Marcos Veiga dos Santos
Staphylococcus aureus é o principal patógeno causador de mastite subclínica em rebanhos leiteiros. Uma vez acometida, a vaca pode apresentar infecção intramamária crônica, que dificilmente responde ao tratamento. Além disso, as perdas econômicas da mastite causada por S. aureus estão associadas ao aumento da contagem de células somáticas (CCS), redução da produção do leite e potencial de transmissão para outras vacas dentro do rebanho. Estudos recente descreveram diferenças epidemiológicas entre cepas de S. aureus, e em alguns rebanhos, observa-se alta incidência de mastite com sinais clínicos. Neste artigo serão abordados a patogenia e epidemiologia de S. aureus, um patógeno considerado o principal “vilão” do úbere de vacas leiteiras.
Patogenia
Um novo caso de mastite causada por S. aureus tem início pela invasão do patógeno via canal do teto, e após adentrar a glândula mamária, este microrganismo é capaz de se ultrapassar as defesas do sistema imune da vaca e estabelecer uma infecção intramamária (IIM). Vacas com lesões e ferimentos na pele e extremidade do teto têm maior risco de contraírem IIM causadas por S. aureus. Ao adentrar a glândula mamária, S. aureus adere-se às células epiteliais, o que reduz a probabilidade de serem eliminadas durante a ordenha.
A defesa primária do sistema imune da vaca contra uma infecção é a fagocitose do patógeno pela ação dos neutrófilos, primeiras células somáticas envolvidas na defesa da glândula mamária contra agentes infecciosos. No entanto, S. aureus produz fatores anti-fagocíticos que inibem ou reduzem a ação dos neutrófilos, como a proteína A e a presença de cápsula e pseudocápsula. Além disso, a concentração de anticorpos e outros mecanismos de defesa que facilitam encontram-se em baixa concentração no leite, o que dificulta a eliminação do S. aureus da glândula mamária.
Uma vez estabelecido, S. aureus pode causar lesões nas células epiteliais secretoras e nos ductos mamários, o que aumenta a disseminação do microrganismo em áreas profundas da glândula mamária. Tais lesões causam a oclusão dos ductos e alvéolos e consequente, a encapsulação do S. aureus. As bactérias encapsuladas podem se tornar uma fonte de infecção para outras porções da glândula mamária ou desenvolver granulomas e microabscessos que reduzem a ação dos antimicrobianos.
O tecido afetado da glândula mamária é posteriormente tomado por toxinas e enzimas extracelulares produzidas por S. aureus. As toxinas têm efeito direto sobre o tecido mamário desencadeando uma resposta inflamatória. Por outro lado, a ação. de enzimas na patogenia da mastite não está bem claro, mas podem facilitar a adaptação e multiplicação dos patógenos no leite. A reação inflamatória e as lesões no tecido secretor mamário causadas por S. aureus causam o aumento da CCS e redução da produção de leite.
Fontes de infecção e epidemiologia
O úbere de vacas em lactação é considerado o principal reservatório de IIM causadas por S. aureus. Mesmo que este patógeno possa ser isolado do ambiente e das instalações, o principal modo de transmissão de S. aureus ocorre pela via contagiosa (vaca-vaca). Nestes casos, a transmissão ocorre principalmente pelo contato de vacas sadias com teteiras contaminadas após ordenha de vacas infectadas.
Outro potencial agente de transmissão do S. aureus entre vacas é a mosca do chifre (Haematobia irritans). Um estudo demonstrou que a mosca do chifre foi capaz de transmitir S. aureus entre novilhas causando novas IIM. O estudo também descreveu que as feridas presentes nos tetos podem ser a fonte primária de colonização de S. aureus. Rebanhos com programas de controle de moscas têm menor risco de mastite causada por agentes contagiosos no início de lactação que os rebanhos que controlam as moscas.
Novilhas para reposição também pode ser uma fonte importante de infecção de S. aureus. Em alguns rebanhos, a prevalência de IIM causada por S. aureus no pré-parto de vacas primíparas pode chegar até 37%. É possível que a glândula mamária de novilhas se torne infectada por S. aureus antes de seis meses de idade permanecendo com a IIM durante a primeira lactação.
Resultados de estudos também demonstram que rebanhos que compram novilhas de reposição de outras propriedades têm maior prevalência de IIM causada por S. aureus que rebanhos com a reposição da própria fazenda. Além disso, rebanhos que compram novilhas de reposição podem ter maior diversidade de cepas de S. aureus que rebanhos fechados com as próprias novilhas de reposição.
Novilhas são mais susceptíveis à IIM durante o último trimestre de gestação. Presume-se que vacas primíparas adquirem IIM a partir de bactérias presentes na pele dos tetos, e que posteriormente invadem a glândula mamária via canal do teto do teto. Um estudo que avaliou genotipicamente as cepas de S. aureus relatou que as possíveis fontes de infecção de S. aureus isolados do colostro de vacas primíparas no parto foram: leite de vacas em lactação (70%), regiões do corpo das novilhas (39%) e fontes ambientais (28%). Outro estudo descreveu que 71% das cepas de S. aureus isoladas de secreção mamária de novilhas no parto foram genotipicamente semelhantes às isoladas do leite de vacas em lactação; e 47% das cepas de S. aureus isoladas dos tetos e da pele do úbere de novilhas foram genotipicamente semelhantes às isoladas do colostro de novilhas na primeira ordenha após o parto.
Técnicas de biologia molecular com diferenciação genotípica intraespecífica têm auxiliado na caracterização etiológica e epidemiológica de S. aureus causadores de mastite. Estudos recentes demonstraram a existência de diferentes cepas de S. aureus, com tendência de predominância de cepas genotipicamente iguais em nível de rebanho. Também tem sido observado que existem diferenças intraespecíficas quanto ao potencial de transmissão, grau de inflamação da glândula mamária, persistência de infecção e impacto sobre a CCS e produção de leite. O impacto que cada cepa de S. aureus causa sobre a sanidade de úbere depende do grau de adaptação da cepa ao hospedeiro. Algumas das características específicas das cepas de S. aureus estudados incluem resistência aos antimicrobianos e capacidade de sobreviver no biofilme e/ou interior de células, o que influencia na resposta do sistema imune da vaca e no resultado da terapia antimicrobiana.
No próximo artigo serão abordados temas relacionados à prevenção e controle da mastite causada por S. aureus, bem como, protocolos terapêuticos utilizados no tratamento deste patógeno causador de mastite.
Fonte: Middleton, J. R. Staphylococcus aureus mastitis: have we learned anything in the last 50 years? Proceedings National Mastistis Council Regional Meeting, Portland, Maine, p. 1-8, 2003.
*Doutorando do Programa de Pós-graduação em Nutrição e Produção Animal, FMVZ-USP.