São questões objetivas, mas complexas. Para discuti-las e encontrar possíveis caminhos, a empresa reuniu especialistas de outras cadeias produtivas que passaram suas experiências sobre o ganho de competitividade destes setores, bem como profissionais envolvidos com o setor lácteo. Estiveram presentes como palestrantes André Nassar, do Icone, Marcello Moreira, da Cargill, Antônio Jorge Camardelli, do JBS Friboi, Paulo Machado e Flávio Portela Santos, ambos da ESALQ, Paulo Carvalho, da UFRGS, Glauco Carvalho, da Embrapa Gado de Leite, eu e dois fornecedores da DPA, um de Minas Gerais e outro do Rio Grande do Sul, que apresentaram a estrutura de suas fazendas e seus custos de produção. Estiveram presentes também dirigentes de alguns dos principais laticínios do país e lideranças setoriais.
O artigo que desenvolvo a seguir representa a minha visão sobre a questão da competitividade, que não necessariamente é a visão de todos os participantes do encontro.
Há várias formas de se competir no mercado. Utilizando os conceitos clássicos de estratégia competitiva, uma empresa pode competir com base em custos ou em diferenciação. Na competição por custos, a empresa consegue ofertar no mercado um produto com a qualidade desejada e com menor custo do que os concorrentes. No caso da diferenciação, o sucesso decorre da inovação no desenvolvimento de novos produtos e investimentos na criação de marcas e reputação.
Considerando que estamos falando do mercado de commodities, nosso jogo é a competição custos, logicamente que dentro dos padrões de qualidade exigidos pelo mercado. E, hoje, considerando os preços externos, o câmbio e os preços internos, estamos longe de poder competir por custos, considerando preços externos de menos de US$ 0,25/kg de leite. O gráfico 1 mostra a relação entre nosso preço em dólar e a variação da taxa de câmbio. Percebe-se que, a partir de 2002, o leite se dolarizou: a variação da taxa de câmbio explica muito do preço do leite em US$ no mercado interno.
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Há três possíveis análises decorrentes dessa situação: 1) os fatores exógenos - câmbio e/ou preços dos lácteos mudarão e ganharemos novamente competitividade; 2) esses fatores não mudarão significativamente e, portanto, estaremos fora do mercado internacional de lácteos como exportadores; e 3) os fatores não mudarão mas temos como competir, reduzindo custos de produção (logicamente que remunerando adequadamente a todos os agentes), considerando que cerca de 83% do custo de produção do leite em pó é leite, de forma que esse é o principal item a ser trabalhado.
É difícil apostar que nossa competitividade virá de mudanças no câmbio. O crescimento da economia brasileira tende a atrair investimentos externos e, ao menos se as coisas não andarem bem nos cenários internacional e interno, o real tende a se manter valorizado. E, de qualquer forma, depender do câmbio para ter competitividade é algo pouco sustentável, uma vez que é uma vantagem competitiva facilmente imitável e sujeita a políticas econômicas de governos que podem mudar as regras do jogo de uma hora para a outra. Portanto, embora o câmbio tenha um papel muito relevante e possa jogar por terra as estratégias de competição, por melhor que sejam, parece pouco sensato e confortável depositar nessa variável a fonte de nossa competitividade.
Vamos então ao segundo fator fora de nosso controle e que afeta nossa competitividade: os preços externos dos lácteos. Qual será o patamar de preços futuros, se é que se pode dizer que haverá um patamar?
De um lado, há evidências de que a maior parte do leite produzido no mundo, inclusive aquele que hoje ganha espaço no mercado internacional, não consegue ser produzido aos preços atuais de US$ 0,22 a 0,25/kg. Desta forma, deduz-se que em algum momento os preços voltarão a subir, caso contrário não haverá leite para ser transacionado entre os países. A questão é saber quando e, mais importante, para quanto.
Para começar a responder essa questão, iniciamos com o fato de que parcela significativa do leite comercializado entre países é carregado de subsídios para viabilizar a exportação, o que cria uma situação artificial, permitindo que os baixos preços permaneçam. Dessa forma, é uma questão-chave saber se realmente os subsídios à exportação praticados pela União Europeia serão extintos em 2013, como acordados, ou se serão mantidos diante dos baixos preços.
Outras questões caracterizam o mercado internacional de lácteos. O primeiro aspecto é que se trata de um mercado relativamente pequeno, representando apenas 5% do total produzido no mundo. Leite é um produto de consumo local, cuja produção cresce aonde o consumo cresce, o que tende a manter essa relação entre produção e exportação mais ou menos como é hoje, por um bom tempo. Além disso, os países importadores são basicamente países em desenvolvimento e os gastos com alimentação perfazem parte significativa da renda das famílias. Com isso, eventuais aumentos de preços de alimentos geram retração considerável na demanda.
Essas características nos remetem à conclusão de que um aumento significativo de preços no mercado externo, como o ocorrido em 2007, gerará um estímulo à produção global que, caso não seja consumida localmente, precisará ser exportada, saturando rapidamente o pequeno mercado externo, que gira pouco mais de 40 bilhões de litros anuais (uma vez e meia a produção brasileira). Como os preços altos tendem a desestimular o consumo nos países importadores, a saturação do mercado é ainda mais rápida. Foi o que ocorreu em 2008 e início de 2009, o que explica porque o leite foi das commodities que mais caiu, voltando a níveis pré-elevação de preços, como está no gráfico abaixo.
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O que pode mudar esse quadro? Como já mencionado, um dos fatores seria a política de subsídios da União Europeia e Estados Unidos. No entanto, é provável que caso isso ocorra, uma possível perda de participação destes países no mercado internacional geraria no médio prazo mais uma reorganização dos participantes do que uma elevação significativa dos preços, dada a elasticidade-renda do produto.
Outro fator que poderia estimular preços mais elevados seria o aumento da renda per capita na África e na Ásia, principalmente e que, em dado momento, não teria como ser abastecido localmente. Nessa situação, o mercado internacional cresceria e abriria espaço para países que estão em uma faixa de custos mais alta (considerando as limitações de crescimento dos players mais competitivos), resultando em preços médios estruturalmente mais elevados.
Há, ainda, a questão da elevação dos custos de produção, que forçaria uma mudança estrutural de preços, mas que não necessariamente colaboraria para elevar nossa competitividade.
Em algum grau, as previsões trabalham com essa tendência. A FAO e a OCDE, em seu Outlook 2008-2017, preveem preços dos lácteos 40 a 60% mais elevados do que no decênio anterior. Isso resultaria em preços médios ao redor de US$ 3.000 a tonelada de leite em pó, sempre lembrando que a alta volatilidade desses valores será provavelmente um componente importante no mercado.
Considerando que essa análise faz sentido, a pergunta que fica então é se conseguimos crescer nossa produção de leite (e em tese esse crescimento só ocorrerá se a atividade for atrativa economicamente) a ponto de nos tornarmos exportadores estruturais, considerando preços de US$ 3.000/tonelada e câmbio, digamos, entre R$ 1,80 e R$ 2,00, que resultariam hoje em um preço de equivalência da matéria-prima entre R$ 0,55 e R$ 0,60/litro? Se sim, onde e como esse leite será produzido? O que mais temos de fazer como cadeia produtiva para competir nesse mercado, à luz do que outros setores fizeram e do que o setor leiteiro de outros países vem fazendo?
No próximo artigo, que prometo escrever nos próximos dias, vou discorrer sobre esses aspectos e fatores que podem ou não definir nossa competitividade, e que foram objetos de discussão do evento promovido pela DPA.
Peço a você que reflita também sobre a questão para que possamos criar nesse espaço um debate que possa orientar o setor.