O capitalista é o dono do capital empregado na atividade, representado pela terra e pelo capital convertido em maquinários, equipamentos, construção e o capital de giro. Ele não precisa gostar de produzir leite. É até bom que não goste, pois ele é o menos emocional dos quatro atores. Ele não participa de nenhuma tomada de decisão na propriedade. Ele coloca o capital à disposição da produção e, em troca, quer remuneração na forma de aluguel da terra e de juros para o restante do capital. Para definir o quanto vai querer de retorno, ele considera o custo de oportunidade. Todos nós nascemos exercitando o conceito de custo de oportunidade, embora a maioria não conheça este conceito. Ao entendê-lo, ninguém mais terá respostas definitivas e imutáveis nesta curta vida que vivemos.
Não é certo que eu vá me separar da minha parceira se eu tomar conhecimento que ela me traiu afetivamente. Eu irei separar dela se o meu custo de oportunidade tiver baixo, ou seja, se eu tiver pouco a perder ao resolver assumir um novo projeto de vida, que seria viver sem ela. Se o meu custo de oportunidade for alto, ou seja, se eu tiver muito a perder, não importa se no emocional ou no financeiro, eu não irei me separar. Por outro lado, o que define a vontade de alguém participar do programa Big Brother é o custo de oportunidade. Todos que se inscrevem tem custo de oportunidade baixo. Consideram que tem pouco a perder expondo suas intimidades. É por isso que o SBT e a Record não foram bem sucedidos quando tentaram fórmulas parecidas, convidando artistas. Somente atraíram artistas decadentes ou desconhecidos. Afinal, um artista famoso tem o custo de oportunidade alto.
O custo de oportunidade é o que você deixa de ganhar ou perder por estar fazendo algo num determinado momento. Portanto, tudo na vida tem um custo alternativo, ou de oportunidade. Sempre abrimos mão de fazer algo para fazermos o que estamos fazendo. De modo muito simples, esse é o conceito que nos persegue ao longo de toda a vida, e que nos leva a tomar decisões diariamente, a cada momento. Como disse a Cecília Meireles na poesia Ou Isso ou Aquilo, “se uso anel, não uso luva, se uso luva, não uso anel”...
Levando o conceito para o mundo do leite, o capital empatado na atividade tem o seu custo de oportunidade. Então, ele precisa render mais do que se estivesse aplicado na melhor alternativa possível. Portanto, o custo de oportunidade do capital aplicado no leite varia de acordo com cada produtor. Produtores familiares precisam extrair mais que o rendimento da caderneta de poupança. Já produtores maiores não podem se contentar com o retorno do capital empregado no leite menor que o que conseguem com aplicações financeiras que rendem mais que a poupança e que também são seguras.
O segundo personagem fundamental na produção de leite é o empresário. Muitos pensam que ele é dono de tudo. Que nada! O empresário não é proprietário. Quem tem tudo, quem é proprietário, é o capitalista. O empresário convence o capitalista a colocar dinheiro na atividade leiteira e, além de terra e capital, contrata trabalho e conhecimento para que a produção ocorra. Ele é o empreendedor. Ele planeja e controla, toma decisões estratégicas do negócio, corre riscos e, depois de pagar juros, alugueis e salários, ele sabe se teve prejuízo ou não. Se teve lucro, esta é a sua remuneração por empreender. Se teve prejuízo, ele morre com este mico. Portanto, não é relaxante ser empresário. Ah! É claro que o empresário não precisa gostar de vaca. É até bom que não goste, para tomar sempre decisões de maneira fria.
O terceiro personagem é o administrador. Ele é fundamental para o cotidiano da propriedade leiteira, pois leite é a atividade mais intensiva em decisões administrativas de todo o agronegócio. A todo momento, decisões precisam ser tomadas e seu papel é decidir questões táticas e operacionais. É seu papel planejar, executar e acompanhar a execução, controlar e corrigir rumos. É claro que ele precisa conhecer conceitos e ferramentas de gestão. Afinal, somente no setor público é que ainda se admite alguém ser gestor sem ter formação e experiência compatíveis. Administrar exige ciência. Não se aprende apenas fazendo. Portanto, é preciso conhecimento e ferramentas atualizadas de gestão. Além disso, administrar exige que haja metas a serem ultrapassadas. Propriedade que não tem metas, não tem gestão! O administrador não corre risco, como o empresário. Sua remuneração é o salário e um percentual variável, para estimulá-lo a focar na ultrapassagem das metas. Ah! Ajuda muito se ele gostar de vaca.
O quarto personagem é o trabalhador. Ele toma decisões operacionais. Portanto, precisa ser treinado e ter conhecimento do que faz. Ele tem uma rotina a seguir e quanto menor o espaço para que ele decida, melhor será o seu desempenho. Ele tem metas claras a cumprir e seu desempenho é continuamente avaliado. Sua remuneração é salário e uma parcela variável em função do seu desempenho e o de toda a propriedade. Ah, sim, gostar de vaca é requisito número um para este personagem. Se não gosta, deve procurar outra coisa para fazer.
Como se verifica, leite é uma atividade complexa também quando analisamos os personagens que reúne, pois cada um tem um perfil próprio, com interesses e características que se completam, mas diferentes entre si. Até mesmo em termos de expectativa de remuneração. Tudo fica mais complexo ainda, quando três ou mais papeis são desempenhados por um mesmo ator, pois isso significa dividir atenção, interesses e objetivos.
O proprietário quem passa o tempo cuidando de vaca está dizendo que deseja ter uma renda de trabalhador. Quem ocupa todo o seu tempo cuidando de vaca e dos problemas do dia a dia da propriedade, está dizendo que não quer ter grandes dores de cabeça. Quer conviver somente com as que já conhece. Portanto, merece ganhar pouco com o leite, pois optou pela filosofia Zeca pagodinho, “deixa a vida me levar”. Se não sobra tempo para pensar e agir como empresário, não pode ter lucro na atividade.
Na vida, todo prazer é pago de alguma forma. Então, quem está no leite puramente por prazer, decidiu matar o personagem empresário que a atividade tanto exige e está obrigando o personagem capitalista a receber menos que deveria pelo capital empatado. A pena para estes casos é clara. É ir ficando pobre aos pouquinhos, até que chega a hora de sair da atividade. Entre 1996 e 2006, um foi embora a cada onze minutos. Agora, o Marcelo Carvalho está estimando que a velocidade de saída está mais rápida: um a cada sete minutos. Portanto, estar na atividade apenas por prazer e por gostar de vaca tem um preço muito caro. O preço é o insucesso garantido, acompanhado do sentimento de derrota!