Uma situação bastante comum nas fazendas leiteiras é a seguinte: vacas que apresentam um primeiro caso de mastite clínica na lactação são tratadas com o protocolo padrão da fazenda, mas após alguns dias/semanas de cura clínica retornam com os mesmos sintomas no mesmo quarto mamário. As dúvidas mais comuns que surgem nestes casos são:
a) houve falha de tratamento e a mesma bactéria persistiu no quarto mamário?
b) houve uma nova infecção causada por uma bactéria ou cepa diferente da anterior?
Essas dúvidas são importantes, pois podem influenciar nas tomadas de decisão sobre o protocolo de tratamento (está funcionando ou não) e sobre as medidas de prevenção (novos casos estão aumentando porque as medidas de prevenção não estão funcionando).
Conceitualmente, a mastite clínica recorrente ou repetida ocorre quando há cura clínica (desaparecimento dos sintomas), mas há o reaparecimento no mesmo quarto após 14 dias do início do episódio anterior. Quando eles reaparecem com menos de 14 dias, considera-se que seja o mesmo caso clínico. A mastite clínica recorrente pode ocorrem em duas situações:
1) mastite persistente por falha de tratamento (a mesma bactéria/cepa é isolada nas duas situações);
b) nova infecção (quando os novos sintomas são causados por bactérias/cepas diferentes do isolado inicialmente).
A definição de mastite recorrente persistente ou nova infecção não pode ser feita pelos métodos convencionais de cultura microbiológica, pois a identificação do tipo de cepa causadora somente é feita com o uso de métodos moleculares de identificação bacteriana.
Estudos realizados na Alemanha indicam que alguns rebanhos leiteiros podem chegar a registrar até 50% de casos clínicos recorrentes, o que reduz a produção total da vaca e aumenta os custos do tratamento. Além disso, há o aumento do risco de morte e descarte prematuro, que podem ser causados tanto por novas infecções, quanto por infecções persistentes do tratamento anterior. Alguns fatores de risco podem estar relacionados com a recorrência da mastite, como o número de lactações, idade, patogenicidade da espécie causadora e pressão de infecção.
Um estudo recente na região Norte da Alemanha foi realizado para avaliar a distribuição dos tipos de patógenos causadores de mastite clínica recorrente e determinar as mastites persistentes e novas infecções. O estudo foi conduzido em 3 fazendas leiteiras durante 4 anos. Os casos clínicos de mastite foram diagnosticados pela presença de grumos, inchaço, dor e aumento da temperatura corporal e foram realizadas coletas de leite compostas e por quarto mamário (QM). As análises microbiológicas foram feitas para a identificação da espécie causadora de mastite, sendo realizadas no primeiro caso clínico e nos casos clínicos recorrentes. A diferenciação do tipo de cepas dentro da mesma espécie foi realizada por técnicas de biologia molecular (Amplificação aleatória de DNA polimórfico-RAPD).
Do total de casos de mastite clínica avaliados (n= 2043), 1.598 foram primeiros casos na lactação e 445 foram casos recorrentes no mesmo quarto, sendo os patógenos mais frequentemente isolados S. uberis (29%), E. coli (15%), e S. aureus (6%; Figura 1).
Figura 1 – Patógenos causadores de casos de mastite clínica (casos totais; n=2043)
Fonte: Adaptado de Wente et al., 2020
Dentre os casos recorrentes (n=445), 145 (32,6%) tiveram as mesmas espécies causadoras de mastite no primeiro caso e nas infecções recorrentes (Figura 2). No entanto, com base nas análises de biologia molecular (RAPD), somente 49 (11%) dos casos recorrentes apresentaram a mesma cepa patogênica da infecção anterior, indicando, assim, que eram casos persistentes. Desta forma, cerca de 89% das mastites clínicas recorrentes foram causadas por bactérias ou cepas diferentes daquelas inicialmente isoladas no primeiro caso.
Figura 2. Patógenos causadores de casos recorrentes de mastite clínica (n=445).
Fonte: Adaptado de Wente et al., 2020
Os resultados indicam que o tipo de recorrência de mastite clínica (persistente ou nova infecção) varia de acordo com o patógeno causador e com a capacidade de adaptação do patógeno na glândula mamária. Por exemplo, do total de mastites clínicas recorrentes, há uma variação da porcentagem de identificação da mesma cepa no primeiro caso e nos casos posteriores: S. uberis 15%, S. aureus 29%; E. coli 29%; S. dysgalactiae 25%. Desta forma, a grande maioria (>70%) dos casos de mastite recorrente têm causas diferentes em comparação ao tipo de cepa identificada no primeiro caso. Alguns agentes, como S. uberis, têm alta recorrência de casos de mastite clínica, mas têm baixa persistência, o que significa que os casos recorrentes são em grande parte provenientes de novas infecções causadas por diferentes cepas de origem ambiental.
Desta forma, os resultados deste estudo indicam a importância das medidas de prevenção de novas infecções, pois a maioria das vacas que têm mastite recorrente são as que tiveram cura no primeiro caso de mastite, mas têm alto risco de novas infecções pelo mesmo agente causador.
Fonte: Wente et al., Veterinary Microbiology, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378113520301346?via%3Dihub
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