O ano de 2021 ficou marcado pelo retorno da Inflação elevada, com impactos negativos na produção e no consumo. Mas, desta vez, ela se instalou não apenas no Brasil.
A desorganização no supply chain de múltiplos setores globais tem levado as corporações a refletir se o just in time deve ser substituído pelo just in case. Já os governos têm sido questionados sobre o choque de demanda generalizado, originado por políticas fiscais e monetárias frouxas.
O fato é que a economia dos EUA, Índia e países da Zona do Euro apresentaram taxas de inflação rodando no patamar de 5% anuais. Até o Japão, acostumado a conviver com deflação, teve registros de elevação de preços em 2020 e 2021.
No Brasil, voltamos aos dois dígitos. O IGP-DI fechou o ano acumulando 17,74% e o IPCA 10,06%. Também houve a consolidação de um novo patamar para a cotação Dólar frente ao Real, que saiu de R$ 4,20 do período pré-pandemia, e moldou uma banda cambial bem larga e volátil, cuja cotação oscilou de R$ 5,00 a R$ 5,84.
Para os produtores de commodities agrícolas estes fenômenos trouxeram impactos diferenciados. No caso da soja e do milho, os preços cresceram menos que no ano anterior. De acordo com a COGO – Inteligência em Agronegócio, a variação de preços destes produtos no atacado, mercado interno, foi de 6,2% para soja e 16,2% para milho. A produção ocupou cerca de 60,6 milhões de hectares no conjunto da soja e das três safras de milho e foram colhidos cerca de 225 milhões de toneladas. Soja e milho, sozinhos, geraram expressivo impacto de 43,2% na contribuição das exportações do agronegócio brasileiro, que totalizou US$ 121 bilhões.
Numa comparação com 2020, o ano passado foi de menores margens para produtores de soja e milho, com a desaceleração no preço dos produtos e a aceleração nos preços de insumos básicos, especialmente fertilizantes, defensivos, combustíveis e energia.
No caso da produção de leite, as margens também se reduziram e ficaram muito estreitas, pela significativa elevação dos custos de produção, que acumularam crescimento de 25,3% em 2021, registrando a maior inflação desde 2007, início da série histórica do ICPLeite/Embrapa.
Se em 2020 a aquisição de concentrado representou elevação de custos de 54,5% no ano, com 12,5% para volumoso e 5,8% para minerais, em 2021 o impacto na elevação de custos destes dois grupos de insumos assumiu a dianteira. Volumoso e minerais apresentaram, respectivamente, taxas de crescimento de preços de 73,1% e 46,7%, e a aquisição de concentrados, embora com taxa de crescimento ainda elevada, ficou abaixo da inflação de custos e foi de 17,1%.
Visando obter uma comparação da rentabilidade na produção de milho, soja e leite em 2021, foi escolhida uma propriedade da região central do Brasil, bioma cerrado, que se dedicou a estas três atividades em território contíguo e sob a mesma gestão. Neste texto, portanto, é relatado um estudo de caso, que requer cuidados em termos de generalização dos resultados obtidos.
A produção de leite na propriedade analisada foi de 2,8 milhões de litros em 2021, para um rebanho médio de 244 vacas, com grau de sangue predominantemente holandês. A área utilizada foi de 150 hectares. Portanto, a propriedade obteve 8,9 mil litros por vaca/ano, com 17,2 mil litros por hectare/ano e registrou 590 litros de leite/homem/dia e 20 vacas lactação/homem/dia. Cerca de 90% da receita foi auferida com a venda de leite e o restante com venda de animais. A produção ocorre em sistema Compost Barn, com uso de energia fotovoltaica financiada e em período de amortização.
Foram destinados 60 ha para a produção de milho e 35 ha para a produção soja. Nestes 35 ha ocorreu o uso de irrigação por meio de pivô. A produção de grãos é feita com o uso de maquinário alugado. Então, para uma avaliação mais aproximada em termos de capital investido, foram estimados os valores de capital empregado em máquinas, caso estas fossem ativos efetivos da propriedade, já que este item tem impacto considerável no resultado da rentabilidade. Portanto, parte do valor do capital usado para a produção de soja e milho foi estimada. Por outro lado, a receita considerada para a análise foi baseada na cotação de milho e soja no mercado futuro, para abril/2022, negociado na Bolsa B3.
Em 2021, a propriedade apresentou as seguintes produtividades por ha:
- 18.615 litros de leite,
- 70 sacas de soja
- 140 sacas de milho.
A Tabela 01 mostra que o leite apresentou margens brutas e líquidas por ha significativamente maiores que soja e milho. Há que se considerar que o sistema de produção é compost barn, em que o gado leiteiro fica confinado. Todavia, o capital imobilizado na produção foi significativamente maior na produção de leite, por ha, impactando na rentabilidade final da operação de produção de leite. A soja, como esperado, foi o produto com melhor desempenho entre as três atividades analisadas.
Tabela 01. Receita, custo e retorno sobre os ativos para a produção de leite, soja e milho em 2021, em uma propriedade selecionada.
Fonte: dados da pesquisa
A Tabela 02 apresenta as taxas de retorno em 2021 das principais alternativas de aplicação financeira do mercado brasileiro e as taxas de retorno sobre os ativos das atividades agrícolas selecionadas. As três atividades superaram todas as alternativas, sendo que milho e soja somente tiveram taxas superadas pela cotação da moeda americana no mercado secundário e a moeda digital Bitcoin.
Todavia, há que se considerar que o IPCA, com 10,06% de variação em 2021, superou todas as aplicações mais comuns, sendo esta taxa anual superada somente pelo retorno obtido com soja e Bitcoin, as únicas a apresentarem rentabilidade real.
Quando se considera o IGP-DI, que é uma medida ampliada da inflação da economia brasileira, somente o Bitcoin obteve rentabilidade superior a 17,78%.
Tabela 02. Rentabilidade em 2021 dos principais investimentos financeiros no Brasil, comparados com milho, soja e leite.
Fonte: Valor Econômico e dados da pesquisa.
Os resultados obtidos demonstram o impacto nefasto que a inflação tem nos mercados físico e financeiro, corroendo a poupança das famílias e desestimulando a atividade produtiva.
A teoria da inflação mostra que, ao persistir por longos períodos, todo o processo de organização econômica se fragiliza, pois se perde o fundamental instrumento de tomada de decisões na alocação de recursos, que é o sistema de preços de uma economia.
No que se refere às atividades agrícolas analisadas, apesar de ter sido um ano com dificuldades visivelmente superiores ao primeiro ano de pandemia, todas as três atividades apresentaram desempenho satisfatório, se comparadas aos ativos financeiros. Este estudo, todavia, não permite generalizações, por ser um típico estudo de casos.
No que se refere a atividade leiteira, há que se considerar que a propriedade analisada produziu média de 7,1 mil litros de leite/dia ao longo de 2021, o que a coloca entre as propriedades que estão entre as 1% que mais produzem leite no Brasil.
Este fato a beneficia no processo produtivo, gerando o efeito escala, que reduz os custos fixos unitários de produção. Também cria condições diferenciadas no processo de comercialização, que a possibilita comprar insumos a preços menores e vender o leite a preços maiores que a imensa maioria dos produtores brasileiros.
A propriedade baseia sua trajetória no conhecimento técnico. É administrada de modo empresarial, adota tecnologias mais recomendadas como seleção genômica e conta com serviços contínuos de assistência técnica contratada. Produção elevada e gestão com base em ciência e em dados foram fatores relevantes para o resultado alcançado, que superou o desempenho dos principais ativos financeiros do mercado em 2021. Portanto, é de se supor que a maioria das propriedades brasileiras de leite tiveram desempenho inferior ao que foi apresentado no presente estudo.
Autores
Paulo do Carmo Martins
Samuel José de Magalhães Oliveira
Manuela Sampaio Lana
Alziro Vasconcelos Carneiro
Membros da equipe técnico-científica do Centro de Inteligência do Leite – Cileite/Embrapa Gado de Leite.
(artigo escrito em janeiro de 2022; para detalhes, entre em contato: paulo.martins@embrapa.br)