O queijo de coalho é um produto típico do sertão nordestino e tem lugar de destaque entre as iguarias da culinária da região. O processo do coalho foi observado quando os viajantes percorriam longas distâncias carregando o leite nas mochilas, conhecidas como matulão, fabricadas a partir do estômago de animais jovens: o leite coagulava e a massa que ficava era saborosa, dando origem ao queijo de coalho. Inicialmente, o coalho eram as vísceras de um animal abatido, extraídas imediatamente após a sangria. A buchada era mergulhada no leite e, por conta das enzimas e dos micro-organismos responsáveis pela digestão do animal, coalhavam as proteínas. Com o passar do tempo, as vísceras foram substituídas por coalho industrial.
Atualmente, órgãos do governo, o Sebrae, centros de pesquisa e empresários vêm buscando o reconhecimento do queijo de coalho como legitimamente brasileiro, visto que o produto já é reconhecido no país e o mercado está em expansão. Além disso, o registro federal também é uma meta atual visto que a distribuição do produto pretende abranger todo o território nacional. Hoje, o produto possui apenas o registro estadual.
“A certificação e a indicação geográfica do queijo de coalho de Pernambuco objetiva identificar os produtores do estado, resgatar a produção tradicional e padronizar o produto. O nosso desafio é produzir com a manutenção das características artesanais e tradicionais, mas com um volume considerável para que possamos comercializar em larga escala. Batalhamos pela denominação de origem e indicação geográfica e já fizemos todo o levantamento. No momento, estamos aguardando uma posição do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)”, disse Alberto, que também pontuou que a CQP é composta por sete produtores atualmente, mas, que cada um deles representa uma quantidade de produtores familiares. “Eu, por exemplo, represento 40 fornecedores e no futuro, esperamos que eles também se vinculem à associação”.
O apoio do Sebrae na criação da CQP surgiu da necessidade de organizar os produtores de queijo de coalho, os laticínios e as queijarias com o propósito da certificação de indicação geográfica e o consequente desenvolvimento da atividade econômica e comercial. A atuação comercial tende a usar todo o apelo que o produto carrega (como história e tradição) e a sua versatilidade na gastronomia.
“Nós nordestinos inventamos o queijo de coalho, mas, quem reinventou o produto, foram as regiões Sul e o Sudeste, com a inserção em pratos culinários, nos churrascos, na praia, entre outros. Há uma ótima oportunidade de mercado em cima da expansão do consumo e a gastronomia é a melhor estratégia de elevar a demanda, devido às inúmeras possibilidades de utilização do queijo: em sanduíches, misturado com tapioca, para gratinar pratos, na maionese, em pizzas, no baião de dois, em forma de petiscos, entre outros”, pontuou Moshe. De acordo com ele, o mercado e a associação também devem ter em mente a segurança alimentar e a rastreabilidade se o grande objetivo é alcançar o mercado nacional.
“Ainda temos uma produção rudimentar e artesanal. Porém, já existe também a produção que guarda as características artesanais mas que evoluiu em termos de equipamentos, câmara fria e insumos. Esqueça aquele queijo feito por meio do bucho dos ruminantes - hoje ele é uma raridade. Boa parte da nossa produção é feita em tanque de inox, com misturadores, câmara fria para descanso, câmara para armazenagem, embalagens à vácuo e até maturação. Essa produção artesanal ainda existe e acho que não vai deixar de existir, mas, para estar no mercado é necessário um mínimo de tecnologia e treinamento do pessoal para viabilizar o negócio”, completou ele.
A CQP também se esforça pela conquista de uma marca unificada e a previsão é que alcancem isso já neste ano, pois essa ação valoriza mais o produto, reconhece a sua origem e torna-o mais competitivo. A maturação também passou a ser explorada e é uma forma de diversificar o produto, valorizando-o e prolongando a validade e o tempo de prateleira.
Segundo Moshe, o consumo de queijo de coalho é maior em Pernambuco, seguido de São Paulo e Rio de Janeiro. “Nas casas nordestinas e feiras localizadas fora do Nordeste a procura é muito grande. Porém, as duas únicas formas de consumir o produto é optar por um queijo semelhante, não verdadeiro e que não guarda as características tradicionais ou, o consumo de um produto clandestino, transportado de maneira irregular e sem segurança alimentar. Em cima disso, a denominação de origem, paralela a uma certificação federal, que hoje também nós vislumbramos para os produtos artesanais, é a maneira que possibilitaria o nosso produto cair no gosto de todos os consumidores brasileiros”.
Além de Pernambuco, os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas também produzem queijo de coalho e cada um deles têm características específicas, visto que possuem algumas particularidades.
A distância das propriedades até os laticínios também é estudada para que o transporte não prejudique as características e a qualidade do leite. A CQP também visa buscar fornecedores que estejam distantes de no máximo duas horas do laticínio.
Desafios e perspectivas
Devido à importância para a economia de Pernambuco, vem sendo cogitada a inauguração do Museu do Queijo de Coalho, uma proposta do governo. O projeto já foi desenhado, mas ainda não se concretizou por falta de verba.
Com relação ao apoio de instituições de pesquisas e universidades, Alberto pontuou que o interesse pelo queijo vem aumentando, mas ainda deixa a desejar. “Quem acaba nos ajudando mesmo é o Sebrae”, pontua. De acordo com ele, um outro desafio para o crescimento da produção é a seca, que contribui negativamente com o volume produzido e o crescimento da atividade.
Tanto Moshe como Alberto destacaram que o produto apresenta muitos apelos interessantes e quem é nordestino e não mora mais na região, sempre busca pelo produto na nova morada. “Nós gostaríamos muito de vender o produto com SIF, em embalagens adequadas e refrigerado, de forma legal e formalizada. Queremos manter o paladar da nossa terra, do nosso pasto, e, quem procura o produto está querendo consumir as plantas daqui, o vento, o clima e o sol. É a degustação de uma experiência, não apenas de um queijo. Temos que aproveitar isso, pois muitos lembram de momentos da infância com um simples pedaço do queijo”, comentou o gerente do Sebrae.
Ele ainda reforçou que o apelo étnico e cultural devem ser levados em consideração ao lado do potencial de mercado. “Comer o queijo coalho é uma viagem, é uma experiência diferente. Maturar o queijo também nos remete aos primórdios, na época em que não havia refrigeração. É uma delícia essa explosão de sabores”, finaliza.
Fontes consultadas:
ANDRADE, Maria do Carmo. Queijo de Coalho. Pesquisa Escolar OnlLine, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2016.