Um dos pontos mais comentados em relação ao setor lácteo é que o consumo está estagnado, ao se analisar os valores per capita, isto é, quanto, teoricamente, cada habitante consome em litros ou quilos de leite-equivalente por ano.
Após a mudança de patamar verificada em 1995, à época do Plano Real, quando o consumo per capita saltou de 110,8 kg por pessoa/ano para 126,3 kg por pessoa/ano, não tivemos mais o que comemorar em relação a este índice. Durante dez longos anos, o consumo oscilou entre 124 e 132 kg por pessoa por ano. Acima da média mundial, de 80 kg, é verdade, mas muito abaixo das expectativas e da conclusão que se chega após analisarmos as recomendações do Guia Alimentar Oficial, que indiretamente sugere ao redor de 200 kg/habitante/ano.
Essa realidade, no entanto, foi balançada ao se analisar os números de 2005. O cálculo do consumo per capita, considerando a soma da produção interna e das importações, subtraída das exportações, mostra que houve uma elevação significativa após anos de marasmo. A tabela 1 mostra que houve, no último ano, um aumento de 5,7% no consumo per capita. Pelos cálculos, atingimos, pela primeira vez na história, a marca dos 138 kg/pessoa. É um aumento considerável, que, curiosamente, passou meio despercebido.
À exceção da população, temos uma grande incógnita e uma fonte de possível divergência ao se efetuar estes cálculos. A fonte de divergência, que pode incorrer em pequenas variações nos números, são os fatores de conversão entre lácteos importados e exportados em leite-equivalente. No entanto, como essas possíveis variações não afetam a tendência, vamos desconsiderá-las.
A grande incógnita é a produção. Até a data de elaboração deste artigo, não tínhamos ainda os dados oficiais relativos à captação de leite inspecionado em 2005. Faltava o último trimestre. Se usarmos a média de aumento dos últimos quatro anos entre o terceiro e quarto trimestres para estimar o valor produzido no último trimestre, concluiremos que a produção formal passou dos 16,3 bilhões de litros (nota pós-publicação: os dados acabarem de ser divulgados, mostrando que o valor foi pouca coisa inferior a essa estimativa - 16,2 bilhões de litros).
Resta ainda a dúvida a respeito da informalidade. Considerando os bons preços do primeiro semestre, é possível supor que houve alguma migração para a formalidade. Assim, supondo que 65% da produção foi comercializada pelos canais oficiais, contra 62% no ano passado, teremos uma produção total de 25,15 bilhões em 2005. É um número e tanto, representando um crescimento de 7,2% em relação a 2004. É mais de um Uruguai em produção, crescendo em um ano.
Mesmo com essas ressalvas, e considerando que o ano não terminou com as indústrias abarrotadas de lácteos, é sensato concluirmos que houve, de fato, elevação no consumo per capita, conforme já apontado pela CNA, OCB/CBCL, Leite Brasil e Embrapa Gado de Leite, que chegaram em números praticamente iguais. Nos cabe, então, comentar a respeito dos motivos que levaram a esse aumento no consumo, quebrando uma estagnação que já durava uma década.
Sempre que se fala em aumento no consumo de lácteos, a questão da renda é abordada, mesmo porque há vários trabalhos mostrando que proteínas animais apresentam considerável elasticidade-renda, especialmente nas faixas de renda mais baixas. O próprio aumento do poder aquisitivo à época do Plano Real mostrou isso. Porém, não foi o que ocorreu em 2005. O PIB per capita cresceu apenas 0,8%, conforme comentado por Paulo do Carmo Martins no artigo de Conjuntura. Esse "aumento" obviamente não pode ter sido responsável pela elevação do consumo per capita em 5,7%.
Tampouco é provável que o maior consumo tenha sido resultado de inovações em produto, logística e propaganda por parte das empresas do setor. Ainda que haja boas iniciativas nesse sentido, não houve nada que pudesse resultar em incrementos dessa magnitude.
O próprio Paulo Martins dá a resposta:
"Se o consumidor gastava R$ 1.000,00 para manter sua família em dezembro de 2004, ele passou a gastar R$1.051,00 em dezembro de 2005, para consumir os mesmos bens e serviços e nas mesmas quantidades. Se o consumidor gastava R$ 1.000,00 somente com alimentação, um ano depois passou a gastar R$ 1.020,00 para consumir os mesmos bens e nas mesmas quantidades. Contudo, se os gastos com leite e derivados foi de R$ 1.000,00 em dezembro de 2004, em dezembro de 2005 esse consumidor gastou R$ 970,00 para consumir os mesmos bens e nas mesmas quantidades".
Ou seja, houve redução nos preços relativos do leite e dos derivados, que provavelmente resultaram em elevação do consumo. Em outras palavras, o aumento do consumo em 2005 ocorreu "na marra", pela pior via para o setor, isto é, através da redução de preços, sem que este processo tenha sido resultado de ganhos de eficiência, como ocorreu com frango há 15 ou 20 anos atrás. O resultado, todos sabem: indústrias reclamando, produtores reclamando.
Para 2006 a produção deve crescer (embora menos: as estimativas são de 3 a 5%), mesmo porque o leite apresenta resultados ainda melhores do que outras atividades agrícolas e se beneficia dos baixos preços das commodities agrícolas; o câmbio, como se sabe, não tem trabalhado a nosso favor. Por outro lado, espera-se um crescimento maior do PIB e que a elevação do salário mínimo melhore momentaneamente a renda. É possível, dessa forma, que em 2006 tenhamos novo aumento do consumo per capita, porém desta vez não motivado pelas reduções de preços. Apesar disso, deve-se lembrar que nada indica se tratar de um novo patamar no consumo per capita, mas sim de uma resposta conjuntural.
Esse cenário para 2006 não deve desviar o foco das questões principais. Para o setor ter um crescimento sustentável, precisa trabalhar as questões que estão ao seu alcance: desenvolvimento de novos produtos, reduções de custos ao longo da cadeia, marketing institucional permanente e abertura de novos mercados para exportação.
Tabela 1: Producão, Importações, Exportações e Consumo Per Capita de Leite nos últimos anos
Dados básicos: IBGE, MAPA, MDIC
Elaboração: MilkPoint