Streptococcus agalactiae é uma bactéria Gram-positiva e um dos mais conhecidos patógenos contagiosos causadores de mastite bovina, cujo principal reservatório é a glândula mamária. Pode ser também isolada em superfícies contaminadas com leite, como o equipamento de ordenha e as mãos dos ordenhadores. Nas vacas leiteiras, tem prevalência variável, menos que 10% em países como EUA e Canadá, aproximadamente 50% na América do Sul e mais que 90% na China. Nos humanos pode causar doenças respiratórias, urinárias e de pele e sua prevalência varia de 20 a 40% nos países desenvolvidos, geralmente com quadro assintomático.
Nas vacas leiteiras, a mastite causada por Strep. agalactiae apresenta-se preferencialmente na forma subclínica, com grande aumento da CCS (>1.000.000 céls/mL) e em alguns casos, há substituição do tecido secretor por tecido fibroso. Além disso, pode aumentar a contagem bacteriana total (CBT) do leite de tanque devido à alta eliminação de S. agalactiae pelas vacas infectadas. Antes das modernas medidas de controle, S. agalactiae era uma das principais causas de mastite em vacas leiteiras nos países desenvolvidos, mas houve redução significativa e até erradicação deste agente em muitos países. Por outro lado, as infecções causadas por Strep. agalactiae ainda são um desafio em países onde as estratégias de controle para patógenos contagiosos ainda não estão muito bem empregadas, como nos países da América do Sul, incluindo o Brasil.
Nos países desenvolvidos, nos quais Strep. agalactiae foi praticamente erradicada, os estudos epidemiológicos indicam que as cepas de origem bovina e humana são distintas, sendo a transmissão inter-espécies rara. No entanto, pouco se sabe sobre o comportamento epidemiológico de Strep. agalactiae em países emergentes, que ainda não possuem controle eficaz contra este patógeno. Em razão da alta prevalência de Strep. agalactiae, seja como causador de mastite ou infecções variadas em humanos em países em desenvolvimento, foi desenvolvida uma pesquisa na Colômbia sobre a potencial transmissão inter-espécie de Strep. agalactiae entre vacas e pessoas e seu comportamento frente aos antimicrobianos.
O estudo foi realizado em 33 rebanhos leiteiros da Colômbia, incluindo 191 pessoas e 2092 vacas em lactação. Foram coletadas amostras da garganta e do reto das pessoas nas fazendas, das quais a maioria delas estava envolvida diretamente no processo de ordenha, em contato com esterco ou leite e frequentemente consumiam leite cru. Amostras compostas de leite das vacas foram coletadas juntamente com amostras de fezes e do ambiente (cochos e bebedouros). A confirmação do isolamento de Strep. agalactiae foi realizada por técnicas moleculares baseadas na amplificação/sequenciamento do DNA bacteriano (PCR/MLST), bem como a pesquisa para a possível relação entre os isolados humanos e bovinos.
Os resultados desta pesquisa indicaram a presença de Strep. agalactiae nas amostras de humanos em 76% das fazendas avaliadas, com maior prevalência nas amostras de reto, enquanto que nos bovinos, o maior isolamento encontrado foi no leite, em 85% dos rebanhos. Foi observado que a maioria das sequências moleculares de Strep. agalactiae foram predominantemente ou exclusivamente encontradas em uma única espécie hospedeira, com exceção de uma, comum para as amostras de pessoas e de vacas. Em dois rebanhos avaliados, este tipo molecular foi encontrado também no ambiente, sendo possível traçar rotas hipotéticas de transmissão (Figura 1).
Figura 1. Rotas hipotéticas de transmissão entre pessoas, vacas e ambiente para S. agalactiae em 33 fazendas da Colômbia.
(Fonte: adaptado de Cobo-Angel et al. 2019)
Foi observado que a transmissão inter-espécie pode ocorrer nas duas direções. Por exemplo, os trabalhadores que consomem leite cru podem apresentar as mesmas cepas de Strep. agalactiae nas amostras de garganta, indicando transmissão a partir do leite de vacas com mastite (1) ou por contaminação do leite por fezes das vacas (2). As fezes das vacas, por sua vez, podem contaminar o ambiente enquanto que as cepas originadas das fezes humanas podem ser transferidas para a glândula mamária através das mãos contaminadas, especialmente quando não são utilizadas luvas na rotina de ordenha (3). Com relação à resistência aos antimicrobianos, a pesquisa sugere resistência à penicilina na maioria dos isolados avaliados, embora esta classe de antibióticos ainda seja utilizada com frequência no tratamento de Strep. agalactiae em ambas espécies.
Por fim, a adaptação das cepas em hospedeiros distintos e a aquisição de genes de virulência ou resistência indicam problema de saúde púbica e segurança alimentar. Algumas ações simples como a higiene das mãos e uso de luvas podem melhorar as condições de higiene durante a ordenha e prevenir a transmissão das pessoas para as vacas. Por outro lado, o cuidado com o consumo de leite e a exigência da pasteurização do mesmo pode prevenir a transmissão das vacas para as pessoas.
Fonte: Cobo-Angel et al., Scientific Reports, 2019. (https://www.nature.com/articles/s41598-019-50225-w)