É prematuro afirmar, no entanto, qual será este patamar. Afinal, estamos diante de um momento inédito e sobre o qual inexistiram previsões. Além disso, há, sem dúvida, causas conjunturais influenciando em algum grau o cenário atual. O que não se sabe é o quanto da sabida de preços foi influência momentânea e o quanto é estrutural.
Esse início de artigo soa repetitivo, pois esse tema já foi discutido aqui antes e muito bem abordado por outros colunistas do site. Porém, serve agora ao propósito de introduzir uma outra mensagem pouco discutida, não só aqui mas, arrisco dizer, em boa parte do mundo.
Hoje, como apresentado pelo agrônomo Alejandro Galetto, da cooperativa SanCor, da Argentina, no último Interleite, cerca de 65% do leite exportado é produzido e concebido sob a premissa de preços externos na casa de US$ 0,20 a US$ 0,25/kg de leite. Em outras palavras, foi alicerçado em sistemas de produção viáveis a esse preço. A Nova Zelândia é o exemplo acabado desse princípio. A suplementação é mínima, os animais parem respeitando os ciclos da natureza, de forma a concidir o pico de produção de leite (época da máxima exigência das vacas) ao pico de produção de forragem e há maximização da produção de sólidos por área, uma vez que o leite é voltado à exportação. Na área industrial, as fábricas são as maiores do planeta, visando acolher grande quantidade de leite em um período concentrado, reduzindo também os custos por unidade produzida.
Assim como a Nova Zelândia, a Argentina, a Austrália e o Uruguai, em maior ou menor grau, tem seu sistema de produção estruturado a partir do conceito do mínimo custo. Cabe discutir, porém, - e é aí que a discussão fica interessante - é até que ponto esse sistema consegue responder com eficiência econômica a preços estruturalmente mais elevados. Explicando melhor: se um produtor da Nova Zelândia quiser elevar a produção de leite para surfar na onda dos preços mais altos, qual é o custo de cada litro adicional produzido, considerando que seu sistema de produção está otimizado? O que está em jogo é o custo marginal - o custo de cada litro adicional, à medida que se intensifica a unidade produtiva.
A reflexão em torno dessa pergunta nos leva a conclusões distintas daquilo que temos como fato líquido e certo. A resposta de sistemas baseados em pastejo (no exemplo em questão, de clima temperado) gera potencialmente custos marginais elevados - talvez mais elevados do que os valores de custos marginais de, por exemplo, sistemas confinados. O dado foi apresentado pelo próprio Galetto, mostrando que, para a Argentina, o aumento da produção em uma mesma propriedade é obtido a custos crescentes por unidade produzida, gerando ao final um custo médio bastante superior ao custo inicial. A figura 1 abaixo ilustra o estudo feito no país vizinho.
Parte desse fenômeno decorre das respostas decrescentes ao nível de suplementação, isto é, o primeiro kg de concentrado gera uma resposta superior em leite quando comparado ao segundo, e assim por diante. Também, em sistemas baseados em forragens de clima temperado e, portanto, de elevada digestibilidade, o efeito de substituição é mais pronunciado, isto é, cada kg de ração faz com que o animal deixe de comer uma quantidade maior de forragem quando comparado ao efeito do mesmo kg de ração em sistemas baseados em forragens tropicais.
Voltemos ao custo marginal e ao exemplo argentino. A figura 2 mostra o custo de alimentação suplementar por 100 kg de leite, de acordo com os dados do International Farm Comparison Group, dado apresentado por outro palestrante do Interleite: Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite. A Argentina, assim como o Brasil, está no grupo dos países com menor custo de suplementação, ou seja, apresenta nessa variável um ponto positivo quando se pensa em suplementação visando intensificação. E a Austrália e Nova Zelândia, países que, juntos compõem quase 40% das exportações mundiais? Ao contrário, possuem alto custo de suplementação, que nos permite supor que o custo marginal será elevado - talvez elevado demais para estimular grandes saltos na produção. Logicamente, é possível que haja conversão de propriedades hoje destinadas a outras atividades, como ovinocultura, para a produção de leite, contribuindo para o crescimento da oferta em algum grau e de forma lenta e gradual. Porém, o que se quer dizer aqui é que a capacidade de aumento dos produtores que produzem hoje os mais de 14 bilhões de quilos de leite exportados pela Nova Zelândia talvez esbarre em custos marginais altos, incapazes de competir com os custos marginais de outros países.
Figura 1. Função dos custos em sistemas de produção argentinos. Adaptado de Galetto (2007).
Galetto pondera que, talvez a preços de leite abaixo de US$ 0,20/kg, sistemas pastoris sejam os únicos viáveis, e que acima dos US$ 0,30/kg, os sistemas que ele denomina mais intensivos (confinados) tendem a ser cada vez mais atrativos. No meio, uma zona cinzenta, onde talvez ambos possam co-existir, determinados por características regionais.
É uma análise não só interessante, mas oportuna e necessária. Afinal, como sintetizou o palestrante, o que interessa para especularmos aonde o leite vai crescer não é o custo do leite atualmente produzido, mas sim o custo do leite a se produzir. E, nesse aspecto, o Brasil surge como forte candidato a ocupar espaço crescente no mercado internacional. Além de área para crescer horizontalmente e de produtividades ainda muito baixas (coisa que os Estados Unidos, por exemplo, que têm possibilidade de competir no novo cenário, não têm), temos um dos mais baixos custos de suplementação em todo o mundo.
Figura 2. Preços de suplementação por 100 kg de leite. Adaptado de Rafin (2007).
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