Entendendo a extrema importância do bem-estar animal para a produção leiteira, o MilkPoint está lançando o Especial Bem-Estar Animal. E qual é a ideia principal? Compartilhar experiências de fazendas que tiveram sucesso utilizando técnicas para promover o maior conforto de seus rebanhos. A primeira edição foi elaborada com a Fazenda Calciolândia, localizada em Arcos/MG e para isso, falamos com Ronaldo Lazzarine Santiago, Agrônomo e Diretor da Calciolândia.
História da Fazenda Calciolândia
A Fazenda Calciolândia, localizada em Arcos/MG, pertence à família Andrade, desde 1912, quando o pai de Gabriel Andrade, o sr. Donato Andrade a comprou. Explorou desde o início a produção de leite, o cultivo de lavouras de milho e a criação de suínos. O leite era industrializado para produzir manteiga e o soro usado para engorda dos porcos. Na década de 30 os filhos entraram no negócio – e em 1939, com o crescimento da indústria própria - eles passaram a produzir leite em pó, além da manteiga. A indústria ficou nas mãos da família até o final da década de 40, quando foi vendida para a Nestlé.
A Fazenda Calciolândia, localizada em Arcos/MG, pertence à família Andrade, desde 1912
No final da década de 50, Gabriel percebeu que estava crescendo o interesse dos fornecedores de leite pelo gado Gir, o qual, criado em algumas fazendas da região demonstrava muito melhor adaptação e rusticidade. Então procurou criatórios que selecionassem o Gir para produção de leite e adquiriu as vacas de Jacinto Continentino, em Franca/SP, com ajuda do Sr. João Feliciano Ribeiro.
Nesta época, em 1962, as produções médias giravam em torno de 2.000 kg/lactação e a melhor vaca na época produzia entre 18 a 20 litros/dia. Desde então, a fazenda se dedica à seleção e ao melhoramento genético da raça Gir para produção de leite e através dos esforços de Gabriel Andrade, foi uma das pioneiras na mobilização para estruturação do primeiro teste de progênie da raça - o que só foi alcançado em 1985, com o envolvimento e adoção do programa pela Embrapa Gado de Leite.
Ao final da década de 80 e início dos anos 90, a Calciolândia iniciou a produção do Girolando, a qual se intensificou em meados da primeira década do novo milênio. Com o melhoramento do Gir e do Girolando e a expansão interna da produção de Girolando, houve um salto de produtividade do leite e a fazenda então visualizou a possibilidade de produzir muito leite, de forma lucrativa.
Paralelamente, durante estes anos, a Calciolândia, que tem terras de muito boa fertilidade e equipe bem treinada, foi se capacitando na agricultura, especialmente na produção do milho. Hoje a fazenda domina a produção de grandes quantidades e de boa qualidade de silagem de milho, o que é fundamental na produção de leite em grande escala.
Hoje a fazenda possui em média 12.500 litros de leite/dia, sendo que 2.200 litros são oriundos do Gir Leiteiro e 10.300 de Girolando. O rebanho é composto por 3000 cabeças, estratificadas na seguinte ordem:
- Gir leiteiro = 1.122 cabeças;
- Girolando registrado = 1.704 cabeças;
- Mestiças com outros graus de sangue = 174 cabeças (receptoras comuns).
Animais se alimentando na Fazenda Calciolândia
Bem-estar dos animais
Em entrevista exclusiva ao MilkPoint, Ronaldo Lazzarine Santiago, Agrônomo e Diretor da Calciolândia, disse que bem-estar animal não se resume apenas a proporcionar aos animais condições de conforto e bons tratos no manejo. A atenção à saúde, nutrição, reprodução, ambiente e os estados afetivos deles também estão envolvidos.
“Ainda temos um longo caminho a percorrer. Entretanto, já podemos dizer que os primeiros passos para a promoção do bem-estar animal na Calciolândia, com base na adoção de boas práticas de manejo, já foram dados. O sistema de produção da nossa fazenda para as matrizes em produção de leite e em pré-parto se caracteriza em dois momentos: no período das águas os animais adultos permanecem a pasto, onde são suplementados uma vez ao dia. Já no período da seca eles permanecem confinados, com fornecimento de silagem de milho e concentrado”, comentou.
Ainda sobre o manejo dos animais, Ronaldo acrescentou que os animais em recria - na maior parte do tempo - ficam a pasto. “Somente em parte da seca ficam confinados, recebendo também silagem de milho e concentrado. Assim, dentro deste contexto, nos preocupamos em atender não só as exigências nutricionais dos animais, com pastos e comida de boa qualidade, como também facilitar e ‘democratizar’ o acesso de todos os animais à água, alimentos, sombra, entre outros. Procuramos, na medida do possível, evitar que haja muito barro no caminho dos animais, não trabalhar lotes muito grandes, respeitar a composição dos lotes por faixas etárias e evitar estressar os animais ao levá-los ao brete, para qualquer tipo de manejo”.
Para facilitar a lida, com o tempo, a fazenda foi eliminando o gado mais bravo, mas com ele também os peões mais rudes. “Não sem antes treiná-los e tentar incutir-lhes o respeito aos animais”, acrescentou o agrônomo, que ainda destacou que desde de 2017 a fazenda adicionou à filosofia do negócio a importância das interações positivas entre homens e animais.
“Incentivamos as boas interações desde o primeiro dia de vida do bezerro, passando por toda a fase de aleitamento até sua chegada à sala de ordenha. Nossa equipe, além de ser treinada quanto aos procedimentos operacionais padrão dos setores, também é treinada para tratar bem os animais e aproveitar as oportunidades diárias de manejo para criar uma boa relação com o rebanho. Acreditamos que este é o ponta pé inicial para obtermos animais mais dóceis, ganhando eficiência de manejo e produtividade”.
Resultados obtidos na fazenda oriundos do bem-estar dos animais
O ponto de partida foi a construção de áreas para trato das matrizes em lactação, com melhores condições, como por exemplo, espaço, sombreamento, acesso a cocho, logística de alimentação, de forma que o gado pudesse ter comida boa, em quantidade suficiente, na hora adequada. Mas apesar da atenção a vários aspectos, hoje a equipe reconhece que poderia ter ficado melhor e isto está em seu radar.
“O maior diferencial, de conscientização para nós, da necessidade e conveniência do foco no bem-estar animal, veio quando resolvemos aprimorar o manejo de bezerros da fazenda. A falta de atenção a esta categoria nos resultou em perdas, por altas taxas de mortalidade e morbidade. Logo, optamos por criar um bezerreiro na fazenda, iniciando um projeto do zero, no qual o conceito bem-estar animal adentraria desde a parte do planejamento. O objetivo seria retirar os bezerros de suas mães momentos após o parto, encaminhá-los ao bezerreiro e lá, criá-los até o desmame. Estudamos as melhores alternativas para criação dos bezerros em sistemas de bezerreiro. Visitamos instalações, colhemos informações, trouxemos consultores, dentre os quais veio a Dra. Lívia Magalhães (BEA Consultoria), que nos orienta desde então, não só na adaptação das instalações e rotinas, como no treinamento da equipe principalmente. Os resultados até hoje foram ótimos, a bezerrada cresce mais rápido e com mais saúde e a mortalidade se reduziu quase a zero”, conta Santiago.
“O maior diferencial, de conscientização para nós, da necessidade e conveniência do foco no bem-estar animal, veio quando resolvemos aprimorar o manejo de bezerros da fazenda. A falta de atenção a esta categoria nos resultou em perdas, por altas taxas de mortalidade e morbidade. Logo, optamos por criar um bezerreiro na fazenda, iniciando um projeto do zero, no qual o conceito bem-estar animal adentraria desde a parte do planejamento".
Ao retirar os bezerros das matrizes, a propriedade optou pelo uso da ocitocina, em todas as vacas. Este foi um ponto de muitas dúvidas e muitos questionamentos, sobre o qual a fazenda ainda está debruçada a resolver, porém, os ganhos na produção têm sido muito consistentes e vantajosos.
“É preciso estar muito preparado, com conhecimento e domínio das práticas ideais de condicionamento dos animais, para a descida natural do leite sem ocitocina. Este é um passo que estamos iniciando. Uma transição mal feita leva a enormes prejuízos. Já passamos por isto em uma tentativa frustrada, da retirada da ocitocina. Hoje temos o entendimento que esta ação deve ser bem trabalhada, e que não depende somente de um fato isolado, por exemplo, a retirada da ocitocina em si. Trata-se de mudanças de conceitos e atitudes, temos que entender que uma bezerra bem criada e que teve a maioria das experiências positivas na ‘infância’, será uma vaca melhor e mais fácil de ser manejada, além disso, contamos que a equipe tenha estes conceitos muito bem firmados durante a execução das rotinas da fazenda”, explicou o diretor, que ainda frisou:
“Temos grandes expectativas com o nosso rebanho Girolando, quanto à nova geração de animais que serão ordenhadas sem o uso da ocitocina. No que tange o gado Gir, ainda temos muito o que avaliar. O número de vacas Gir que conseguem ser ordenhadas sem bezerro e sem ocitocina ainda é muito baixo na fazenda, mas acreditamos que com os novos estudos e a ferramenta da genômica, conseguiremos obter esclarecimentos a médio e longo prazo. Neste mês de novembro, também iniciaremos um protocolo de preparação de novilhas para a primeira ordenha, no qual novilhas no pré-parto são treinadas a passar na sala de ordenha, a fim de que após o parto, elas já reconheçam o ambiente de ordenha. Além disso, a equipe de manejadores também será preparada, o que resultará em menos estresse e maior produção de ocitocina natural, minimizando ou até mesmo zerando a frequência de aplicação de ocitocina sintética para o Girolando”.
Os manejos subsequentes como a maternidade e o aleitamento dos bezerros seguem a mesma filosofia do conceito de bem-estar animal, quanto ao bom manejo dos animais e o condicionamento. Desde os primeiros dias de vida, os bezerros são bem tratados, recebendo cura de umbigo e colostragem eficiente, e, além disso, diariamente estes animais são escovados pelos manejadores, a fim de que estes animais jovens se adaptem melhor ao sistema e criem laços positivos com os humanos. A Calciolândia acredita que essas ações serão responsáveis pela obtenção de animais mais fáceis de serem manejados na primeira ordenha.
Mensuração das ações adotadas
Para Rogério, é sempre difícil quantificar precisamente, ganhos com melhorias, mas todo mundo consegue ver claramente os efeitos e as consequências de situações de desconforto do gado. Ele disse que é fácil de detectar, por exemplo, a sobra de alimentos nos cochos e - portanto - a possível redução no consumo da dieta como reflexo de algum estresse: seja pela elevação da temperatura, chuvas, movimentações e práticas extras de manejo, ou até, visitas inesperadas e inoportunas à sala de ordenha, entre outros.
“O consumo da dieta é direto e instantaneamente afetado por alguma anomalia ambiente ou de manejo, levando à queda na produtividade do leite, o que pode ser medido no tanque. É importante registrar diariamente todos os eventos. Montamos até uma miniestação meteorológica na fazenda, simples e toda digitalizada. Assim, sabemos da temperatura, pluviosidade, ventos e outros. Também anotamos as práticas de manejo, seja de sanidade, reprodução, aplicação de BST, controle leiteiro etc. Quando há alguma quebra do leite, a gente corre atrás de explicações e das razões e os fatores relacionados anteriormente estão ali presentes, seja na véspera ou no mesmo dia, e ficam lá gritando e acenando para a gente. Só temos que olhar para eles e reconhecer. E depois nos prevenirmos para situações futuras. Também, o percentual diário de incidência de novos casos de mastite nas vacas em lactação, dá uma ótima medida dos efeitos de algum desconforto ou anormalidade. Na bezerrada, a gente pode avaliar o ganho de peso por faixa etária, as condições gerais, o vigor e a aparência dos bezerros como consequência do bom ou mal manejo. Aqui, nós temos metas de ganhos de peso para a bezerrada”, exemplificou, fazendo também uma ponderação entre a relação da qualidade do leite e o bem-estar dos animais.
“Como dito anteriormente, mudanças de manejo e de condições ambientais refletem em queda da imunidade dos animais e - por consequência - levam ao aparecimento de novos casos de mastite, aumento da CCS (Contagem de Células Somáticas) com consequente perda de produtividade, descarte de leite e perda de bonificações sobre parte do leite. A atenção aos detalhes reduz significativamente as perdas em todos os processos da fazenda e este é o maior incremento que a adoção dos conceitos de bem-estar animal pode nos oferecer”.
Próximos desafios da Calciolândia
A meta da fazenda é chegar a produzir 20.000 litros/dia e para isso, está trabalhando as melhorias nas condições de ambiência para os animais, especialmente nas áreas de trato e na sala de ordenha.
“Já resolvemos o problema da bezerrada, com a instalação de um bezerreiro e introdução de práticas de manejo muito rigorosas com relação a sanidade, nutrição e bem-estar dos animais. Conseguimos reduzir a mortalidade dos bezerros de forma quase inacreditável. Agora estamos iniciando o processo de treinamento das novilhas para se adaptarem ao manejo na sala de ordenha. Esta será uma fase importantíssima, pois precederá à capacitação para retirada do uso da ocitocina”.
Segundo ele, o bem-estar animal soa inicialmente como conversa de ecologista, de gente urbanizada que não entende nada da lida das fazendas. “É como gosta de perguntar o Flávio Andrade, filho do Sr. Gabriel: quem está tendo mais sucesso há mais tempo na atividade? A resposta é: os pecuaristas que sempre deram mais atenção aos detalhes no bom tratamento dos animais, que promovem e exigem, antes de mais nada, treinamento e escolha de pessoas cuidadosas e equilibradas, que respeitam os animais. No fim das contas, o bem-estar se torna geral, não só dos animais, mas das pessoas envolvidas na produção também. Nesta questão, temos que andar na frente e não sermos empurrados pelo mercado. É nossa obrigação”, finalizou.
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