O gossipol é um composto polifenólico de cor amarela, presente nas glândulas de pigmentos da semente de algodão. Ele existe nas formas "livre" e "ligada" (à proteína, principalmente ao aminoácido lisina). Na forma "ligada" ele é considerado não tóxico por não poder ser absorvido no trato digestivo. A forma "livre" pode ser tóxica, e atua reduzindo a capacidade de transporte de oxigênio do sangue, resultando em respiração mais curta e edema de pulmões. O caroço de algodão possui maior quantidade de gossipol livre, enquanto que nos farelos, o aquecimento durante o processamento faz com que a maior parte se apresente na forma ligada, embora o valor total não se altere.
O gossipol é tóxico para animais monogástricos mas os ruminantes parecem possuir capacidade, através dos microrganismos do rúmen, de anular este efeito tóxico até certo nível de ingestão de gossipol. O problema reside em identificar o nível adequado de forma precisa, o que faz dele o vilão da questão. Um experimento realizado nos EUA, que teve inclusive a participação de dois pesquisadores brasileiros, traz novas e interessantes informações sobre esta questão.
Foram utilizadas 30 vacas holandesas que receberam por 42 dias dietas com diferentes níveis de gossipol "livre" (GL) e gossipol "total" (GT - livre + ligado). A dieta "A" era o "controle", sem subprodutos do algodão e portanto sem gossipol; a dieta "B" possuía 1040 mg de GT/kg e, 989 mg de GL/kg oriundo de caroço de algodão; a dieta "C" teve 900 mg de GT e somente 64 mg de GL/kg, oriundos do farelo de algodão; a dieta "D" tinha 960 mg de GT e 531 mg de GL/kg, com iguais quantidades de gossipol total oriundas do caroço e do farelo de algodão e finalmente a dieta "E", a mais "severa", tinha 1922 mg de GT e 1050 mg de GL, também originadas de iguais quantidades de GT do caroço e do farelo de algodão. A composição básica das dietas pode ser vista na tabela 1.
As concentrações de GT e GL no caroço de algodão foram, respectivamente, de 0,69 e 0,66%, enquanto que no farelo de algodão os valores foram 1,26 e 0,09%. A quantidade de GT consumida aumentou de forma diretamente proporcional ao aumento dos subprodutos do algodão na dieta, mas a ingestão de GL aumentou com a adição de maior quantidade de caroço na dieta.
Nenhuma vaca teve sinais visíveis de intoxicação, muito embora os níveis de gossipol no plasma (GP) sangüíneo tenham aumentado rapidamente. Os níveis de GP se estabilizaram aos 35 dias após o início do fornecimento das dietas, após atingirem os valores de 3,10; 0,81; 1,83 e 5,15 mg/ml, respectivamente para as dietas B, C, D e E. Para que se tenha uma idéia, uma recomendação genérica é que, para que não ocorra intoxicação, o nível de GP não deve ultrapassar 5,0 mg/ml. Os autores argumentam que talvez o período experimental (42 dias) tenha sido curto para identificar sinais de intoxicação, já que outros autores que observaram estes efeitos avaliaram períodos mais longos.
Um resultado interessante desta e de outras pesquisas recentes é que, contrariamente ao que se acreditava, o nível de GL parece não ser suficiente para estimar a concentração de GP. Vacas nas dietas A e C tiveram diferentes concentrações de GP, muito embora tivessem valores similares de GL na dieta (na dieta C, a ingestão diária de GL foi muito próxima a zero, como na dieta A). Duas explicações são possíveis: parte do gossipol "ligado" pode ser disponibilizado durante a digestão ou então o GL no farelo de algodão é mais disponível para absorção que aquele encontrado no caroço de algodão. Isto estaria ligado a um menor tempo de retenção do farelo no rúmen, local de ação das bactérias que anulam o efeito do gossipol. No momento, não se tem outras explicações para isto.
A fragilidade dos eritrócitos (glóbulos vermelhos do sangue, responsáveis pelo transporte de oxigênio) é utilizada como parâmetro do efeito do gossipol no animal. Esta fragilidade não foi diferente (P>0,05) entre as que continham menos de 1000 mg GT/kg (dietas A, B, C e D). A dieta E apresentou maior fragilidade dos eritrócitos quando comparada às dietas A, B e C, mas não à D. Este efeito direto da ingestão de gossipol na fragilidade dos eritrócitos concorda com outras pesquisas.
No entanto, a existência deste efeito do gossipol não refletiu negativamente no desempenho dos animais. Na realidade, a produção de leite das vacas que consumiram caroço de algodão (B e E) não diferiu, mas as vacas recebendo a dieta E tiveram produção superior àquelas nas dietas A, C e D (P<0,05) (tabela 2). Segundo os autores, esta "coincidência" de maior produção das vacas recebendo a dieta com maior nível de GL pode ser explicada pelo maior teor de gordura e, conseqüentemente, de energia, das dietas com maior inclusão de caroço de algodão.
Os autores concluem que a combinação de caroço e farelo de algodão pode seguramente fornecer até 1922 mg de GT e 1050 mg de GL/kg, mas não mais do que a metade do GT deve ser originado de caroço de algodão.
Comentário do autor: Estes dados, em concordância com outras pesquisas recentes, mostram que o uso dos subprodutos do algodão dificilmente precisa ser limitado em função da presença do gossipol. O uso de altas quantidades de caroço e farelo de algodão (mais de 3 kg de cada um, simultaneamente) para vacas de alta produção não tem demonstrado sintomas de intoxicação ou influência no desempenho. Fica ainda a ser considerada a possibilidade de micotoxinas (aflatoxina), bastante comum no algodão.
Fonte: Mena, H., et al., 2001. The Effects of Feeding Varying Amounts of Gossypol from Whole Cottonseed and Cottonseed Meal in Lactating Dairy Cows. J. D. Sci. 84(10):2231-2239.