Dentro de um sistema de produção de leite, dependendo da taxa de descarte involuntário, o custo de reposição pode aumentar de forma significativa os custos de produção, pois o investimento na compra ou criação de animais de reposição é apenas parcialmente coberto pelo valor do animal descartado. Além disso, o descarte involuntário resulta em outros prejuízos, como a menor capacidade de expansão do rebanho, a perda de material genético de alta qualidade e a redução da produção de leite. Estima-se que o custo dos animais de reposição pode ser, em média, de 20% dos custos operacionais totais, de acordo com o tipo de rebanho e da taxa de descarte.
Dentre as principais causas de descarte involuntário de vacas de alta produção pode destacar: os problemas reprodutivos, a mastite crônica e outros problemas de úbere, doenças de casco e de locomoção, doenças metabólicas e outros. De acordo com um estudo realizado em rebanhos leiteiros brasileiros, a mastite e outras alterações da saúde da glândula mamária foram responsáveis por cerca de 17% dos casos descartes de rebanhos das raças Holandesa e Girolando.
Em algumas fazendas, em razão de alta prevalência de vacas com mastite crônica, principalmente por Staphylococcus aureus, uma alta porcentagem de vacas não responde ao tratamento com antibióticos, mesmo após seguidas tentativas com diferentes antibióticos. Além disso, ainda que a taxa de cura com o tratamento de vaca seca seja maior do que na lactação, algumas vacas não respondem ao tratamento da secagem, sendo que após o parto permanecem infectadas e passam a ser uma fonte de infecção para outras vacas.
Nestas situações, nas quais uma vaca com mastite clínica não responde a 2 ou 3 tentativas de tratamentos com antibiótico, o descarte ou a secagem permanente do quarto infectado são as principais recomendações para reduzir os risco de novas infecções e de reduzir a prevalência de mastite do rebanho. O descarte de vacas com mastite crônica (quando a vaca apresenta CCS elevada por mais de dois meses consecutivos ou quando a vaca apresenta caso de mastite clínica que não responde ao tratamento) é uma medida fundamental para controle de mastite, no entanto, o descarte necessita estar associado com outras medidas de prevenção para reduzir os novos casos de mastite, os quais podem progredir para novos casos crônicos.
Quando descartar uma vaca com mastite crônica?
O descarte de vacas é uma das medidas mais eficientes para reduzir a porcentagem de vacas com mastite crônica, e consequentemente diminuir os reservatórios de agentes causadores de mastite contagiosa, como Staphylococcus aureus. Contudo, o descarte de vacas é uma medida de alto custo e deve ser tomada com base em informações precisas, para que traga benefício ao controle de mastite. Sendo assim, para tomada de decisão sobre descarte de vacas, o produtor necessita levar em consideração se:
a) é mais lucrativo manter a vaca no rebanho ou descartá-la?
b) do ponto de vista sanitário, manter a vaca no rebanho apresenta algum risco?
A decisão de descarte deve levar em conta diferentes características da vaca como o status reprodutivo, escore de locomoção (ocorrência ou não de problemas de casco), produção média de leite na lactação e histórico de mastite. Considerando somente a ocorrência de mastite, sugere-se o descarte prioritário de vacas mais velhas e que tenham algum diagnóstico de mastite causada por Staphylococcus aureus (ou outro agente que não responde ao tratamento, p. ex: Prototheca sp, Nocardia, levedura) nas seguintes situações:
1) Vacas com mastite crônica por mais de uma lactação e com baixa produção de leite;
2) Vacas com CCS alta persistente (acima de 500.000 cel/ml) por mais de duas lactações;
3) Vacas com mais de três tentativas de tratamentos de mastite clínica, mas que não houve resposta;
4) Vacas com mais de um quarto com mastite crônica, nas quais foram isolados agentes contagiosos como Staphylococcus aureus;
5) Vacas com mastite clínica crônica, cujos tratamentos resultem em descarte do leite por mais de 30 dias em uma lactação.
6) Vacas com mastite subclínica crônica, apresentando elevadas CCS por mais de 3 meses, e que mesmo passando pelo tratamento de vaca seca mantêm a infecção após o parto.
7) Vacas com associação de mais de um tipo de problema: mastite crônica, infertilidade, baixa produção e problemas de locomoção.
Contudo, somente o uso de um programa mais agressivo de descarte não é suficiente para um bom controle de mastite, pois o descarte objetiva a eliminação de infecções existentes, sendo então necessário conjuntamente medidas de prevenção para a redução de novas infecções no rebanho.
Quando secar permanentemente o quarto com mastite crônica?
Nos rebanhos com elevada porcentagem de vacas com mastite crônica ou com alta prevalência de vacas com Staphylococcus aureus, o descarte de todas as vacas nem sempre é uma medida viável, pois implica em um custo imediato elevado e redução drástica da produção de leite. Nestas situações, recomenda-se que as vacas com mastite crônica sejam primeiramente segregadas e que seja feito o diagnóstico do agente causador da mastite, para que a tomada de decisão em relação à vaca seja feita de forma mais acertada. Sendo assim, considerando o alto custo do descarte e o fato de que algumas vacas com mastite clínica crônica apresentam o problema em somente um dos quartos, a secagem permanente pode ser uma alternativa a ser utilizada para manter no rebanho vacas de alta produção, mas com a eliminação da fonte de infecção.
A secagem permanente de um quarto mamário com mastite crônica é uma medida recomendada somente para vacas de média e alta produção, com apenas um quarto com mastite e que não apresentem outros problemas de saúde concomitantes. Desta forma, este tipo de medida não deve ser usado como uma prática de rotina, nem com forma de substituir o tratamento de vaca seca. A secagem permanente do quarto implica na perda da capacidade de produção de leite naquele quarto afetado pelo restante da vida produtiva da vaca, no entanto, quando feita de forma adequada permite manter a vaca com os três quartos funcionais e com a eliminação de um reservatório da infecção.
Durante a lactação, a secagem permanente de um quarto mamário, somente é possível porque o úbere apresenta uma divisão anatômica dos quartos, que os torna independentes em termos de produção de leite. Sendo assim, os quartos são anatomicamente separados e a produção de um quarto é independente dos demais. Contudo, para a secagem permanente de um quarto e a manutenção da lactação nos demais, é necessário o uso de uma substância que atue na eliminação do tecido secretor de leite e do agente causador.
Não existem muitos estudos sobre protocolos de secagem permanente de quartos mamários com mastite crônica. Sendo assim, muitas vezes produtores e técnicos utilizam protocolos sem embasamento científico para este procedimento, o que pode levar ao desconforto, dor e prejuízo direto ao bem-estar animal, além de risco da presença de resíduos de desinfetantes ou substâncias inibidoras no leite. Além disso, com o uso de protocolos não avaliados cientificamente pode-se não atingir o objetivo principal que é eliminar a fonte de infecção e manter a vaca em produção com os outros quartos funcionais.
Os únicos estudos sobre secagem permanente avaliaram o uso de clorexidina e iodofor (iodopovidona). Os protocolos avaliados utilizaram duas aplicações intramamárias de 30 ml de solução de clorexidina a 2%, com intervalo de 24 horas. Com relação iodofor, foi utilizado o mesmo protocolo com duas aplicações intramamárias de 120 ml de solução de 5% de iodofor (0,5% de iodo), com mesmo intervalo de aplicações (24 horas).
Considerando que ambos os produtos aplicados resultam em intensa irritação do quarto mamário, é recomendável a aplicação de um anti-inflamatório não-esteroidal, a base de flunixina ou meloxicam. Pode ocorrer inchaço e maior sensibilidade à palpação em alguns quartos, mas estes sintomas desaparecem em dentro de uma semana após o tratamento.
Os resultados do estudo indicaram que o uso da solução de iodofor 5% foi eficaz na eliminação da lactação, uma vez que mesmo após passarem por um período seco, as vacas tratadas não apresentaram retorno da produção de leite. Por outro lado, aproximadamente 70% dos quartos tratados com clorexidina 2% retornaram a produzir leite na lactação seguinte, o que pode ser um risco de manutenção do reservatório da infecção após o parto.
Nos quartos que não receberam a infusão de clorexidina, não foram detectados resíduos desta substância, após o período de aplicação. No entanto, nos quartos tratados, a presença de resíduos de clorexidina foi detectada em até 42 dias após o tratamento. Desta forma, é fundamental que os quartos tratados sejam bem identificados para evitar a ordenha acidental e a consequente presença de resíduos no leite. Não existem estudos que avaliaram a presença de resíduos de iodofor nos quartos não tratados, mas a ocorrência de resíduos de iodo é menos provável do que a clorexidina. No entanto, quando é feito o uso da flunixina ou meloxicam como anti-inflamatório recomenda-se que seja respeitado um período de carência de acordo com a bula.
Sendo assim, se antes do descarte da vaca, a decisão do produtor for pela secagem permanente de um quarto mamário de vacas de alta produção, o uso da solução de iodofor pode ser uma opção para eliminar infecções os reservatórios de infecções crônicas e manter por mais tempo a vida produtiva destas vacas.
Fonte: SANTOS, M. V. Como secar quartos mamários com mastite crônica. Dez-Jan/2015. Mundo do Leite. São Paulo-SP, p.18 - 20, 2015.