Análise de dados
A análise dos dados de sanidade da glândula mamária é o primeiro passo no diagnóstico dos perfis de transmissão de agentes causadores de mastite em nível de rebanho. Recomenda-se que ambos os dados de CCS individual e registros de ocorrência de mastite clínica estejam disponíveis para análise. Com esses dados, é possível obter uma primeira indicação dos prováveis padrões de transmissão de infecções intramamárias (IIM) em um rebanho. Características importantes da transmissão contagiosa são: longa duração das IIM; CCS do leite de tanque relativamente alta; ocorrência de múltiplos casos clínicos de mastite em um único quarto mamário; alta CCS nos meses antecedentes à ocorrência de mastite clínica; e correlação positiva entre a prevalência de infecções existentes e o risco de novas infecções pelo mesmo patógeno.
Por outro lado, características importantes da transmissão ambiental são: duração relativamente curta das IIM; baixa CCS do leite de tanque; alta incidência de casos clínicos de mastite; ausência de IIM de longa duração; baixa CCS individual antes da ocorrência de casos de mastite clínica; alta incidência de IIM com sinais clínicos imediatamente após o parto; e ausência de correlação positiva entre a prevalência de infecções existentes e o risco de novas infecções pelo mesmo agente.
Dados individuais periódicos de CCS são muito informativos para determinar o perfil de transmissão de mastite em uma propriedade leiteira. Longos períodos (acima de 2 meses) de alta CCS indicam o potencial de transmissão contagiosa de mastite no rebanho. Já em rebanhos onde ocorrem surtos de mastite ambiental, o período de alta CCS (> 200.000 células/mL) normalmente é mais curto devido ao perfil agudo deste tipo de infecção. Outra forma que auxilia no diagnóstico do perfil de transmissão se dá por meio de análises de correlação entre o percentual de novas vacas com alta CCS por teste e o percentual de vacas com persistência de alta CCS no mesmo teste.
Avaliação dos fatores de risco
A segunda fonte de informações fundamentais para identificação do perfil predominante de transmissão de mastite em nível de rebanho baseia-se em uma avaliação criteriosa dos fatores de risco relacionados à mastite. Estes fatores de risco estão compreendidos nas seguintes categorias: biosseguridade, procedimentos de ordenha, sistema de ordenha, tratamento de IIM, higiene do animal e condição das instalações, e manejo de susceptibilidade. Para cada categoria, questionários, observações e mensurações devem ser realizadas rotineiramente. Para uma avaliação adequada, as respostas devem ser padronizadas a fim de se obter um escore de pontuação. Para cada uma das categorias, também é adicionado um escore geral baseado na opinião de consultores. Este último é muito importante, já que muitos produtores já estão cientes dos principais fatores de risco envolvidos com a sanidade do úbere e realizam práticas de manejo para prevenir a mastite. Contudo, a forma de aplicação das melhores práticas de manejo difere entre fazendas. Por exemplo, muitas fazendas usam desinfetantes de tetos após a ordenha, no entanto, em muitos casos, a cobertura dos tetos com o desinfetante é relativamente pobre. Desta forma, mesmo que a fazenda esteja aplicando as melhores práticas de manejo conhecidas, o escore geral do técnico responsável poderá ser mais baixo em fazendaa com execução inadequada destas práticas.
O Quadro 1 ilustra um exemplo de avaliação de risco da mastite. O resultado final desta avaliação demonstrou uma pontuação específica para cada uma das seis áreas de risco identificadas e uma pontuação geral de 71%. A pontuação foi dimensionada de tal forma que 100% é um resultado perfeito e 0% é um resultado extremamente deficiente. Neste exemplo, a fazenda em questão tem duas áreas de alto risco (biosseguridade e sistema de ordenha). Os problemas de biossegurança nesta fazenda foram relacionados à compra de animais de reposição, em que não existia um plano de análise microbiológica do úbere dos animais que entravam no rebanho. O fator de risco relacionado ao sistema de ordenha consistiu em um problema de flutuação de vácuo e ausência de manutenção periódica do equipamento de ordenha. Com base nisto, a fazenda apresentou alto risco de desenvolvimento de infecção com perfil contagioso.
Quadro 1 – Sumário de avaliação dos fatores de risco de uma fazenda com alta predisposição ao perfil de transmissão contagioso. Escore superior a 80% é considerado alto, entre 60 e 80% médio, e abaixo de 60% é considerado baixo.
Fonte: Adaptado de Schukken et al., 2012.
Perfil de infecção
O perfil de infecção em nível de rebanho consiste na identificação dos microrganismos isolados e das características específicas das bactérias identificadas. A identificação das espécies bacterianas responsáveis pelas IIM é a primeira indicação de qual padrão de infecção é mais predominante na fazenda. Por exemplo, se diferentes espécies ou cepas estão envolvidas, é indicativo de um problema ambiental, enquanto o envolvimento de cepas comuns isoladas de várias IIM sugere um perfil de transmissão contagioso. O isolamento de uma única espécie bacteriana não é suficiente para o diagnóstico do padrão de infecção em nível de rebanho. Ou seja, o diagnóstico de uma única infecção por S. agalactiae não implica necessariamente em um problema de mastite contagiosa, enquanto muitos casos de mastite clínica por Klebsiella spp. não estão, necessariamente, relacionados a um problema de mastite ambiental.
Técnicas de microbiologia molecular podem auxiliar na identificação de cepas específicas de organismos causadores de mastite e distinguir entre perfis de transmissão de infecção clonais e não-clonais. Tais metodologias podem, inclusive, identificar a persistência de infecção em um quarto mamário dentro de um determinado período. Infecções intramamárias persistentes são mais propensas a transmitir a doença entre quartos mamários ou vacas, e estão relacionadas com padrão de transmissão contagiosa. A identificação de IIM persistentes ou cepas com habilidade de causar este tipo de infecção são importantes para avaliar o perfil de transmissão de mastite.
Conclusões
O diagnóstico de mastite contagiosa ou ambiental em nível de rebanho só pode ser realizado com precisão quando as três fontes de informações (análise dos dados, avaliação dos fatores de risco e perfil de infecção) são avaliadas detalhadamente. A descrição de surtos de infecção de diferentes espécies bacterianas demonstram que praticamente todas as espécies podem apresentar características tanto com perfil de transmissão contagioso quanto ambiental. O simples registro das espécies de bactérias identificadas na fazenda não é suficiente para o diagnóstico definitivo do perfil de transmissão de mastite em nível de rebanho. Técnicas mais apuradas que possam distinguir entre as cepas bacterianas são necessárias para o diagnóstico preciso do perfil de transmissão de IIM. A partir disto, programas de prevenção e tratamento específicos podem ser propostos aos produtores de leite a fim de combater a mastite e melhorar a sanidade do rebanho.
Referências bibliográficas
Schukken, Y.H.; Leemput, E.S.D.; Moroni, P.; Welcome, F.; Gurjar, A.; Zurakowski, M.; Gutierrez, C.; Ceballos, A.; Zadoks, R. Contagious or environmental – a herd diagnosis. In: XXVII World Buiatrics Congress 2012. Lisboa - Portugal, 2012, 145-148 p.
Haveri, M.; Roslöf, A.; Rantala, L.; Pyörälä, S. (2007) Virulence genes of bovine Staphylococcus aureus from persistent and nonpersistent intramammary infections with different clinical characteristics. J Appl Microbiol. 103:993-1000.
Munoz, M.A.; Welcome, F.L.; Schukken, Y.H.; Zadoks, R.N. (2007). Molecular epidemiology of two Klebsiella pneumoniae mastitis outbreaks on a dairy farm in New York State. J Clin Microbiol. 45:3964-3971.
Fonte: publicado originalmente na Revista Leite Integral, edição 44, outubro/2012.
*Tiago Tomazi é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP (https://www2.fmvz.usp.br/nutricaoanimal/)