Marcos Veiga dos Santos
A pressão financeira exercida pela pequena margem de lucro dos produtores de leite demanda esforços contínuos para aumento da rentabilidade de uma fazenda leiteira. O sucesso da atividade depende da manutenção constante de fatores como melhoramento genético, sanidade, nutrição e gerenciamento de rebanho. A maioria das fazendas leiteiras modernas são caracterizadas por altos níveis de informatização. Atualmente, sistemas de ordenha com programas computadorizados podem fornecer dados de produção, condutividade elétrica, e qualidade do leite produzido em nível de vaca e rebanho. O aumento exponencial do número de vacas por rebanho, principalmente em países desenvolvidos na produção leiteira (EUA, Canadá, Nova Zelândia e países europeus) é um fator que contribuiu para modernização dos sistemas de produção.
Sistemas de ordenha modernos são equipados com medidores de condutividade elétrica ou com sofisticados contadores de células somáticas em tempo real que permitem a identificação de vacas com mastite subclínica logo após a ocorrência da infecção. No entanto, a decisão de manejo a ser tomada, como realizar ou não um tratamento ou segregação nem sempre é tarefa fácil. Para o tratamento de vacas com alto risco de infecção, deve-se considerar o custo do medicamento e o descarte de leite com resíduos de antibióticos.
As principais medidas de controle que podem ser tomadas em relação à mastite subclínica durante a lactação incluem: tratamento com antimicrobianos; segregação do leite obtido de quartos infectados; secagem permanente (química) de quartos infectados; e descarte da vaca. No entanto, cada uma dessas medidas apresentam inconvenientes. O tratamento com antimicrobianos nem sempre é efetivo e está associado com descarte de leite de todas as glândulas mamárias durante o período de carência do medicamento. Além disso, o uso indiscriminado de antimicrobianos tem sido considerado um problema de saúde pública, em razão da resistência aos antimicrobianos e o risco de resíduos no leite. Finalmente, a criação de novilhas tem um custo elevado para as propriedades leiteiras, e ao avaliar o custo/benefício de se descartar uma vaca, é necessário considerar cada caso individualmente.
Recentemente, uma nova técnica baseada na infusão de hidrolisado de caseína (HC) em quartos mamários com infecções intramamárias (IIM) crônicas mostrou-se efetiva para interrupção de secreção do leite e secagem do quarto afetado. Este procedimento mimetiza em modo acelerado o processo fisiológico induzido durante a involução da glândula mamária. O processo de involução do tecido mamário secretor de leite pode ser desencadeado pela atividade intensiva da plasmina (uma protease presente no leite), com consequente liberação de peptídeos ativos derivados da caseína. O hidrolisado de caseína contém tais peptídeos ativos de derivados de caseína, os quais aceleram a involução do tecido do mamário.
Um estudo demonstrou que a involução mamária foi completa dentro de três dias após a infusão intramamária de HC em vacas e cabras. Em comparação, a total involução do tecido mamário levou de três a quatro semanas quando o tratamento com HC não foi realizado. Adicionalmente, a infusão intramamária de HC resultou em redução significativa da produção de leite já no primeiro dia após o tratamento. Tais respostas podem ser manifestadas dentro de oito horas após a primeira aplicação, o que pode estar relacionado com a ativação forçada do sistema imune inato.
As propriedades terapêuticas do HC também foram estudadas na eliminação de IIM pela secagem de glândulas mamárias infectadas durante a lactação, e resultou em secreção normal de leite na lactação subsequente. Além disso, foi relatado que a infusão de HC induziu respostas bactericidas e bacteriostáticas em testes in vitro com Escherichia coli e Staphylococcus aureus. Ao contrário de outros tratamentos que utilizam antimicrobianos, a glândula mamária infundida com HC retornou à plena produção na lactação subsequente.
Um estudo recente realizado em Israel avaliou um procedimento alternativo que permite explorar as ferramentas de controle da mastite subclínica atualmente disponíveis e outras em fase de avaliação experimental, a fim de produzir leite de alta qualidade com o máximo de eficiência econômica. O procedimento sugerido levou em consideração informações disponível em nível de vaca, com o objetivo de escolher o melhor tratamento. As estratégias de manejo realizadas em vacas com mastite subclínica crônica foram: ausência de intervenção, tratamento com antimicrobianos após análise de antibiograma, secagem do quarto mamário infectado com HC ou secagem da vaca.
O estudo foi realizado em uma fazenda com 200 vacas em lactação equipada com um sistema de ordenha informatizado. Tal sistema fornece dados em tempo real sobre a idade, número de lactações e composição e produção do leite, os quais puderam ser comparados com dados de sanidade da glândula mamária por meio de condutividade elétrica. Em geral, todas as vacas que apresentaram mastite evidenciada pela redução da produção e aumento da condutividade elétrica do leite foram tratadas com antimicrobianos intramamários, após análise de antibiograma. A secagem antecipada com infusão intramamária de 10 mL de HC foi realizada quando apenas um quarto mamária apresentava CCS >1.000.000 células/mL em três meses consecutivos, com ou sem isolamento de microrganismo, ou quando o quarto mamário infectado não respondia ao tratamento com antimicrobianos. Nas ordenhas subsequentes, os demais quartos foram ordenhados normalmente.
No total, 62 vacas com CCS >200.000 células/mL foram tratadas com antimicrobianos, e quartos infectados de 17 vacas passaram pelo procedimento de secagem antecipada com o uso de HC. Das 62 vacas tratadas com antimicrobianos, 40 (64,5%) foram curadas. A média de CCS das vacas durante o período de tratamento foi de aproximadamente 1.500.000 células/mL. Na primeira amostragem de leite, aproximadamente um mês após o término do tratamento, a CCS reduziu ao nível considerado adequado para vacas sadias (100.000 células/mL), e permaneceu com baixas contagens durante os três meses subsequentes. As vacas apresentaram um leve aumento na produção de leite após o tratamento e permaneceram com o mesmo nível produtivo por três meses, mesmo com o avanço dos DEL.
Das 17 vacas tratadas com HC, oito iniciaram nova lactação durante o período de estudo. No momento da secagem, todas as vacas receberam antimicrobianos para vacas secas nos quartos mamários ativos. Sete das oito vacas que tiveram quartos mamários com a produção interrompida pelo uso de HC na lactação anterior restabeleceram a produção normalmente e não apresentaram isolamento microbiológico. A CCS durante os 100 primeiros dias da lactação subsequente, incluindo os quartos não tratados, foi inferior a 100.000 células/mL.
Antes de se tomar qualquer decisão em relação ao tratamento de vacas com mastite subclínica devemos sempre considerar algumas variáveis econômicas, como preço do leite, custo do tratamento, e descarte do leite durante e após o tratamento. O uso de sistemas de ordenha informatizados, equipados com dispositivos que fornecem dados em nível de ordenha, pode ser uma ferramenta para auxiliar na tomada de decisão quanto ao tratamento de IIM. Além disso, a disponibilidade de HC poderá ser uma estratégia eficiente para o tratamento de casos de mastite subclínica crônica em um futuro próximo.
Até que tais ferramentas modernas não estejam disponíveis em larga escala aos produtores de leite, registros e dados em nível de vaca podem ser comparados para tornar as fazendas leiteiras mais eficientes economicamente. Dados como o número de lactações, DEL, produção de leite (diária e de toda lactação) e status reprodutivo, avaliados em conjunto com o número de quartos infectados, histórico de IIM, agente causador e sensibilidade aos antimicrobianos, são importantes para a decisão de tratamento de vacas com IIM subclínicas durante a lactação.
Fonte: Leitner et al. (2012). Options for handling chronic subclinical mastitis during lactation in modern dairy farms. Israel Journal of Veterinary Medicine, vol. 67 (3), p. 162-169.
*Tiago Tomazi é Médico Veterinário e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP.