O período seco (PS) é a fase do ciclo produtivo em que a vaca pode tanto contrair quanto eliminar uma infecção intramamária (IIM). Durante o PS, a probabilidade de uma vaca adquirir IIMs por patógenos ambientais é mais alta que durante a lactação, e esta probabilidade é particularmente mais alta no início e final do PS. Infecções intramamárias adquiridas durante o PS são frequentemente associadas a surtos de mastite clínica na lactação seguinte.
A probabilidade de eliminação de uma IIM pré-existente durante o PS é, da mesma forma, mais alta que durante a lactação. Após a terapia de vaca seca, já foram descritas taxas de eliminação de IIM subclínicas por S. aureus de 66% na secagem contra 34% durante a lactação. Saber o número de novas IIM e de eliminação de IIM existentes durante o período seco são duas formas de monitoramento imprescindíveis em qualquer programa de controle de mastite.
A identificação de microrganismos por meio da cultura microbiológica de amostras de leite coletadas na secagem e no início da lactação seguinte é uma prática efetiva no monitoramento da sanidade da glândula mamária. No entanto, o tempo para se chegar à identificação de determinados microrganismos e o alto custo de análise, em muitos casos, inviabiliza o uso frequente desta prática pelos produtores. Resultados de contagem de células somáticas (CCS) são utilizados para avaliar a sanidade do úbere em nível de vaca e/ou rebanho, já que altas contagens (> 200.000 células/mL) são indicativas de IIM. Entretanto, a disponibilidade de tais dados pode ser utilizada para avaliar as taxas de incidência e eliminação de IIM durante o período seco?
Um estudo realizado com 91 rebanhos canadenses buscou estimar as taxas de incidência e eliminação de IIM em nível de rebanho durante o PS com base nos resultados de análise de CCS realizada antes da secagem e logo após o parto. Amostras de leite para cultura microbiológica foram coletadas entre a quarta semana precedente à secagem e até duas semanas após o parto. Os resultados de CCS (amostras compostas e por quarto mamário) foram extraídos de programas nacionais de gerenciamento de rebanho e de instituições de pesquisa ligadas ao setor. Análises estatísticas de regressão lineares foram utilizadas para comparar as taxas de incidência e eliminação de IIM por meio de dados de CCS com as taxas de incidência e eliminação de mastite diagnosticada por cultura microbiológica.
A incidência de agentes primários e secundários da mastite, avaliada em nível de úbere ou quarto mamário por meio de cultura microbiológica, demonstrou relação positiva e linear com o aumento (>200.000 células/mL) na CCS. No entanto, apenas nas amostras coletadas por quarto mamário o aumento na CCS foi capaz de predizer a incidência de IIM. Ao avaliar dados de amostras compostas, perdas substanciais do poder preditivo foram observadas para a incidência de agentes secundários quando comparada com a CCS por quarto. Para a incidência de agentes primários durante o PS, a CCS de amostras compostas demonstrou poder preditivo similar, porém de forma mais modesta que os dados de amostras por quarto mamário.
Com relação às taxas de eliminação de IIM, o estudo também possibilitou observar relação linear e positiva entre IIMs causadas por agentes primários e a CCS. Os dados de CCS das amostras com isolamento por agentes primários demonstrou ser um indicador significativo quanto à eliminação de IIM em nível de rebanho. Por outro lado, não foi possível observar a mesma relação para os agentes secundários. Quando os dados de amostras compostas foram avaliados, tanto a CCS de vacas com isolamento de agentes primários quanto secundários demonstrou poder preditivo da eliminação de IIM em nível de rebanho.
Os resultados deste estudo confirmam que os dados de CCS, os quais podem ser mensurados em nível de fazenda por alguns modernos sistemas de ordenha, podem ser úteis para estimar a taxa de novas infecções e de eliminação de IIM entre a secagem e o parto. Ao avaliar os dados de CCS por quarto mamários, limiares de 200.000 e 50.000 células/mL foram os mais indicados para o monitoramento da incidência de IIM por agentes primários e secundários, respectivamente. Além disso, ao utilizar um limiar de 150.000 células/mL, os dados de CCS de amostras compostas demonstraram bom potencial no monitoramento de novas IIM por agentes primários. De forma geral, este estudo sugere que dados de CCS, tanto de amostras compostas quanto de amostras por quarto mamário, podem ser utilizados como alternativa ao uso da cultura microbiológica, quando se pretende estimar e monitorar a eliminação de casos de IIM por agentes primários durante o período seco em nível de rebanho.
Entretanto, o monitoramento da sanidade do rebanho por meio de cultura microbiológica permanece sendo uma prática de extrema importância na identificação dos agentes causadores de mastite. Principalmente em fazendas com altas taxas de prevalência e incidência de infecções intramamárias, ou quando se busca medidas de controle específicas para determinado agente causador.
Fonte: DUFOUR, S. e DOHOO, I. R. J. Dairy Sci. (2012) 95:7173-7185.
*Tiago Tomazi é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP (https://www2.fmvz.usp.br/nutricaoanimal/)