O fato da semana para o agronegócio foi, sem dúvida, o vídeo viralizado do Papo de Segunda (programa da GNT), em que Fábio Porchat, Bela Gil e companhia limitada discutiram os efeitos negativos da produção bovina no meio ambiente, bem como o modelo de desenvolvimento supostamente equivocado do chamado agronegócio, que polui, desmata, afeta a saúde e concentra riqueza.
O agronegócio, como de costume, reagiu com veemência, seja ridicularizando o material (que, obviamente, não tinha mesmo conteúdo que salvasse), seja expondo a revolta contra aqueles que “não usam botina” e se sentem no direito de falar o que bem entendem.
É compreensível que qualquer pessoa que atue no setor fique revoltada. Não é fácil ver leviandades sendo faladas a público, sem chance de defesa. Mas temos de aprender a conviver com essa realidade, e a resposta não é aquela que temos dado nestas ocasiões. Longe disso.
Vivemos em um mundo polarizado, não só pelo ambiente político, mas porque é natural que em um mundo cada vez mais incerto, em mutação, tentemos simplificar nossa vida escolhendo uma visão que se encaixe mais facilmente na maneira como pensamos e agimos.
Tentamos, a todo custo, transformar tudo em preto ou branco. Ou você está comigo, ou está contra. Ou isso é muito bom, ou é muito ruim. A moderação (ou o bom senso) é algo raro nesses tempos. Essa polarização gera terreno fértil para que a pós-verdade se estabeleça com raízes fortes: valem mais percepções e crenças que referendem nossas pré-escolhas, do que os fatos concretos que podem se contrapor a elas – até porque existem fatos concretos que corroboram quase que quaisquer posições a respeito de quase tudo. Nesse cenário caótico e de desinformação apesar (e também por causa) do excesso de informação, nos apegamos a versões com as quais melhor nos identificamos.
Nesse sentido, quando o agro parte para o confronto, posiciona-se involuntariamente na outra extremidade do debate e força o consumidor a escolher o preto ou o branco. Além, é claro, de gerar forte desgaste com porta-vozes da sociedade, gostemos ou não deles. E, admitamos, a tendência nessa “briga” é que o consumidor se posicione contra o agronegócio, seja porque a associação entre agronegócio e desmatamento, agrotóxicos, transgênicos e outras palavras do demo é muito fácil de ser feita dada a profusão de posts e matérias sobre o tema, seja porque a influência de personalidades como Porchat e Bela Gil é muito maior do que a nossa: a título de exemplo, Fábio Porchat tem 5,5 milhões de seguidores no Instagram; a CNA, entidade que representa os produtores agropecuários, 25,2 mil, certamente a expressa maioria do próprio setor. Assim, ao partirmos para a briga franca, o efeito é exatamente o oposto: facilitamos a escolha para o consumidor. Contra nós.
O ponto crucial é que, para enfrentar essa realidade de profusão de informações desencontradas e muitas vezes equivocadas, não adianta “falar para a torcida”, como temos feito continuamente. Temos que estabelecer um diálogo com a sociedade, com paciência, respeito e informação.
Para ganhar a credibilidade do consumidor, representado neste episódio por porta-vozes como Porchat, Emicida e Bela Gil, é necessário ter a coragem de mostrar que o mundo não é preto ou branco, mas sim um nuance de matizes em que coexistem práticas ambientalmente ruins, com práticas altamente eficazes quando se fala em conservação ambiental no agronegócio, por exemplo. Em que a carne bovina pode ao mesmo tempo ser a solução para milhões de pessoas (há tribos da África em que até hoje a medida de riqueza é a quantidade de bois que possui), mas também parte do problema, dependendo do contexto em que está inserida.
Não é comum admitirmos que temos, sim, problemas. Mas isso é necessário para ganhar a confiança e obter um espaço para mostrar o outro lado. Não podemos nos portar como torcedores fanáticos de futebol. Por isso, não necessariamente o melhor interlocutor seja alguém que esteja diretamente envolvido com a atividade produtiva, seja porque tem paixão por ela, seja porque, mais pragmaticamente, ganha a vida com ela (ou uma mistura de ambos os fatores). No final das contas, ao agir assim perdemos parte da razão e a oportunidade de contar uma história que tem muito mais pontos positivos do que negativos.
Não poderia ter melhor exemplo para o que penso sobre o tema do que a participação do Engenheiro Florestal Tasso Azevedo, convidado para o programa para debater o mesmo tema, em episódio veiculado no dia 09/09.
Ao invés de atacar, Tasso procurou Porchat oferendo seu tempo para comentar os pontos e esclarecer eventuais erros dos apresentadores ao discorrer sobre um tema que, claro, desconhecem. Há quem argumente que, não fossem os ataques que o programa recebeu, não haveria espaço para que o tema voltasse à pauta. É possível. Mas não foi quem atacou que foi chamado a debater. Ele não foi “defender” o agro, mas sim esclarecer os pontos. Por isso, ganhou o espaço.
Curiosamente, Tasso não é alguém exatamente do agro, e talvez por isso também tenha tido acesso ao programa: é coordenador geral do MapBiomas e, em uma análise precipitada e simplista, seria apenas mais um ambientalista cujos interesses são absolutamente contrários ao agronegócio.
Pois bem, ironicamente, foi Tasso Azevedo, um ambientalista vegetariano, quem melhor defendeu a pecuária bovina e o agronegócio em geral, a ponto de Porchat admitir: “falei merda.” Com efeito, a sensação é de que os entrevistadores entenderam que o tema é mais complexo e que a verdade não é tão simples como colocaram no primeiro programa, e talvez até tenham mudado de opinião. No mínimo, terão mais cuidado ao tratar do assunto.
Importante, Tasso não falou que a pecuária ou o agro são perfeitos, mas deixou claro que:
a) muito do desmatamento ocorre por ações ilegais envolvendo grilagem e que nada têm a ver com o agro organizado;
b) o boi pode ser parte da solução ambiental ao se manejar bem as pastagens;
c) há um novo agro surgindo, que está tomando as rédeas e que está muito mais alinhado ao meio ambiente do que no passado. De fato, como mensagem secundária, mas muito importante, está o fato de que o agro do futuro está muito mais próximo da agenda ambientalista do que estamos acostumados.
O programa, que recomendo a todos assistir, é uma aula de comunicação e de clareza, ainda que você possa discordar de algumas posições e comentários feitos pelo entrevistado. Acredito que todos concordarão que o agro saiu mais forte perante a opinião pública após essa intervenção. Que aprendamos a lição.
Confira o Papo de Segunda com Tasso Azevedo: