Há algumas semanas, os produtores Reynold Groenwold, Hans Groenwold e Robert Salomons, de Castro/PR, lançaram o “desafio do leite”: cada um beberia um copo de leite e desafiaria outras 3 pessoas a fazer o mesmo, publicando seus vídeos em redes sociais.
A “brincadeira” foi ganhando corpo, as pessoas foram se desafiando e o número de vídeos atingiu um crescimento exponencial. Foi criado um perfil no Instagram, que já tem mais de 1000 seguidores. Lá, grande parte dos vídeos está sendo reproduzida. Produtores, técnicos, industriais, pesquisadores, lideranças, todo mundo entrou no jogo (até o técnico Dorival Jr gravou um vídeo), quem sabe em parte por precisarmos nos aproximar de alguma forma, ainda que simbólica, nesse momento de pandemia, elegendo o leite como algo em comum.
É interessante analisar alguns aspectos que caracterizam a campanha e o seu sucesso. O primeiro aspecto é que, apesar de ter sido iniciada por alguns produtores e de ter sido criado um perfil no Instagram, a campanha não tem dono e é totalmente orgânica, sem ser fruto de uma ação coordenada de marketing feita por uma empresa ou entidade. Talvez por isso, por não ter marca ou rosto, tenha sido adotada por tanta gente no setor. Não sei se Reynold, Hans e Robert tinham ideia de que sua campanha iria atingir proporção tão grande que até o presidente da república bebeu seu leite, momento raro em que somos lembrados pelas mais altas esferas administrativas. É um começo, quem sabe.
O segundo aspecto é que, talvez e somente talvez, tenhamos uma narrativa para criar a partir do nosso singelo produto. Ao brindar com leite puro, um alimento que, neste formato, nem é tão consumido pela população (leite é normalmente misturado com café, chocolate e, claro, a base para os derivados), temos a oportunidade de mostrar que, atrás da caixinha ou de outra embalagem, existe alguém trabalhando duro, assim como o consumidor que dos lácteos se alimenta. O leite tem embutido em si, uma potencial narrativa com apelo para o consumidor. Ainda que muita gente fale mal do leite, é certo que é associado à saúde no imaginário da população. E isso é forte. Também, tem em sua origem centenas de milhares de produtores e suas famílias, outro aspecto que nos é favorável. Não se trata de “marketing”, mas sim de simplesmente contar a verdade.
O grande desafio, porém, é fazer com que a mensagem atinja de fato a população, (re)criando uma conexão entre produtor e consumidor, a ponto de o consumidor compreender que há uma cadeia produtiva feita por gente de verdade, que se esforça para produzir com qualidade. Apesar de isso não ser fácil de se conseguir, a campanha dá pistas de elementos que são imprescindíveis para o sucesso:
- o produtor falando do seu negócio, da sua tradição;
- iniciativa bottom-up (de baixo para cima), partindo de produtores e sem dono, e não top-down (de cima para baixo), de forma coordenada, com marca associada e com propósito de lucro;
- ausência de produção e edição refinadas, caso contrário daria uma imagem “comercial” e desvirtuaria a mensagem;
O produtor cada vez mais como comunicador é algo sobre o qual é interessante de se refletir. No filme o “Discurso do Rei”, o Rei George VI comenta em uma passagem que, nos tempos de seus antepassados, os reis precisavam ser bons nas batalhas e que, agora, precisavam ser bons de discurso, cuja transmissão via rádio tinha o poder de influenciar os súditos. Fazendo uma analogia com o momento atual, acredito que o produtor, além de produzir, precisa ser um comunicador do seu negócio, participando da criação de uma narrativa positiva. Claro, a narrativa precisa ser alicerçada na realidade e, para isso, temos de fazer a nossa lição de casa: qualidade, sustentabilidade, ética, bem-estar animal e geração de renda.
O grande desafio é como, de fato chegar ao consumidor. Como fazer com que ele se interesse pela produção de alimentos? E como comunicar de forma maciça, sem que seja uma ação coordenada, pasteurizada e transformada em negócio? Eis aqui nosso maior desafio. Não tenho a resposta, e não conheço ninguém que tenha. Mas estou procurando.
PS: como decorrência a se lamentar da campanha, cito o uso político desvirtuado que se fez dela, associando o consumo de leite à “supremacia branca”. Não vou estimular esse debate, porque não quero entrar na seara política (usem seus perfis no Facebook para isso). Mas essa distorção doentia mostra que se expor é cada vez mais complicado, em um ambiente em que as fake news não escolhem lado e ganham proporções de verdade conveniente ao serem compartilhadas.
Dureza, mas vamos em frente. Feliz dia Internacional do Leite!
Veja aqui o vídeo 01:
E aqui, o vídeo de nossa equipe na AgriPoint brindando ao leite:
Viva o leite!
Observação: após a publicação do artigo, recebemos informações de que o perfil original no Instagram é o @desafiosdoleite. Inicialmente, apenas conhecíamos o outro, @desafiodoleite, muito divulgado em grupos de produtores que participamos. Assim, corrigimos no artigo, fazendo referência ao oficial.