tratadores ou ordenhadores).



Os métodos de alojamento dos bezerros têm impacto tanto na sua saúde quanto no seu desenvolvimento posterior e potencialmente, na sua produção futura, conforme indicado por estes dados. Certamente, o uso de casinhas individuais vem sendo bem aceito com base na melhora da saúde dos animais. Todavia, outras implicações de longo prazo podem estar envolvidas com esta prática. Parece que a interação com os tratadores pode ser benéfica para a adaptação futura ao manejo de ordenha.

Comentário MilkPoint: a vaca leiteira deve ser um animal dócil, que permita a aproximação das pessoas envolvidas no manejo diário. A fase inicial de criação certamente tem impacto no temperamento do animal. É comum, por exemplo, em fazendas que fazem transferência de embriões, deixar o bezerro com a "receptora", muitas vezes uma vaca zebú, até o momento da desmama. A novilha e consequentemente a vaca criada dessa forma tem um temperamento bastante agressivo e é de difícil manejo dentro de um rebanho leiteiro especializado. Uma outra hipótese para a menor produção de leite observada neste trabalho nos animais mais agressivos, poderia ser um ganho de peso excessivo após a desmama, devido à sua dominância sobre os demais animais na disputa por concentrado, o que poderia ter impacto negativo na formação da glândula mamaria, na fase pré pubertal, permitindo assim melhor expressão do potencial produtivo nos animais com ganhos moderados. Ambas hipóteses, no entanto, precisariam maiores estudos para sua comprovação.

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fonte: ARAVE, C.W. et alii, 1985. Effect of early rearing experience on subsequent behavior and production of Holstein heifers. J. D. Science 69:923-929.