Vi pessoas inteligentes, esclarecidas, formadoras de opinião em suas respectivas áreas de atuação, usando esse episódio, ainda mal explicado em sua totalidade, como uma desculpa para martelar novamente o estereótipo formado ao longo dos últimos 20 anos: o do agricultor ou pecuarista que explora o trabalho, agride o meio ambiente e não se preocupa com a qualidade do que se produz. O retrato representado pela “bancada ruralista”, termo pejorativo que caracterizou políticos do Congresso que atuam defendendo os interesses do setor, hoje suavizado em “frente parlamentar da agricultura”.
Com uma população 84% urbana, o hiato entre o meio rural e o meio urbano só aumenta, principalmente nos municípios e capitais nos quais a produção agropecuária é pouco relevante. Nesse cenário que a cada ano se intensifica, é particularmente notável como os estereótipos equivocados e superficiais são prevalentes quando se pensa no agronegócio brasileiro. Não há meio termo: temos apenas duas “personas” que produzem alimentos: o sitiante desassistido e explorado, e o latifundiário (para usar um termo comum quando eu estava na escola) explorador, poluidor, inconsequente, que presta um desserviço ao país e atende pelo nome de “agronegócio”.
Na visão de grande parte da população (diga-se, do consumidor), o agronegócio é isso. Os recordes de produção, exportação, eficiência, itens abstratos para o cidadão comum, foram e são obtidos graças a comportamentos nocivos à sociedade, anti-éticos e assim por diante.
Daí, muito natural considerar que a produção desses produtores seja processada por empresas igualmente danosas, configurando uma cadeia produtiva marcada pelo atraso. Quando um episódio como o “Carne é Fraca” vem à tona, essa cadeia de pensamento é reforçada. Em outras palavras o estereótipo se materializa e se consolida quando algumas empresas lançam mão de práticas ilegais, sem aqui entrar no mérito da validade/correção da operação.
Isso tudo com um agravante muito significativo nos dias de hoje: com as mídias sociais, o movimento é irrefreável e o efeito disso é incalculável.
Disso, deriva-se dois pontos principais: primeiro, grandes marcas e uma cadeia inteira não podem correr riscos como os expostos pela Operação Carne Fraca. Não, BRF, JBS: vocês não podem sequer ter casos isolados (alguém duvida que, caso o problema ficasse restrito ao Pecin ou Larissa, teríamos no máximo uma pequena nota de rodapé?). Vocês são muito grandes para errar assim.
A partir do momento em que, ainda que de maneira “isolada” ou mal explicada, grandes marcas e grupos que basicamente representam a própria cadeia produtiva são envolvidos, todo o sistema é colocado sob dúvida. Nessa situação, não tem como separar o “joio do trigo”, como quer o Ministro Blairo Maggi. Não é o Pecin; é a BRF, ainda que em uma planta apenas, e em condições não totalmente explicadas; é a JBS, com o Tony Ramos e a Fátima Bernardes alardeando sua qualidade aos quatro cantos.
O segundo ponto é que a enorme competência do agronegócio brasileiro termina quando o tema é dialogar com a sociedade. Esse é um problema histórico, agora potencializado em uma época em que cada cidadão é um formador de opinião. Não adianta comprar espaço na Globo e colocar o Antônio Fagundes falando bem do agronegócio. Esse mundo não existe mais! O consumidor não engole essa conversa e, possivelmente, isso só reforçará a visão de um conglomerado forte, capaz de investir em mídias caras, com celebridades, em uma ação “top/down”.
O que precisa – e isso não é fácil – é mostrar para o consumidor comum quem é que está por trás da produção de alimentos. O que é a produção de alimentos no país. Mostrar que o agronegócio não é formado por empresários sem alma e sem moral, mas sim (em sua enorme maioria) por pessoas que ralam para produzir a comida de qualidade que compramos todos os dias; que temos um dos códigos florestais mais rigorosos do mundo; que não temos subsídios e, ao contrário, crédito escasso e caro; que temos empresas sérias e assim por diante.
Temos que trabalhar para mudar a “persona” que representa o agro, até porque essa “persona” estereotipada não representa, na prática, o grosso das milhões de famílias que compõem a produção de alimentos.
Hoje, da forma como atuamos, é fácil bater no agro: ninguém irá nos defender, mesmo sendo responsáveis pelo superávit comercial do país e qualquer outra medida de sucesso que queiram colocar. O agro não tem nome, normalmente não tem rosto e, quando tem, ele é feio, muito feio. Parece que somos uma espécie de "Geni" da economia!
Não adianta falarmos para nós mesmos; isso tudo nós já sabemos. É preciso dialogar com o consumidor, e nisso temos sido francamente incompetentes. É precisamente nessa frente que, não só a carne, mas todo o agro, é fraco. Muito fraco!
Obs: na foto, vacas leiteiras de alta produtividade, submetidas a ótimas condições de bem-estar animal e que produzem leite de alta qualidade.